Êxodo 3.1-8,13-15

Auxílio Homilético

18/03/2001

Prédica: Êxodo 3.1-8,13-15
Leituras: 1 Coríntios 10.1-13 e Lucas 13.1-9
Autor: Luiz Caetano Grecco Teixeira
Data Litúrgica: 3º. Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 18/03/2001
Proclamar Libertação - Volume: XXVI

O Clamor e a Aliança: apontamentos sobre Êxodo 3.1-8,13-15

l. Lendo e conhecendo o texto em seu contexto

1.1. O contexto social e político

O tempo a que se refere o texto que estamos considerando é um tempo de dificuldades. O Egito vem de uma crise profunda, quando até estrangeiros governavam as províncias; agora recuperava a hegemonia como reino e identidade étnica.

A sociedade egípcia é composta por uma diversidade de povos, descendentes dos migrantes vindos de diversos lugares no período da grande fome (cf. Gn 41-42). Muitos povos, através do processo migratório, se integraram no Egito e chegaram mesmo a dividir o poder político com os naturais da terra.

Todavia, no tempo a que se refere o texto, José, um estrangeiro que havia governado o Egito com sucesso, já não é mais lembrado (Ex 1.8). Isto é, com o passar do tempo, uma nova elite egípcia foi se organizando. O Egito volta a ser um império centralizado e mantido pelo poder do faraó.

A estrutura social é bem definida: o faraó, representante da divindade dominante, na qualidade de filho divino, reina absoluto. Abaixo dele vêm o sacerdócio, a administração civil e o comando militar. Essa estrutura garante e legitima o poder do faraó: a dominação do universo simbólico, a dominação política e a dominação militar.

No plano mais baixo da sociedade, um grupo social composto pela massa de descendentes dos migrantes, dos mestiços e nômades que vivem nas regiões de fronteira no deserto. Os então chamados estrangeiros formam a maior parte da população e representam permanente ameaça à estrutura de poder reinante, que se mantém à custa de opressão política e econômica (cf. Êx 1.9-14).

A organização do estado e da corte impõe o pagamento de tributos pesados. Na falta de dinheiro e de produtos, o tributo é pago com trabalho, sistema chamado de corvéia, uma forma de escravidão, um trabalho que não resulta em nada para quem trabalha. O trabalho como fornia de pagamento do tributo, tributo que beneficia a elite dominante e a corte do faraó.

A convivência não é tranquila. Há conflitos entre pessoas do povo e os agentes do faraó. Amparados pelo poder militar, invocando a divindade do faraó como base da autoridade, os agentes submetem o povo com violência e repressão. Essa situação traz miséria e dor para o povo que clama por justiça. O clamor do povo não pode ser ouvido por causa da repressão; são gemidos, um clamor silencioso... mas que subiu até Deus (cf. Êx 2.23-25).

1.2. Moisés

Moisés é filho de estrangeiros, porém criado sob os auspícios da filha do faraó (cf. Êx 2.1-10). Com certeza tem consciência de ser estrangeiro, embora educado a partir da corte do faraó. Em certo momento, tem que tomar partido diante da opressão. Rebela-se ao ver um egípcio maltratando um estrangeiro. Comete um ato de rebeldia, tornando-se réu de morte. Tem de fugir para longe, tem de refugiar-se entre um grupo de nómades no deserto (cf. Êx 2.11-22).

Moisés vive três experiências quase sucessivas em que se sente impelido a agir com justiça.

Num primeiro momento, percebe a opressão e mata o egípcio que maltrata' um estrangeiro. Todavia, em seguida, não consegue agir diante de dois estrangeiros que se agridem e o questionam quanto ao seu senso de justiça (cf. Êx 2.11-14).

Já em Madiã, defende algumas mulheres que são impedidas de utilizar um poço (cf. Êx 2.16-17). Desta vez é recompensado e torna- se primeiro hospede e depois genro do pai das mulheres a quem socxnrera (cf. Êx 2.18-22).

