Êxodo 24.3-11

Auxílio Homilético

28/07/1991

Prédica: Êxodo 24.3-11
Leituras: Efésios 4.1-7,11-16 e João 6.1-15
Autor: Nelson Kilpp
Data Litúrgica: 10º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 28/07/1991
Proclamar Libertação - Volume: XVI


1. Considerações litúrgicas

Do 10° ao 14° Domingo após Pentecostes cinco perícopes do sexto capítulo de João formam as leituras do evangelho. Quase concomitantemente lê-se a Epístola aos Efésios (do 8° ao 15° Domingo após Pentecostes). Os trechos que coincidem no 10° Domingo são João 6.1-15, a história da multiplicação dos pães, e Efésios 4.1-7,11-16, a unidade do corpo de Cristo e a multiplicidade dos dons. A versão católica da série ecuménica propõe, para este domingo, a leitura de 2 Reis 4.42-44, o milagre da multiplicação dos pães efetuado por Eliseu, o exato paralelo veterotestamentário de Jo 6.1-15 e paralelos. Talvez para evitar a repetição da temática ou por entender que o texto de 2 Rs 4.42-44 seria considerado mera cópia imperfeita do evangelho, as igrejas luteranas optaram por um outro texto do Antigo Testamento, o da aliança entre Deus e o povo de Israel no Sinai, Êx 24.3-11, reservado na versão, católica para a celebração de Corpos Christi. Resgata-se, assim, um texto de grande importância na teologia do AT para a pregação cristã. A série da Igreja Evangélica da Alemanha divide o texto em duas perícopes, Êx 24.3-8 e Êx 24.1-2,9-11, sugeridas como textos (marginais) de pregação respectivamente para a Quinta-Feira da Paixão e o Último Domingo após Epifania.

O 10° Domingo após Pentecostes não tem, assim, um tema bem definido. O evangelho vai acentuar o milagre da multiplicação ou divisão do pão, a epístola, a multiforme vida comunitária, e o Antigo Testamento, a comunhão com Deus e entre os membros da comunidade/povo. Para quem se decidir por pregar sobre o texto de Êxodo 24.3-11, sugiro que o faça em conexão com a celebração da Eucaristia, já que o assunto invariavelmente apontará para a aliança no sangue de Jesus Cristo.

2. Considerações exegético-teológicas

Êx 24 contém o conhecido relato da aliança entre Deus e o povo de Israel no Sinai. A tradição bíblica é conhecida: depois da libertação do Egito e a caminhada no deserto, o povo chega ao Sinai. Aí Deus se revela no monte em meio a trovões, relâmpagos, fumaça e tremores (Êx 19). Esta revelação não tem um fim em si mesma; ela quer inaugurar ou ratificar um relacionamento entre Deus e o povo. Êx 19; 20.18-21 exige, portanto, uma continuação. Já que o Decálogo (20.1-17) e o Código da Aliança (20.22-23.33) são provavelmente inserções posteriores, esta continuação se encontra em Êx 24.1ss, a versão mais antiga da aliança. (Outra versão encontramos em Êx 34.) Além de revelação e aliança há um terceiro tema vinculado com o acontecimento no Sinai: a lei. Esta é a parte mais desenvolvida na forma final do cânone hebraico, sem dúvida por ter sido a temática mais importante no judaísmo posterior. A lei aparece nos vv. 3s e 7 de nossa perícope: o povo se compromete a cumprir as exigências de Deus, codificadas num livro da aliança.

Estas observações básicas do livro do Êxodo nos levam a algumas conclusões teológicas provisórias:

a) A revelação de Deus tem por finalidade uma aliança com o povo. Esta aliança inclui leis.

b) O Deus que entra em aliança com o povo e dele exige cumprimento de sua lei é o mesmo que o libertou do Egito. Também no Antigo Testamento, portanto, as leis devem ser vistas na perspectiva da liberdade concedida por Deus.

c) A libertação do Egito e a revelação de Deus no Sinai precedem a lei. A fé israelita entende, portanto, o cumprimento da lei e toda a regulamentação de sua vida como resposta a seu Deus.

Voltemos ao trecho Êx 24.3-11.

A delimitação do texto é adequada homileticamente. Exegeticamente a unidade inicia em Êx 24.Is, que, no entanto, somente contém uma ordem para Moisés e seu grupo subirem ao monte. A ordem é, então, cumprida no v. 9 (E subiram Moisés...). Esta e outras observações nos levam a afirmar que o texto combina duas tradições. A primeira descreve um acontecimento ao pé do morro (vv. 3-8), a segunda, uma cena em cima do monte (vv. 1-2,9-11), Vejamos cada uma delas separadamente.

