Eclesiastes 3.1-8

Alocução para Sepultamento

24/11/2003

A jovem Lúcia (nome fictício), 15 anos de idade, sofreu um acidente de trânsito. Em decorrência da violência do impacto, teve que ser internada numa Unidade de Tratamento Intensivo- UTI. Após nove dias de internamento, seu quadro clínico evoluiu para morte cerebral. Os pais foram então perguntados pela central de transplantes do Paraná sobre a possibilidade de doação de órgãos. A referida doação foi concretizada seis horas após o diálogo. Lúcia e sua família, por meio da doação, ajudaram seis pessoas/famílias a ter uma vida mais digna, plena e abundante.

Essa família não integrava nenhuma comunidade crista de Curitiba. Assim, solicitaram assistência e acompanhamento à Pastoral da Consolação, criada e voltada para o atendimento e acompanhamento dessas famílias. O sepultamento ocorreu no Cemitério Protestante. Desejamos partilhar a alocução, preparada em conjunto com Odair Braun.

 

Prezados irmãos e irmãs em Cristo Jesus aqui reunidos!

No transcorrer de nossa vida, apresentam-se diferentes situações, algumas de alegria, outras de trabalho. Apresentam-se também situações de dor, sofrimento e angústia. Situações semelhantes a esta que agora enfrentamos, quando somos chamados a despedir-nos da jovem Lúcia. Para esta situação e para uma breve reflexão, escolhi o texto de Eclesiastes 3.1-8 que fala dos tempos diferentes que vivemos em nossa vida.

Leitura de Ec 3.1-8

Há tempo de rir, diz o texto. E eu imagino que vocês, em muitos momentos, puderam rir e se alegrar em companhia de Lúcia. Porém, hoje vocês estão tristes, choram a dor da saudade de quem já partiu Há tempo de abraçar, diz o texto. E tenho certeza de que também isto pôde ser feito enquanto Lúcia estava com vocês. Hoje, é tempo de afastar-se de abraçar.

Em seus 15 anos de vida, Lúcia procurou estudar, fazia planos, almejava uma profissão. Para concretizar isto, ela se esforçava nos seus estudos. Hoje, diante da morte, isto pode parecer sem sentido. Diante da morte muito facilmente perguntamos: qual é o sentido desta nossa vida? Por que estamos aqui? De onde viemos? Para onde vamos?

Há alguns dias, estive passando próximo a um parque e ali pude observar crianças brincando com bolhas de sabão. Próximo a estas crianças, adultos se divertiam vendo a alegria dos pequeninos e a dança das bolhas no ar. Mas o que isto tem a ver com a morte de Lúcia? Diante da morte, nossa vida se parece, deixe-me assim dizer, a uma bolha de sabão. A bolha é bela, leve e alegre. A vida de uma bolha de sabão tem início com o sopro das crianças quando estão em meio às suas brincadeiras. Deus nos criou da mesma forma. Ele, Deus, lançou sobre nós o seu sopro de vida e nos criou.

Mas sabemos que repentinamente a bolha de sabão estoura, desfaz-se, desaparece. Isto faz lembrar que também a nossa vida não é para sempre, que também nós temos um tempo determinado, um tempo que não pode jamais ser guardado numa caderneta de poupança.

A bolha de sabão, quando exposta à luz do sol, apresenta brilho, cores diferentes. Fica com as cores do arco íris. A luz das bolhas as deixa mais vivas e alegres, mais bonitas e mais vistosas. O mesmo ocorre conosco quando nos deixamos iluminar pela palavra de Deus. Então ficamos mais brilhantes, mais bonitos, mais cheios de vida. Ficamos com mais sentido e com maior objetividade. Então encontramos respostas às perguntas: de onde viemos? E para onde vamos?