De alguma forma, pareee que Moisés tem algum senso de justiça, uma inquietação diante de situações onde alguém é prejudicado ou agredido por outrem.

Refugiado em Madiã, Moisés começa nova vida. Casa-se e tem um filho. Passa a cuidar do rebanho de seu sogro. É outro homem. Não mais o estrangeiro refinado, criado sob a proteção da corte. Agora é estrangeiro em meio a outra gente, para quem trabalha.
Uma relação de trabalho diferente daquela que existia para os estrangeiros no Egito. Moisés é acolhido e se torna parte do povo que o acolhe, apesar de estrangeiro. Beneficia-se do seu trabalho, pois cuida do rebanho da família à qual está integrado.
Antes, estrangeiro protegido pela corte, beneficiava-se do trabalho dos outros estrangeiros. Agora, estrangeiro trabalhador, Moisés participa da riqueza que seu trabalho produz!

1.3. O chamado

É nessa nova situação que Deus se revela a Moisés e o chama para uma missão aparentemente absurda: retornar ao Egito e trazer os estrangeiros, como povo libertado, para uma nova terra, para uma nova realidade. Moisés é chamado para enfrentar a injustiça e a opressão do faraó, não pelo seu próprio senso de justiça, mas por Deus, o qual ouviu o clamor silencioso do povo. Deus ouviu o gemido daqueles que eram explorados no Egito e toma uma atitude.

O texto escolhido para a liturgia de hoje, entretanto, não dá ênfase ao chamado de Moisés (essa é exatamente a parte que não foi lida: Êx 3.9-12), mas à identidade de Deus. Deus se revela a Moisés como Aquele que ouviu o clamor silencioso dos oprimidos no Egito e vem para libertá-los (Êx 3. l-8a).

1.4. A identidade de Deus

A identidade de Deus é histórica, trata-se do Deus dos Pais, de Abraão, de Isaque e de Jacó. O Deus dos pais, Deus dos antepassados, Deus dos migrantes: Abraão veio da Mesopotâmia como migrante; Isaac foi filho de migrante e também ele foi migrante; Jacó migrou pui a o Egito com seus filhos no tempo da grande fome.

Não é um deus egípcio, não é o deus pai do faraó, o deus que legitima a opressão. Pelo contrário, é o Deus Altíssimo, aquele que desce pura libertares oprimidos.

Não é um deus estático, preso ao templo, limitado pelas forças da natureza e do poder político de controle do simbólico. E o Deus que é, que foi e será, o Deus que age!

Não é o deus que retribui as oferendas com a bênção, mas o Deus que age porque ouve o clamor do oprimido, que se compadece da dor e do sofrimento, o Deus que se recorda da Aliança com os antepassados, que viu e se apercebeu (tradução ecumênica)... conheceu (Bíblia de Jerusalém)... a aflição dos descendentes (cf. Êx 2.23-25).

2. Lendo o texto em nosso contexto

Há uma distância no tempo entre o momento em que escrevo e o momento em que esses apontamentos serão utilizados pelo leitor. Fica, portanto, difícil fazer uma leitura do contexto presente, porque eleja será passado para o leitor que se encontra no futuro...

Não se trata apenas da relatividade do tempo, imaginada por Einstein... mas uma forma de perceber o significado do nome com que Deus se apresenta a Moisés na perícope que estamos considerando: AQUELE QUE É, FOI E SERÁ. Aquele que se identifica como EU SOU O QUE É.

Como não sou aquele que é, e para o leitor sou aquele que foi, posso apenas apresentar pistas para a reflexão sobre o contexto presente, que para mim é futuro... na forma de perguntas que ajudem a sistematizar a reflexão.

Como está a situação social, política e econômica hoje? Alguma semelhança com a situação dos estrangeiros no Egito?
Como é a relação de trabalho que temos hoje? Ganha-se o salário para uma vida com dignidade ou apenas para sobreviver? Alguma semelhança hoje com o sistema de corvéia existente no Egito?

