Romanos 6.1b-11

30/06/2002

Prédica: Romanos 6.1b-11
Leituras: Salmo 89.1-5,14-18 e Mateus 10.34-42
Autor: Marco Antonio Rodrigues
Data Litúrgica: 6º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 30/06/2002
Proclamar Libertação - Volume: XXVII
Tema:

1. Considerações preliminares

Ao longo da história, a carta de Paulo aos Romanos é uma das referências mais importantes para a fé cristã. Santo Agostinho apoiou-se nela na sua luta contra Pelágio. Os reformadores Lutero e Calvino fizeram dela um instrumento de inspiração, auxílio e consolo em sua busca por uma Igreja mais próxima da graça, do amor e do Evangelho de Cristo. Em especial, o comentário à Carta aos Romanos de Lutero trata o capítulo 6 com destaque. Dele também provém, em grande parte, a fundamentação para o tema do batismo em seu Catecismo.

No séc. XIX, Schleiermacher descobriu exatamente no capítulo 6 desta carta um tema fundamental em sua teologia: a nova vida. Não podemos deixar de mencionar a grandeza do comentário de Karl Barth acerca do mesmo tema, destacando no mesmo capítulo o extra nos da ação de Deus em nosso favor, tampouco deixar de citar esforços mais contemporâneos comos os de G. Bornkamm, apontando seus famosos indicativos e imperativos, ou ainda Elza Tamez, revalorizando a contextualização histórica do discurso de Paulo.

Os comentaristas do texto, bem como seus intérpretes, apresentam e confirmam sua riqueza. Suas análises apontam uma gama muito ampla de possibilidades de interpretação a partir de diferentes pontos de vista. Queremos, humildemente, juntar-nos a eles e ousar propor um caminho alternativo. Cremos que é fundamental sintonizar com o autor dessa carta em seu momento existencial para compreender mais uma faceta de seus muitos significados.

2. Considerações pastorais

A maioria dos autores concorda que este é, com muita probabilidade, o último escrito de Paulo. Quando Paulo escreveu essas linhas, estava experimentando o final de sua caminhada. Ele já havia experimentado uma mudança radical em sua maneira de ver o mundo e a vida. Havia mudado sua perspectiva religiosa (judaísmo). Trocou um lugar de destaque em sua sociedade por perseguição, prisão, trabalho duro e descrédito. Paulo também teve a possibilidade de deparar-se com suas debilidades e fraquezas (espinhos na carne). Talvez por isso muitos autores afirmem que nessa carta está um resumo de sua teologia. Alguns conferem a ela o caráter de tratado teológico. Talvez fosse prudente oferecer a ela também o caráter de legado existencial de uma vida que aceitou correr o risco de transformar-se.

Se ousamos partir daí, talvez pudéssemos estabelecer uma primeira ponte de contato com a realidade existencial de nossas gentes em suas comunidades. Poderíamos começar percebendo que vivemos numa época de transformações radicais. Tudo se transforma a uma velocidade tal, que somos forçados a mudar nossas perspectivas a cada novo encontro com a realidade. Trocando em miúdos, são pais que precisam rever seus valores diante da maneira como seus filhos encaram a vida, a sexualidade, o trabalho, a família. A maneira como uma separação – algo cada dia mais comum em nosso meio – força casais, amigos, parentes e os filhos a verem o amor e os valores que cercam a vida matrimonial sob nova perspectiva (nem sempre saudável). Uma mudança de casa, bairro, cidade ou país por motivos de emprego também traz alterações em nossa perspectiva de vida. Ou mesmo coisas mais cotidianas, como nossos ritos de passagem: batismo, casamento, confirmação implicam câmbios de perspectivas e possibilidades de reordenação de nossa situação existencial e de fé. Por fim, também a doença e a morte podem significar a mesma oportunidade existencial. Tudo isso certamente nos ajudará a buscar elementos para tecer nossa pregação.

3. Considerações hermenêuticas

Optar por uma linha de interpretação a partir do que evidenciamos acima nos parece simples demais. A própria riqueza da comunidade com seus diferentes grupos e maneiras de pensar poderia adicionar ainda outras perspectivas existenciais ao texto. Seria interessante e oportuno realizar estudos sobre o texto com diferentes grupos. Nossa proposta hermenêutica é que se parta de três perguntas fundamentais que poderiam nos ajudar a descobrir a reserva de sentido que os grupos da comunidade conferem a este texto, aproximando, assim, a pregação da realidade vivida por nossas gentes.

1) Quem sou eu? Ou o que a respeito da auto-imagem de Paulo transparece nesse texto? Em muitos momentos, nossa perícope reflete essa pergunta, que talvez seja o pano de fundo do que Paulo experimentava ao escrever essas linhas. Somos pecadores dependentes da graça (v. 1 e 6); somos aqueles que morrem com Cristo, somos enterrados com ele e ressuscitamos com ele (v. 2,4-5); somos pessoas que, pela graça de Deus, evidenciada em Cristo, temos direito a uma vida nova (v. 4b). A mesma pergunta pode ser feita aos participantes, talvez como ponto de partida.

2) Que mundo é este onde eu estou? Ou que tipo de sociedade, família é a minha, que comunidade é esta? Conforme o texto, este é o mundo onde habita o pecado e simultaneamente o mundo que Deus ama. É o mundo que Deus quer ver salvo. Isto se evidencia através dos diferentes momentos onde Paulo enfatiza a obra libertadora de Cristo (vv. 7, 9 e 11). É um mundo de contradições, que pela graça de Deus se torna um mundo de possibilidades amorosas. Esta mesma ambigüidade Paulo experimentou nas comunidades que, em dado momento, o acolheram e em outros o rejeitaram. Essa mesma ambigüidade experimentamos em nossos relacionamentos familiares e comunitários. Pecado e possibilidades de amor estão aí presentes.

