Subsídio bíblico para a Mensagem Inclusão na diversidade - um bom sinal de Esperança

Caderno de Subsídios - Semana Nacional da Pessoa com Deficiência - 2011

01/08/2011

Subsídio bíblico para a Mensagem

Inclusão na diversidade - um bom sinal de Esperança

O convite para sermos inclusivos na diversidade nos desafia como Igreja e como pessoas cristãs. A sociedade em que vivemos está imersa nas qualidades humanas definidas pela perfeição, em todos os âmbitos. Está definida por estereótipos que são normas para conquistar posição e espaços sociais, trabalho, respeito, entre outras coisas. Quando as pessoas cristãs entendem que a mensagem bíblica da palavra de Deus é contrária a este modelo social de vida, então somos chamados e chamadas a colocar em prática esse modelo que Deus nos convida a seguir e aplicar no nosso cotidiano.

O tema para a semana nacional da pessoa com deficiência deste ano, nos desafia mais uma vez a pensar como a Igreja pode ser sinal de esperança na vida daquelas pessoas que são vistas como “deficientes” aos olhos humanos. O texto do 1º livro de Samuel nos mostra como Deus tem a visão única de perceber as capacidades e virtudes de cada ser humano criado por ele incluindo aquela(s) e aquele(s), que aos olhos humanos são vistos como deficientes, fracos, incapazes de realizar esta ou aquela tarefa.

Apresentar esta reflexão a partir do tema “normal é ser diferente” convida a ir ao fundo dos nossos comportamentos mais cotidianos frente a tudo aquilo que nos é diferente; que nos dificulta as relações, a compreensão, e que se transformam em intolerância nas relações humanas. Ser intolerante para com o diferente é contra a vontade de Deus. Deus espera de nós uma profunda mudança a partir da leitura da sua palavra e mensagem. Às vezes a intolerância representa uma cruz que aumenta seu peso no caminho. A intolerância não nos ajuda a crescer em comunhão mútua e com Cristo, não nos permite fazer visível e palpar a esperança que Deus quer para cada um e cada uma de nós neste mundo.

A esperança é tarefa de cada pessoa cristã que, movida pela esperança em Cristo ressuscitado deposita esta semente do reino de Deus no meio da vida, no cotidiano das relações humanas, sem marcar a diferença como um ato de deficiência, mas como um ato de crescimento mútuo e fraterno. A disposição pessoal, quando impulsionada pelo amor de Cristo, gera vida e cresce a esperança de que os sinais do reino de Deus estão presentes aqui e agora.

Para pensar sobre a intolerância para com o diferente numa sociedade “moderna”...

Uma história de Ruben Alves: “A porquinha do rabinho esticadinho”

Conta-se a história de uma porquinha “diferente” que nasceu entre oito porquinhos com seus rabinhos enroladinhos. Lili era a única dos nove com seu rabinho esticadinho. E Ruben Alves escreve assim:

Logo chegaram todos os animais para conhecer os novos integrantes da granja. Ali estavam os nove porquinhos transformados em boca mamando em fila e felizes. Iguaizinhos... bem, não todos, observou o burro, discreto notou, o rabinho esticadinho. Sua vista se fixou ali...

O tempo passou, e em enquanto isso os porquinhos eram felizes. E aconteceu que certo dia um deles se deu conta do rabinho esticadinho da irmãzinha.

- Lili é diferente, ela tem o rabinho esticadinho, disse ele.

Se rabinho enrolado é melhor que esticadinho, ninguém discutiu. A questão é que ela é diferente. E ali estavam os oitos com olhos fixos no rabinho da irmã.

E isso doeu muito, porque parece que todos querem ser iguais. Porque quem não pertence ao bando dos iguais, fica fora. E quem fica fora sente vergonha, se esconde.

Lili ficou assim, não queria mais sair de casa para brincar. Sentava-se em cima do rabinho e ali ficava o dia todo pensando e com raiva do seu rabinho. De noite rezava: papai do céu me dá um rabinho enroladinho...

Um dia já não aguentou mais, e chorou para a mamãe: - mamãe eu queria um rabinho enroladinho, ser igual aos outros.

- E para que serve um rabinho enroladinho? - lhe perguntou a mãe.

