Um recado para quem quer ser poderoso

Grandes são aqueles que se mostram pequenos.

23/09/2018

Marcos 9. 30-37

Introdução

Uma pessoa realmente é poderosa quando pode ser confrontada com regras e leis que regem a convivência social responsável. Onde esta pessoa não observa limites, nada de bom acontece, nenhuma preciosidade, nenhuma grandeza nem tampouco sinal de poder pode ser nela observado. Diante da inexistência de moderações, quando regras de bom senso, justiça e verdade não são aceitas, o lado de cá e o lado de lá se chocam colossalmente não trazendo nenhum efeito positivo para quem quer que seja.

Poderosos gostam de pensar grande. 


Dinheiro grande.


Sorte grande.


Aparência grande.


Viagem grande.


Casa grande.


Amizades importantes.

Lei pequena.

Salário grande.


Apostas grandes para chegar naquilo que ambicionam e ofertas pequenas quando são chamados a exercer compaixão de forma solidária.

Poderosos gostam de seduzir com o poder e se deixar seduzir pelo poder, gostam da fama e da projeção pessoal. Nada mais.

Mas Jesus, chamando todos para junto de si, disse:
— Vocês sabem que os que são considerados governadores dos povos os dominam e que os seus maiorais exercem autoridade sobre eles. 43Mas entre vocês não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vocês, que se coloque a serviço dos outros; 44e quem quiser ser o primeiro entre vocês, que seja servo de todos. 45Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Marcos 10.42-44 NAA

Olhemos para o texto previsto para hoje, o 18º domingo após Pentecostes.

Invertendo valores

O mundo está em ebulição. Nunca antes tinha sido visto algo igual. Estamos no ano 70, ano em que os poderosos romanos destroem Jerusalém e com ela o templo pra nunca mais ser reconstruído pelos israelitas. Este é o ano em que um judeu cristão escreve o que sabe - uma testemunha ocular? - a respeito de Jesus, ele que fora a esperança de derrotar o Império Romano naquelas terras palestinas.

O Evangelho de Marcos, o primeiro de todos, lembremos disso, tem como objetivo testemunhar que Jesus é o Filho de Deus (Mc 1.1), e o faz sem rodeio nenhum. É claro e objetivo.

De forma clara e objetiva os Evangelhos apresentam Jesus como servo de Deus. Marcos já havia comunicado, no capítulo 8, que Jesus iria morrer e ressuscitar. Pedro reage proibindo Jesus de mostrar qualquer sinal de fraqueza. Jesus, por sua vez, reage dizendo que os discípulos deveriam parar de cogitar as coisas da vida meramente do ponto de vista do mundo. Não deveriam se ocupar com o assunto do poder. A mesma admoestação se repete no capítulo 10.
Também no texto abordado hoje este ensino sobre o poder se repete e a reação dos discípulos parece ter sido exatamente a mesma: não se deve dar sinais de fraqueza. Temos que ver quem vai ser nosso líder, quem é o maior, para substituir Jesus. E por que não falar sobre o assunto? Quem é o maior?”

O exemplo vem de cima

Dentro da ótica do evangelista Marcos, parece que a mensagem de Jesus não estava chegando ao coração dos ouvintes a contento. De fato, há muitos ruídos de comunicação entre a vontade de Deus e a vontade humana. Embora a mensagem pareça ser clara e irrefutável, cada um faz dela o quer e o que bem entende. Aliás, este parece ter sido motivo de constrangimento entre os discípulos. Eles não quiseram assumir que falam de poder entre si. Se calaram.

Mais uma vez Jesus precisa de um bom exemplo para ilustrar a questão. Aquele que veio de cima, o Filho do Homem - é assim que Jesus fala a respeito de si -, olha para baixo e vê uma criança. Esta criança não apenas é colocada no meio da roda; Jesus a toma em seus braços. Lhe dá colo! Com este gesto Jesus traz um novo fato para a discussão do maior ou do poderoso.

O exemplo do amor envolvente de Deus vem de quem está embaixo.

O tema crianças é usado como exemplo em vários contextos nos Evangelhos. Elas estão associadas à figura das pessoas frágeis e humildes. São as pessoas que realmente podem usufruir, desfrutar de todas as benesses do reino de Deus simplesmente porque são dependentes.