3) O que eu estou fazendo aqui? Ou o que esperam de mim e o que realmente sou capaz de oferecer? Em muitos momentos de sua caminhada, Paulo sentiu-se pequeno diante dos desafios que sua nova opção de vida trouxe. Talvez por isso ele tenha mantido a humildade de reconhecer que não foram, em primeiro lugar, suas capacidades que fundaram comunidade, mas a graça de Deus expressa em Cristo. (Aliás, a comunidade de Roma não foi fundada por Paulo.) Neste texto, Paulo enfatiza que esta comunidade tem uma tarefa: viver a vida nova! Não resignar frente a um mundo pecador, uma família pecadora, uma comunidade pecadora ou a própria condição pecadora do indivíduo. Viver dessa graça que nos permite olhar tudo a partir da perspectiva da ressurreição: viver unido com Cristo (vv. 8 e 11). Ou seja, se reconhecemos que o pecado também vive em nós, mas que a graça de Deus nos alcança, podemos parar com as atitudes julgadoras e estabelecer um convívio mais humilde e grato com o mundo e as pessoas que nos rodeiam. Isto parece ser fundamentalmente o que Paulo fez por seu mundo.

4. Considerações litúrgicas

O 6o Domingo após Pentecostes, conforme a série ecumênica, ou o 5o Domingo após Trindade, conforme a série luterana, faz parte do que chamamos de tempo comum na vida da Igreja. Aqui a Igreja passa a refletir a vida em sua simplicidade cotidiana. Por isso, parece muito oportuno, numa época em que o calendário civil marca a metade da caminhada, parar para refletir sobre o que é fundamental em nossa existência cristã.

Os textos previstos para a leitura bíblica nos auxiliam, indicando elementos que mereceriam destaque tanto na pregação como nos possíveis estudos. Mt 10.34-42 aponta para o amor familiar, o amor a Deus, o fazer algo em favor do Evangelho. São temas que podem nos indicar caminhos para respostas mais concretas acerca das perguntas propostas nas considerações hermenêuticas. De forma muito parecida, o Sl 89.1-5 e 14-18 convida-nos a refletir sobre a grandeza do amor de Deus por nós e as possibilidades amorosas que ele coloca em nosso caminho. Algo que também poderia nos ajudar no preparo do tema.

5. Considerações homiléticas

Certamente, a pregação será enriquecida em muito se o pregador conseguir aproveitar o material produzido pela própria comunidade nos estudos anteriores. Como evidenciamos no texto um caráter mais existencial e teológico, torna-se mais difícil procurar um símbolo ou sinal que facilite a comunicação e crie referências. Portanto, propomos que o pregador desafie os diferentes grupos a buscarem um símbolo que evidencie sua busca por vida nova. A pregação poderia contar com esse recurso, além de convidar os diferentes grupos a explicarem o símbolo escolhido e, assim, participarem de maneira mais ativa no culto.

Em nosso texto, o apóstolo usa o batismo como sinal visível da presença e da graça de Deus na vida de sua comunidade. Isso também indica como devemos nos portar neste mundo, a saber, como pessoas batizadas. Embora essa menção ao batismo nos pareça apenas um recurso de comunicação usado por Paulo, o pregador poderia fazer o mesmo. Ou seja, através dos elementos que compõem o ritual do batismo procurar explicar a vida nova. A água sempre foi um elemento muito rico em sua simbologia e poderia ser usada.

Uma pequena história

Num belo dia de verão, ao meio-dia, todos os animais da floresta silenciaram para descansar do calor. Em meio a esse silêncio, um beija-flor desperta e pergunta à rosa: o que é a vida? A rosa, meio assustada com a pergunta, abriu um de seus botões, ajeitou suas folhas para ganhar tempo e respondeu: a vida é um desabrochar diário, um abrir-se para que outros possam beber de seu néctar. Uma borboleta que voava alegremente por perto também se sentiu tocada pelo questionamento do beija-flor e disse: a vida é um brilho intenso, alegre, breve e frágil como uma réstia de sol que passa entre as árvores da floresta. Contudo, uma formiga que estava descendo pelo caule da rosa com uma folha 10 vezes maior do que ela nas costas discordou: não, senhoras, a vida é somente o trabalho que um possa realizar. A esta colocação somaram-se muitas outras, quase sempre em oposição a anterior. A discórdia só se acalmou quando veio uma garoa fina e fria, quase no fim da tarde, e disse: se cada um só é capaz de compreender sua verdade de vida como correta, a vida não poderá ser mais do que lágrimas e solidão. Mas a história não termina por aí. Um peregrino que caminhava solitário pela floresta deu razão a todos e acrescentou: a vida é uma busca eterna por felicidade, pontilhada de tristezas e desilusões. Veio a noite, e todos dormiram, menos o pequeno beija-flor. Ele passou a noite meditando sobre sua pergunta. Quando finalmente amanheceu, encontrou sua resposta: a vida é como a sucessão de noites e dias. É feita de momentos de silêncio, solidão, sofrimentos e escuridão. Mas é como o raiar do dia, luz, esperanças e promessas desconhecidas de felicidade e amor. Cada um precisa fazer sua parte. E saiu à procura de outras rosas...

Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Marco Antonio Rodrigues
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 6º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2001 / Volume: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7172
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