- Serve para ser olhado e para dizer que somos todos iguais – respondeu ela.

A mãe de Lili decidiu tomar providências. Começou com uma dieta especial. – se o corpo está feito do que comemos, comer coisas enroladas ajudará a enrolar este rabinho, pensou ela.

Mas de nada adiantou. Então resolveu apelar para a sabedoria das comadres que lhe ensinaram algumas simpatias: besuntar o rabo com suco de cipó, em banha de sucuri derretida, em curva de pau, em tranca de barbante... durante oito dias (porque oito é o número com mais curvas)... e todo mundo na expectativa.

Agora sim deu resultado, pensaram todos. Mas foi só Lili dar uns pulos de alegria e o rabinho voltou a esticar.

No outro dia decidiram ir para o salão do cabeleireiro: ali estava Lili 3 horas numa posição meio estranha, mas no fim o resultado esperado: ali estava Lili com seu rabinho encrespado, enrolado, meio assado de tanto capacete elétrico. Mas qualquer sacrifício vale para ser igual aos outros.

Voltaram triunfantes, para casa. Lili sacudindo orgulhosamente seu rabinho novo. De longe ouviu a gritaria e a festa dos seus irmãos, correu e saltou junto a eles na poça d'água.

- Veja meu rabinho, igual ao de vocês... Mas nem deu tempo de olhar... A água acabou com tudo, desfez o permanente e o rabinho esticou de novo. Que pena, Lili chorava aos prantos...

Mas nada a faria desistir... Foi quando a mãe lembrou-se da fala da Arara multicolor, dizia que tudo é uma questão de cabeça. Basta pensar positivo e tudo muda a favor do pensamento. Então, se Lili tiver força de vontade (isso é muito importante!) e só pensar no seu rabo enrolado, ele acabará obedecendo a cabeça.

Por mais exercícios vocais e concentração, de nada adiantou. O tempo passou sem novidades.

Até que uma coisa nunca antes vista aconteceu. Chegou à fazenda um circo, com palhaços, equilibristas, mágicos e trapezistas. Foi aquela alegria e a bicharada até se esqueceu de toda tristeza. Inclusive Lili se esqueceu do rabinho esticadinho.

- Mas que pena- chegou a hora da despedida. O circo iria embora.

Mas no meio do último espetáculo, o dono, da fala enrolada, anunciou: - respeitável público o circo está a procura de dois jovens que desejam se tornar artistas e sair pelo mundo para fazer as pessoas felizes.

Foi aquele rebuliço. Os irmãozinhos de Lili foram os primeiros da fila. Agitavam seus rabinhos graciosamente. Para eles não havia nada mais belo que um rabinho enrolado. (parece que não são os únicos a pensar assim. Tem gente que passa a vida toda namorando seus próprios rabos. E por isso não enxergam muito longe...)

O dono do circo os examinava cuidadosamente, até escolher um deles e disse: - Esse rabinho enroladinho fará todos darem risadas... E parou pensativo.

Lili estava bem distante da fila, desde longe olhava e pensava: - Eu não seria uma boa palhacinha. Mas gostaria de ser trapezista.

O dono do circo olhava ao redor e num olhar se encontrou com Lili.

- Menina venha cá, disse ele. - Você tem olhos de trapezista. Gostarias de subir ao trapézio?

-Mas meu rabinho, disse ela quase pedindo desculpas.

- A quem lhe interessa isso? Quem tem rabo enroladinho passa olhando ou para trás ou para o espelho. Mas quem não o tem olha para cima, para frente, para o vazio. E isso é o que torna belas as pessoas: não o que elas têm sobre seu corpo, mas o que tem dentro dos olhos.

Lili sorriu e disse que sim, aceitaria o convite. E transformou-se na trapezista de olhos tristes e profundos que todos amavam. Seu rabinho deixou de ser uma preocupação.

Refletindo sobre 1º livro de Samuel 16.7b.

“Porque as pessoas veem as aparências, mas Deus vê o coração”.