2.1. A refeição sagrada

Da experiência em cima do monte participam, além de Moisés e Aarão, também Nadabe e Abiú e 70 representantes do povo, os anciãos. Moisés (ainda) não é o único mediador entre Deus e o povo. (Nadabe e Abiú são considerados filhos de Aarão em Êx 6.23; Lv 10.1.) No Monte Sinai os representantes de Israel têm um encontro com Deus. O texto diz que eles viram o Deus de Israel (vv. 10s) e não morreram (cf. Êx 33.20). Este ver a Deus é uma concepção muito antiga que, em Israel, é única. Em textos teologicamente mais refletidos, este ver a Deus é tratado com maior cuidado. Em Êx 33.20-23 é dado a Moisés o privilégio de ver Deus, mas somente pelas costas (cf. também a história de Elias no Horebe, l Rs 19). Também a nossa perícope procura amenizar e reduzir a ousadia da afirmação de que Moisés e os representantes do povo viram Deus. O v. 10 não descreve Deus, mas o chão onde seus pés pisam: ele é azul e claro como safira. É, por assim dizer, um reflexo do céu.

Mas esta visão não é o mais importante no encontro com Deus. O peso está em que todos comeram e beberam na presença de Deus (v. 11). Esta refeição é especial, é sagrada. Ela é o símbolo de um relacionamento entre Deus e as pessoas. Ela cria ou confirma amizade e comunhão dos participantes da refeição com o seu Deus e entre eles próprios. Desta forma, a refeição chega a ser um símbolo da identidade de um grupo ou povo.

Aqui é possível traçar uma linha à compreensão de comunidade cristã conforme a Carta aos Efésios. A diversidade de dons não é sinal de divisão, pois todos eles provêm de um só Deus e Pai e estão sob um só Senhor e são expressão de um só Espírito.

A refeição sagrada faz lembrar o evangelho, Jo 6.1-15. Jesus é o novo profeta, o mediador esperado, pois o sinal realizado por ele atesta a presença de Deus. Daria para dizer que, com Jesus, Deus desce do morro e vai para a várzea onde estão os famintos.

O chão que Deus pisa é santo. Onde os pés de Deus caminham há possibilidade de comunhão. Onde estão as pegadas de Deus? Onde está o lugar ou o caminho sagrado onde nossas comunidades conseguem comunhão com Deus e entre seus membros? O nosso comer e beber comunitários perderam bastante este caráter de comunhão por causa das muitas festas para arrecadar fundos. A Eucaristia é o lugar privilegiado desta comunhão. Cada comunidade, no entanto, irá esforçar-se em encontrar mais destes lugares.

2.2. A aliança

O acontecimento relatado em Êx 24.3-8 ocorre aos pés do monte. O centro está no ritual de sangue (vv. 5-6,8). Depois de Moisés ter ordenado que alguns jovens oferecessem holocaustos (tudo é queimado para Deus) e sacrifícios pacíficos (que servem para fortalecer a comunhão e dos quais todo o povo come), ele toma o sangue dos animais sacrificados, dividindo-o em duas partes. Uma parte é aspergida sobre o altar, a outra sobre o povo presente. É um ritual antigo, não mais praticado em épocas posteriores. Sem dúvida, o sangue tem a força de ligar, unir os dois elementos presentes no ritual: o altar — que representa Deus — e o povo. Aqui a refeição sagrada (o comer do sacrifício) é pressuposta, mas não narrada. No centro está o ritual da aliança.

No atual estágio da tradição, ou seja, no texto final, o ritual de sangue está intimamente ligado ao compromisso do povo (vv. 3-4,7). Moisés somente procede à construção do altar — necessário para o sacrifício — após a disposição do povo de aceitar os estatutos de Javé, e somente consuma o ritual da aspersão do povo com o sangue unificador e criador de comunhão após o povo comprometer-se a obedecer Deus. A vinculação dó ritual com a lei evita, a meu ver, uma concepção mágica: um simples ritual garante a presença de Deus, o seu favor, a salvação do perigo, a participação na sua comunhão. Para evitar isso torna-se necessário um compromisso do povo de viver de acordo com as normas estabelecidas por Deus nesta aliança. Se se tratar aqui, de fato, de um ritual cúltico, isto é, uma cerimónia repetida no culto, o compromisso com a prática coerente teria sido renovado periodicamente pelo povo.

A grande semelhança com a Santa Ceia é evidente (cf. l Co 11.25). O cálice da aliança no sangue de Jesus, que reconcilia as pessoas com Deus, substitui o sangue dos sacrifícios. Jesus é o sacrifício e, ao mesmo tempo, o único mediador entre Deus e o povo. Vemos aqui claramente por que uma série coloca o texto no dia de Corpus Christi e a outra no dia da última ceia de Jesus. Daí a importância de pregar sobre este texto em conexão com a celebração da Eucaristia.

3. A caminho da pregação

Sugiro um culto todo voltado para a celebração da Eucaristia. Os diversos aspectos teológicos de Êx 24 e também dos textos do Novo Testamento poderiam ser vinculados com as diversas partes da celebração. Por assim dizer, cada parte da celebração poderia ter uma pequena prédica. Sugiro, portanto, não separar Palavra/ prédica de celebração/Eucaristia. A própria liturgia eucarística poderia ser enriquecida por símbolos que expressassem a aliança/comunhão com Deus e entre os participantes (um nó?) e representassem o compromisso com Deus e o irmão (cópia de Decálogo?, palavra de Confirmação?). Acho que vale a pena tentar!


Autor(a): Nelson Kilpp
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 10º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Êxodo / Capitulo: 24 / Versículo Inicial: 3 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1990 / Volume: 16
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14045
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