Velho e novo - Salmo 73.28

Prédica

31/12/1971

VELHO E NOVO

Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus deposito minha confiança, para proclamar todos os seus feitos. Salmo 73.28

E então, que é que restou do Natal? A festa acabou, o comércio fez ou não fez suas vendas — e um ano novo vem aí. Claro, alguns vão engatar uma festa na outra. E depois da passagem do ano, vem a certeza da ressaca. Entendam bem: não estou pensando na ressaca alcoólica. Existe uma outra: a certeza de que em janeiro tudo acabou e passou. Como um sonho. Sonhos podem ser até bem agradáveis. Mas não se pode viver só de sonhos. A pior ressaca vem quando a gente calcula: já passaram tantos natais, tanto fim-de-ano já foi comemorado — mas o mundo continuou o mesmo. Pior ainda: eu continuei o mesmo — apesar de todas as promessas e bons propósitos... 

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A gente está mesmo falando no pior — e vem o homem que escreveu o Salmo 73 e fala daquilo que é bom: bom é estar junto a Deus. E todo o Evangelho do Natal nos anuncia justamente que Deus está junto de nós. Mas a pergunta que logo se levanta é esta: Como é que Deus está perto, junto de nós? E por que isso é bom? 

Para que a questão não pareça idiota, vamos partir para um exemplo. Todos conhecem o Morro do Imperador. Ninguém duvida que esse morro exista„ com monumento, mirante e torre de TV. É agradável saber que o morro está lá, que se pode ir lá ou então dar uma olhadinha daqui debaixo. Agora, para nossa vila não é decisivo que esse morro exista. Se ele desaparecesse, por qualquer motivo, seria aquela sensação. O Diário da Tarde nem teria letras suficientemente grandes para anunciar o fato. Mas três dias depois, um novo assassinato seria mais importante e mais interessante. E o assunto teria acabado. Nossa vida não teria sido atingida pelo desaparecimento do morro. Bem, acontece que o Morro do Imperador continua no mesmo lugar. Ele existe. Mas não mexe com nossa vida diária. Pronto. 

Para muitas pessoas, Deus é assim como o Morro do Imperador. Se um sujeito chega e diz: Essa conversa de Deus é piada Tudo conversa fiada. Isso é negócio de Igreja — e negócio bem rendoso — essas pessoas ficam horrorizadas. E protestam. Essas mesmas pessoas também são capazes de admirar aqueles que dedicam toda uma vida a Deus. E quando vem um desses sermões que falam de um herói da fé, essas pessoas ficam todas arrepiadas — e dizem que o pregador falou muito bem... Mas também é só. A vista do Morro do Imperador é sua vida? — Bom, quer dizer, é linda! Ah é? Mas qual é o papel que o Morro desempenha, o que é que eu tenho a ver com o Morro, uai? 

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O Evangelho do Natal nos diz que Deus está perto, junto de nós, assim como uma pessoa amiga fica ao nosso lado, na hora difícil. No entanto, será que isso é bom? Será que nós achamos isso bom? Afinal de contas, nós podemos evitar a presença de qualquer pessoa. Podemos afastar-nos, esconder-nos fugir. Mas a experiência da vida nos ensina que é impossível escapar de Deus. Em qualquer direção que a gente for, sempre se acaba tropeçando na manjedoura ou na cruz. Isso é bom? 

A primeira impressão que se tem, é que isso é perigoso. Porque toda a nossa vida diária é uma única tentativa para colocar Deus lá no Morro do Imperador. Ele fica lá — e eu vou dar uma voltinha na rua Halfeld. Ele fica lá — e eu vou resolver meus negócios Ele fica lá — e eu vou matar aula ou tomar um trago ou dar dinheiro pra mulher fazer mais um aborto, etc. Ele fica lá — e eu vivo minha vida aqui. Ele fica lá -- e eu vou ao meu culto. Antes do culto, durante o culto e após o culto, eu estou pensando bandalheira — e ele fica lá. A gente separa direitinho o campo: Deus pra lá e eu pra cá. Essa separação se chama pecado. É uma parede inútil que nós edificamos. Mas o triste é que construímos essa parede inútil com os próprias mãos. 