Samuel é enviado por Deus para a casa de Jessé, para ungir entre os seus filhos um deles; aquele que o Senhor escolheu como novo rei. Samuel vai e observa, mas se deixa levar pelas aparências. Após observar e emitir sua opinião, Davi foi o escolhido, pois finalmente os olhos de Samuel se deixaram guiar pelo olhar do Senhor; assim Samuel pode ver com a luz de Deus, isso lhe permitiu ver a realidade da mesma forma que Deus. E optou pelo candidato que ninguém teria imaginado; o mais jovem dos filhos de Jessé: Davi, aquele que não tinha condição nenhuma para ser rei, já que recebia trato de servo cuidando de rebanhos no campo.

Observa-se nessa escolha amorosa de Deus a beleza humana como sinal de harmonia e saúde, a beleza interior que fala também de um coração disposto ao chamado de Deus; e tão notável por alguém que levou uma vida de servo e relegado por sua própria família. Percebe-se assim, que Davi não vive do ressentimento. Seu coração está em outras coisas. Davi sabe posicionar-se sobre as aparências, sobre tudo o que é exterior. Tem algo dessa luz de profeta que sabe ver além das aparências. Os olhares de Samuel e Davi se encontram, e Samuel pronuncia palavras de sabedoria que vem de Deus à sua boca: É este mesmo! Unja-o (v.12)

Na escolha que Deus faz por Davi, seu olhar e percepção é algo fundamental. Este é o convite a nós hoje em nossa sociedade classista: olhar com atenção, com carinho, com olhos de Jesus Cristo para que todas as pessoas possam ter uma vida com dignidade.

Para Deus, a vida digna inicia com um aprender a olhar de outra maneira. Para poder ver a luz e ser luz para os outros, teremos que aprender a ver com o coração e ao coração da outra pessoa. A vivência do amor começa por aprender a ver-nos com bondade e carinho, a visualizar o mais importante. O grandioso aos olhos de Deus significa aprender a ver a grandeza do que é pequeno e insignificante aos olhos humanos.

A inclusão que Deus adota na pessoa de Davi como um grande líder e personagem bíblico está fora das normas humanas quando escolhemos nossos líderes. Deus tem o cuidado de incluir aquele que não cabe nas normas legais estabelecidas pelo ser humano. Deus nos motiva a recriar a esperança a partir de sua dinâmica de inclusão. Motiva-nos a pensar novas formas de ser cristão, cristã, de ser igreja de Cristo neste mundo e a pensar o ser humano distinto, livre de aparências ou modelos superficiais.

Como exemplo, um breve e recente fato: Um menino de oito anos com deficiência física, num programa de televisão, comentou que, ao olhar-se no espelho se fixava em tudo o que o seu corpo era capaz de realizar, apesar da ausência de suas pernas. Desde pequeno sentiu que Deus lhe concedia a possibilidade de redescobrir as capacidades do seu corpo e não suas limitações.

Isso nos indica que, assim como Samuel olhou a Davi com os olhos de Deus, também muitas pessoas com deficiência nos desafiam e nos pedem para olhar suas capacidades e não sua deficiência. Isso nos permite redescobrir no outro e em nós mesmos aquilo que Deus depositou em nós, ao criar-nos à sua imagem e semelhança.

A história da porquinha do rabinho esticado nos lembra da sociedade em que vivemos. Uma sociedade marcada pelas aparências, pela beleza exterior, que exclui deixando fora todo ser humano que não se enquadra nas normas estabelecidas.

A lógica da inclusão na diversidade provoca mudanças profundas na nossa forma de estabelecer a vida: como pessoa cristã, temos a possibilidade de ler o evangelho de Cristo e entendê-lo livre da lei e das aparências. Como cidadãos e cidadãs de uma sociedade moderna, o desafio está em saber parar para perceber o que Deus quer de cada pessoa. Mas também estar ao lado daquela pessoa que considero diferente e dar-me o tempo de aprender que ser diferente não é o mesmo que ser “deficiente”.

Uma vez mais a decisão de Deus a favor de Davi, revela nossa condição humana e nosso compromisso de ser co-criadores de esperança nesse mundo. Nossos olhos poucas vezes logram ver o que Deus quer que vejamos. Nossa vista carece da luz de Deus, que nos pode iluminar a mente e o coração e despertar na humanidade aquilo que Deus aponta e vislumbra.