As bolhas são carregadas pelo vento, de um lado para o outro. O vento é um símbolo de Deus, no caso, do Espírito Santo. As bolhas deixam-se carregar de um lado para o outro e assim alegram as crianças que com elas brincam. Da mesma forma, desejo que cada um de nós, em especial a família enlutada, deixe-se carregar pela ação do Espírito Santo de Deus, mesmo que isto nos leve por caminhos dos quais gostaríamos de fugir. O importante é saber que também nestes caminhos Deus tem planos para a nossa vida, que também nestes caminhos ele se coloca ao nosso lado, diante de nós, atrás de nós a fim de nos amparar, de nos confortar, de nos sustentar em nossa jornada.

Mas também sabemos, e também isto eu observava enquanto as crianças brincavam, que repentinamente as bolhas de sabão estouram e se desmancham. Sempre quando queremos segurá-las em nossas mãos, quem sabe com o objetivo de levá-las para casa, elas imediatamente desaparecem. Somem tão rapidamente quanto haviam se formado. Elas são bonitas enquanto carregadas pelo vento. Isto também nos lembra que não é possível eternizar situações em nossas vidas. A vida de Lúcia, a nossa vida, é um exemplo dessas situações. Volto a dizer, não conseguimos guardá-las numa caderneta de poupança.

As crianças sempre lembram com alegria e risos as suas brincadeiras com as bolhas. Da mesma forma, desejo que a família enlutada possa sempre recordar com carinho e alegria os momentos vividos com Lúcia.

Estou lhes dizendo que nenhuma situação é eterna. Cada um de nós tem o seu caminho traçado. O importante é não detê-lo, ou como Jesus Cristo disse a Maria Madalena em Jo 20.17: Halte mich nicht fest - Não me detenhas! Por não poder segurar Lúcia conosco, somos convidados a nos despedir dela. Ela não está mais fisicamente em nosso meio. Mas deve ter lugar privilegiado em nossas lembranças, em nosso coração, em nosso dia-a-dia. Ela parte e nós ficamos com a dor da saudade. Contudo, também devemos lembrar que neste dia há seis famílias de nossa cidade aliviadas porque seus familiares receberam a doação de órgãos permitida pelo Sr. P., a Sra. J e o irmão A. Isto é sinal de amor e de solidariedade.

Desejo fazer ainda uma última comparação de nossa vida com as bolhas e as brincadeiras das crianças. Quando as bolhas estouram, as crianças e mesmo nós ficamos sentidos. Ela era tão bela, tão colorida, tão leve e nos alegrava, dava sentido à brincadeira. Mas se foi. Não existe mais.

O mesmo ocorre quando um familiar, um amigo, uma pessoa próxima e estimada morre. Ficamos sem sentido. Ficamos tristes. Ficamos nos perguntando por que isto teve que ser assim!

Mas, quero lembrar-lhes que nas brincadeiras das crianças com as bolhas, quando as mesmas estouram e principalmente quando a brincadeira acaba, fica a ansiedade pelo próximo encontro. Também diante da morte fica a perspectiva e a ansiedade pelo dia da ressurreição. E este dia tem sentido porque também Jesus Cristo ressuscitou. Este dia tem sentido por causa das palavras do Evangelho de Marcos 16.5ss.

Entrando no túmulo, [as mulheres] viram um jovem assentado ao lado direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: 'Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui, vede o lugar onde o tinham posto'.

Mais adiante, o mesmo evangelho relata que Jesus apareceu a Maria Madalena e aos discípulos. Isto nos dá a certeza da ressurreição. Isto, acima de tudo, dá-nos a certeza de que chegará o dia da vida eterna, o dia do novo encontro com aqueles que já partiram.

Concluo dizendo que a vida, mesmo que breve como a vida de uma bolha de sabão, é bela e formidável. Que possamos ter tempo para pensar sobre a nossa vida e o caminho que ela segue. Mas desejo principalmente que cada um de nós tenha tempo para se colocar ao lado da família enlutada. Que Deus nos conceda força, coragem e fé, hoje e sempre. Amém!

Pa. Vera Maria Immich


Autor(a): Vera Maria Immich
Âmbito: IECLB
Testamento: Antigo / Livro: Eclesiastes / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2003 / Volume: 28
Natureza do Texto: Liturgia
Perfil do Texto: Alocução
ID: 6732
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