O Evangelho do Natal nos informa que Deus atravessa a parede, que Deus derruba a parede para estar ao nosso lado. Isso pode ser motivo de alegria, e por isso o Natal é uma festa. Por outro lado, os tijolos da parede demolida por Deus caem sobre nossas cabeças, e por isso o Natal é uma festa séria! Uma festa urgente! Uma festa que lança a pergunta: É bom que Deus habite entre os homens? É uma festa que exige resposta: Você acha bom que Deus esteja frente a frente de você? 

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E você retruca: Mas estará Deus tão próximo? Se Deus estivesse junto de nós, seria tão gostosa a vida dos canalhas? Se Deus estivesse mesmo perto de nós, poderia haver tanta injustiça, tanta maldade, tanta mentira? Poderia haver tantas vítimas da fé, do amor, da verdade? Se Deus está perto, por que é que ele silencia? Vale a pena viver, diante de tanta luta perdida, depois de tantas decepções? 

Meu irmão, você tem razão quando faz todas essas perguntas. Você tem razão quando reconhece que janeiro acaba com todas as boas intenções e com todos os sonhos. Ninguém pode acabar sozinho com todos os seus pecados. E ninguém pode responder sozinho a todas as questões que a vida nos coloca. Mas você não tem razão, se ficar parado neste ponto. Porque Deus está bem perto de você, junto de você, na escuridão do pecado e na angústia das questões abertas, sem resposta. Deus quer estar conosco naqueles momento e naqueles lugares em que ninguém mais nos acompanha. 

Se a gente só fica olhando para si mesmo, a vida não tem mais saída. O importante é saber que podemos olhar também para Deus. Assim como somos e vivemos. Sem disfarces nem desculpas. E se Deus derruba a parede, por que não depositar nele a confiança? Por que não fazer essa última experiência, já que todo o resto falhou? 

A Bíblia é muito humana. O homem que escreveu o Salmo 73 tinha as mesmas dúvidas e experimentou as mesmas angústias que nós. Porque era uma pessoa como nós. Assim sendo, por que não repetir as palavras dele? Por que contentar-se com boas intenções e sonhos e ilusões, que não duram todo o janeiro? Por que não confiar em Deus, que dura o ano inteiro e todos os anos? 

Nós não sabemos o que vai nos acontecer em 72. Ninguém sabe. Alguns estão prevendo coisas ótimas — e outros imaginam o pior. Mas todos sentem o mesmo medo! Agora, quem está com Deus, talvez ainda sinta algum medo mas não afunda mais no medo. Porque pode confiar. O que faz uma grande diferença. Qual é a diferença? 

Coloco minha confiança no Senhor, para proclamar os seus feitos. Meus irmãos: deixemos de ser consumidores de religião. Deixemos de nos satisfazer apenas com o Deus para nós. Isso é que torna vazia a vida de tanta, gente. Em vez disso, pensemos naqueles que só enchem a cara, que só sabem ler horóscopos, que têm medo como nós. Esses também estão procurando, também estão perguntando. Sejamos comunidade para os outros, para essas pessoas. Nós podemos ser uma comunidade assim. E por isso devemos sê-lo. Também em 72. 

(Juiz de Fora -- 31-12-71)

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Autor(a): Breno Arno Schumann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Juiz de Fora (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Natureza do Domingo: Silvestre/Véspera de Ano Novo

Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 73 / Versículo Inicial: 28
Título da publicação: Esperança - Centro Ecumênico de Informações / Editora: Tempo e Presença Editora Ltda. / Ano: 1974 / Volume: Suplemento Número 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 22299
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