Se acidente fosse fatalidade, os números seriam iguais em todo o mundo

10/02/2013

Senhor, livra-nos do acidente nosso de cada dia! Juntei duas petições da conhecida oração cristã do Pai Nosso: “o pão nosso de cada dia nos dá hoje” e “livra-nos do mal”. Quero com isso destacar a triste realidade de que os acidentes diários parecem querer tomar o lugar de nosso pão diário. Todos os dias somos “alimentados” por essa desgraça que se chama acidente.

Etimologicamente a palavra “acidente” está ligada simplesmente a “ocorrência” ou “acontecimento”. O termo original do Latim pode ser traduzido como “cair a”: “ad cadere” (“ad” quer dizer “a” e “cadere” quer dizer “cair”). Nesse sentido, o acidente é algo que acontece a nós.

O sentido de “acidente” como algo imprevisível, inesperado, infortunado e extraordinário (no sentido de algo que representa um extra na ordem das coisas), deve ter se desenvolvido posteriormente. É simples: a Idade Média, além de responsável por invenções importantes para o cotidiano, como o guarda-chuva, criou também explicações imaginando realidades fora do ritmo ordinário do dia-a-dia. Algumas figuras como o céu, o inferno, o purgatório, o diabo e o papai-noel estão na linha de pensamento da Idade Média. Tudo isso é extraordinário, isto é, não faz parte do ordinário, digamos, da ordem normal das coisas. A figura do Papai Noel, por exemplo, é algo que irrompe extraordinariamente, sem explicações, para dentro da realidade do Natal: a família está reunida para a ceia e eis que surge da chaminé o Bom Velhinho. Não tem explicação. Não faz parte do acontecimento normal das coisas.

Algo parecido pode ter acontecido com o conceito que temos do acidente. O acidente passou a ser visto como algo extraordinário, sem o nosso controle, algo que sai de repente da chaminé, que vem de algum lugar fora da nossa realidade e nos atinge fatalmente.

Aristóteles, que viveu antes da Idade Média (384aC a 322aC), disse que “acidente não é nem a definição, nem o caráter, mas, pertence ao objeto”. Filosofando adiante, podemos dizer que existe a essência e existe aquilo que é relativo a ela. O acidente não é a essência, mas é relativo a ela. Repeitando a terminologia original, precisamos, então, dar razão a Aristóteles: o acidente faz parte de um acontecimento que tem uma essência. Ele não está na definição e nem no caráter da coisa, mas faz parte da coisa.

Por que isso é importante? Porque ainda existem, por exemplo, pessoas que não automatizaram aquele gesto de colocar o cinto de segurança quando sentam no banco de um automóvel. Essas pessoas ainda não fazem isso automaticamente porque não estão convencidas de que é necessário usar o cinto de segurança quando andam de automóvel. Elas têm um conceito errado de acidente. Elas pensam: “se é pra acontecer, acontece igual”. Elas relacionam acidente com uma fatalidade, como se ele não fizesse parte. Poderíamos dizer que elas adotam a forma de pensamento da Idade Média onde se dizia “Papai Noel surge do nada”. Elas pensam “acidente surge do nada”. Elas não aprenderam de Aristóteles que acidente, mesmo não sendo a essência, é relativo a ela. Jogar futebol, por exemplo, é a essência, quebrar o tornozelo é relativo ao jogo. Andar de automóvel é a essência, uma colisão é relativa ao trânsito, fogos de artifício são a essência, os incêndios que provocam são relativos.

Costumamos nos lembrar de Deus quando enfrentamos aquilo que é relativo, como se ele fizesse parte do extraordinário e não do ordinário. Quando acontece o acidente perguntamos: “por que Deus o permitiu?” Deus, porém, não está no ato de quebrar o tornozelo, na colisão de automóveis ou no incêndio. Isso são coisas relativas ao que fazemos. Deus está na essência: na decisão de jogar futebol, na decisão de ir para o trânsito e na decisão de promover festa.

Antigamente os pais e professores batiam nas crianças para que aprendessem. Hoje a lei o proíbe. Hoje a lei também proíbe o acidente, mas parece que as regiões menos desenvolvidas do mundo ainda aprendem apanhando. Que o desenvolvimento não nos dê apenas mais acesso a automóveis, entretenimento e lazer, mas também mais acesso à educação para a segurança.
 


Autor(a): Leonídio Gaede
Âmbito: IECLB
Natureza do Texto: Artigo
ID: 19042
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