Fracos, pobres e humildes rejeitados

Fazendo uma leitura dos textos de Mateus e Marcos sobre o episódio com as crianças, tive o ímpeto de condenar os discípulos por sua falta de sensibilidade. Em Marcos há indícios gramaticais de que os discípulos tinham os pais como alvo de suas repreensões. Estes poderiam estar agindo de forma irresponsável em meio àquele empurra-empurra. Já em Mateus a repreensão parece recair sobre as crianças às quais, com sinceridade, os discípulos queriam proteger. Por isso não vou condenar os discípulos, muito embora estivessem discutindo quem deles é o maior.

Discípulos, crianças, jovens e velhos são tão frágeis e carentes como qualquer outro. Todas as pessoas rejeitadas são absolutamente bem vindas no colo do Senhor Jesus Cristo -– doentes, rejeitados, prostitutas, moradores de rua, homossexuais, ladrões, lésbicas, assassinos, corruptos e corruptores –, todas as gentes podem se chegar a Jesus e receber dele perdão e nova vida. Ele transforma a todas as pessoas em todas as circunstâncias.

Toda a discussão sobre quem é maior, sobre quem tem poder, deve passar pelos sinais de humildade e compaixão revelados na cruz. (No caso da cronologia deste texto, aquilo que ainda seria revelado na cruz.)

De forma clara e inequívoca Jesus aponta que a diferença está em recebê-lo ou não.

Receber a Jesus. O que isso significa? Dechomai faz parte do grupo das palavras antigas que expressam favor, cuidado, proximidade. A palavra faz parte daquelas que descrevem boa vontade para com outras pessoas. Também pode designar uma boa vontade para receber a palavra divina. No NT vai aparecer especialmente nos escritos de Lucas e Paulo. Neste último a palavra expressa com muita ênfase o sentimento de hospitalidade. Aparece no contexto do agradecimento pela hospitalidade e no contexto da exortação para que exerçam a hospitalidade (Gálatas 4.14; Colossenses 4.10 - apenas para ilustrar o uso da palavra dechomai). 

Receber a Jesus significa, portanto, ter apreço e aceitação pelo seu ensino. É uma decisão pessoal de acolhimento em resposta às Escrituras e à Cruz. Mas vai além. Cristãos não são apenas recebedores de Cristo e sim, aquelas pessoas que recebem os fracos, pobres e humildes rejeitados. É uma palavra clara para a Igreja.

Deus precisa ser admitido na esfera secular não religiosa da vida cotidiana a partir da nossa hospitalidade espiritual-religiosa-cristã. E nossa fé nada é se não for uma aceitação afirmativa da regra de Deus. Nem mesmo nosso batismo nada é se, tal como uma criança, não aceitarmos o presente da graça para nós e para todas as pessoas.

Tudo isso é feito e vivido em favor daqueles que são pequenos, e não na discussão de quem é o melhor e quem é o maior. Não na projeção pessoal fazendo com que isso prejudique outros. Isso, para nossa tristes e suprema vergonha, acaba acontecendo dentro da própria igreja. 

Considerações finais

Assim como no ano 70 desta era o povo assistiu atônito a destruição de Jerusalém, ensejando uma palavra firme a clara de Marcos ao reafirmar que Jesus é o Filho de Deus, da mesma forma hoje estamos reafirmando Jesus diante do caos que vivemos.

O professor Thiago dos Santos Conceição, no episódio de desrespeito aqui próximo a nós, em Rio das Ostras, foi mais uma vítima do abuso de poder decorrente da falta de obediência a regras de convivência social. Mas também nos perguntamos de que forma estes alunos sem limites éticos foram acolhidos neste mundo, como foram recebidos pelos seus pares, pela sua família e pela sociedade?

Na campanha política que estamos assistindo, qual a reação que temos ao ouvirmos afirmações como “o que não conquistaremos no voto, conquistaremos nas armas”? E vejam que este é o discurso de quem segue a cartilha da Foro de São Paulo e não de um militarista.

Pezada Comunidade,
poderosos e amantes do poder não garantem nada para quem é pequeno. Apenas se satisfazem com aplausos enquanto fazem conchavos com os feudos da corrupção. 

“Onde a honra a Deus é comprada com a desonra do humano, aí, na verdade, o nome de Deus é desonrado” (Paul Tillich, Humanität und Religion, 1958).

O que falta para tecido social é Jesus. Inegavelmente várias iniciativas não cristãs também contribuem e são importantes no restabelecimento da ética. Mas nós, como cristãos, e cristãos herdeiros diretos da Reforma, sempre vamos nos espelhar no Filho do Homem para nossas ações.

Falemos deste Cristo que quer ser recebido em nossa vida e na vida da sociedade carioca.

Amém!
 


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 30 / Versículo Final: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 48889
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Romanos 8.28
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