Uma breve pergunta nos ajuda a refletir sobre nossa capacidade limitada de olhar as pessoas com deficiência: quando nos encontramos na rua com uma pessoa em cadeira de rodas ou com uma bengala, o que vemos primeiro? A pessoa ou a cadeira de rodas, ou a bengala? Muitas vezes nós só percebemos a cadeira de rodas ou as bengalas, e não a pessoa e menos ainda as suas capacidades. Apesar da deficiência humana em olhar o outro e não perceber ali a criação de Deus, a esperança que Deus deposita no coração humano ajuda a superar limites e permite sonhar com um mundo mais justo e fraterno.

Como pessoas cristãs somos motivados a ser esperança na vida daqueles que a perderam. Somos enviados a colocar em prática essa esperança desde nossas atitudes, nossas decisões, nossos olhares, nossas palavras, nosso silêncio.

Pode a Igreja hoje ser esperança para as pessoas com deficiência? Qual é a contribuição da sua Igreja para a sua vida cotidiana?

Quem sabe nossas Igrejas, nossa teologia e mensagens precisam ter um pouco mais de ambiente de circo, de alegria, e de atitude de buscar e visualizar dons e capacidades naquelas pessoas que estão isoladas e esquecidas no meio do público.

Quantas são, em nossas comunidades, aquelas pessoas que muitas vezes pedem desculpas por não se sentirem aptas aos modelos impostos? Que as fazem sentir pequenos mendigos das nossas atitudes de lástima e “ajuda social”. Estamos dispostos a olhar para estas pessoas com os mesmos olhos que Samuel, enviado de Deus, olhou para Davi?

Semear a esperança, com atitudes e palavras no meio das aparências do mundo em que vivemos. Isto podemos entender como um grande desafio para a Igreja que decide ser inclusiva; que decide acolher e aprender com as pessoas com deficiência.

Sim, é um grande desafio que não requer apenas lutar contra uma sociedade fora ou distante de nossas comunidades e Igreja. Mas, sim, enfrentar-nos com nossas próprias atitudes, decisões, palavras, gestos quando não incluem.

A comunidade cristã, a partir do Evangelho, é convidada a pensar em como está incluindo as pessoas com deficiência, por exemplo: quando se discute a deficiência da outra pessoa, sem que ela mesma seja agente de mudança, sem sua presença, com seus desejos de mudança, com o reconhecimento de sua capacidade de contribuir para a vida da Igreja, estamos sendo inclusivos?

Essa reflexão quer ser um convite a repensar assuntos relacionados às pessoas com deficiência nas nossas comunidades e igreja. Por exemplo, na informação estatística de pessoas com deficiência. Porque não pensar nas capacidades das pessoas com deficiência dentro de nossas comunidades?

Quem sabe, um plano de trabalho onde as pessoas com deficiência sejam elas mesmas atores principais deste plano, com os objetivos e solicitudes desde suas necessidades reais.

Uma e outra vez a Igreja é chamada a revisar seus espaços físicos, sua liturgia, a linguagem, acesso, entre outros, para que as pessoas com deficiências sintam que a sua Igreja realmente lhes dá o alimento espiritual gerador de esperança e vida digna, como Cristo mesmo desejou a cada um e cada uma de nós.

Chamados e chamadas em Cristo a estar atentos ao envio de sermos instrumentos de paz, justiça e esperança é o objetivo principal quando celebramos e lembramos que em nosso meio está o Cristo ressuscitado:

Para ser luz aos olhos dos que não veem...

Para caminhar junto a nós quando não podemos caminhar sozinhos...

Para ser o abraço inclusivo, quando a intolerância humana abandona e discrimina...

Para ser a voz que sussurra, como vento suave, a esperança renovada e confiada em Cristo ressuscitado.

Que o Senhor nos ajude a entender nosso desafio cristão: “aprender a olhar ao coração e não deixar-nos levar pelas aparências”.

Neli Maske
Pastora na IELCH - Chile.
Professora de Teologia Prática na CTE- Santiago de Chile.
Mestre em Teologia Prática pela PPG – Faculdades EST – São Leopoldo/Brasil.

Índice do Caderno de Subsídios da Semana Nacional das Pessoas com Deficiência - 2011


Autor(a): Neli Maske
Âmbito: IECLB
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23950
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