Parece que a maioria das pessoas trabalha (quando tem emprego) para pagar as contas de sua sobrevivência, sem nenhuma garantia: pagam-se a educação, a saúde, a previdência social, o transporte, a comida... paga-se por tudo! Mas isso realmente resulta em bem-estar para todos ou só para alguns?

Quais os clamores silenciosos que Deus estaria ouvindo hoje?

Você seria capaz de perceber uma revelação de Deus e um chamado para servir como agente de transformação nesse contexto? Aliás, não estaria isso acontecendo neste momento, neste tempo da Quaresma?

3. A Nova Aliança com AQUELE QUE É

O texto diz que Deus se recordou da aliança que havia feito com Abraão, com Isaque e com Jacó. Uma aliança com os antepassados que se torna eficaz para os descendentes, os herdeiros da aliança. Aliança sempre renovada através do sangue do cordeiro sacrificado e celebrada com o cálice da refeição pascal.

Como cristãos nos entendemos herdeiros de uma nova aliança, uma aliança não firmada pela palavra, mas assinada com o sangue do Crucificado. Uma aliança permanente, que não precisa ser renovada com sacrifícios, a Nova e Eterna Aliança firmada através do perfeito, completo e suficiente sacrifício pelo pecado de todo o mundo, cujo Cálice -juntamente com o Pão da Vida - partilhamos em nossa refeição pascal.

Aliança firmada pelo Pai através do Filho e que se perpetua em nós pela ação do Espírito Santo. Aliança que não exige de nós nenhum sacrifício, apenas a aceitação, nos é concedida de graça, uma vez que nossa dívida foi resgatada para sempre pelo Cordeiro de Deus, o Filho, aquele que, tendo sido morto, ressuscitou e vive para sempre.

Ainda hoje, a Nova Aliança precisa ser anunciada e proclamada. Deus jamais se esquecerá dela! Temos nós nos lembrado dela?

O clamor dos sofredores e angustiados por diferentes motivos continua chegando aos ouvidos de Deus. Mas estaria chegando aos nossos?

Como celebrar concretamente essa Nova Aliança enquanto, ao nosso redor, o clamor dos que sofrem ainda é forte? Podemos ser nós mesmos os que sofrem e clamam...

Celebramos, sim, com esperança. Esperança de um Reino que não é nosso, nem construído por nós, mas que já está no meio de nos! domo Moisés, sentimos o absurdo do chamado: como estar diante de tudo que provoca a dor, inclusive a nossa própria dor, anunciando a vontade de Deus Libertador, AQUELE QUE E?
Apenas com a Esperança que nasce da Fé no Ressuscitado e que se exercita na boa obra do Amor.

Sugestões

1. O texto pode ser associado à situação dos migrantes. Milhares de pessoas, no Brasil e na América Latina, são obrigadas a transferir-se de lugar em busca de melhores condições de vida. Como tem sido a vida dos migrantes? Há alguma situação de migração na comunidade? Qual a atitude da comunidade?

2. Aproveitando o tempo quaresmal, pode-se realizar uma liturgia que recorde a Aliança Batismal, que a renove enquanto compromisso comunitário de engajamento em favor da justiça e da promoção do bem-estar para todas as pessoas.

3. Se for celebrada a Santa Ceia, enfatizar que se trata da celebração da Nova Aliança. Dar ênfase aos símbolos litúrgicos e aos gestos que significam alianças e compromissos.

Nota: O autor reconhece a colaboração técnica de Vicente Eduardo Ribeiro Marçal pelos subsídios exegéticos e a sensibilidade teológica de Sheila Marilise Rodrigues de Menezes pelas ideias que enriqueceram este trabalho.


 


Autor(a): Luiz Caetano Grecco Teixeira
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 3º Domingo na Quaresma
Testamento: Antigo / Livro: Êxodo / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000 / Volume: 26
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17618
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