Êxodo 6.2-8

Auxílio Homilético

05/09/1993

Prédica: Êxodo 6.2-8
Leituras: Romanos 11.33-36 e Mateus 16.13-20
Autor: Josias Kippert
Data Litúrgica: 14º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 05/09/1993
Proclamar Libertação - Volume: XVIII

1. Introdução

Antes de nos ocuparmos especificamente com o conteúdo do texto, faremos algumas anotações sobre seu aspecto externo.

Adotamos a versão de A Bíblia de Jerusalém, pois, para esse texto, nos parece melhor do que a de João Ferreira de Almeida.

A perícope faz parte do conjunto de capítulos (1-6) que preparam a saída, a libertação de um grupo de pessoas oprimidas do Egito. Os capítulos seguintes (7-15) descrevem o próprio evento da libertação, iniciando com as pragas e terminando com o cântico de Moisés e Miriã.

A temática da perícope em estudo é a vocação do líder Moisés. É uma repetição do tema que já apareceu nos capítulos 3 e 4.

Encontramos certa dificuldade quanto à fixação da origem literária do nosso texto. Os pesquisadores que adotam a teoria das fontes (rejeitada por alguns) afirmam que são palavras provenientes do escritor Sacerdotal (P), que teria atuado no final do exílio babilônico ou no início da restauração, por volta de 550-450 a.C.

Nos vv. 2-8 percebem-se duas partes. Na primeira parte, prevalece a apresentação do próprio Deus (Iahweh) a Moisés e, na segunda, encontramos a vocação de Moisés e a determinação de sua missão. O tema da apresentação sobressai nos vv. 2-5, e o chamado de Moisés para a libertação dos hebreus, nos vv. 6-8.

Na apresentação, há uma evidente preocupação em tornar o Deus Iahweh idêntico ao dos patriarcas. O adorado pelos patriarcas e doador da terra de Canaã é o mesmo que se compromete a libertar os cativos no Egito.

A missão de Moisés consiste em levar essa apresentação de Deus aos hebreus no Egito e anunciar o seu desejo de libertá-los e conduzi-los a Canaã e doar-lhes aquela terra.

Por fim, lembramos que a terra de Canaã era dividida em cidades-estados submissas ao Império egípcio. Ó domínio egípcio significava espoliação sistemáticas através de tributos e saques esporádicos, realizados pelo exército. A data provável do êxodo em direção ao fim dessa opressão é o ano de 1220 a.C. (J. Pixley, p. 13).

2. Texto

V. 2: Deus se revela a Moisés como sendo Iahweh. A pesquisa tem demonstrado que Iahweh não é um nome próprio. Mas se trata de uma afirmação a respeito da divindade adorada. A palavra hebraica que a Bíblia de Jerusalém transcreve como Iahweh e algumas outras traduzem como Senhor é, na verdade, o imperfeito hebraico de Hayâ (ser, acontecer, agir) e significa ele é/acontece/age.

Portanto, o termo Iahweh caracteriza o Deus que Moisés passa a conhecer como uma divindade ativa, dinâmica e eficaz. Um Deus disposto a agir na vida e na história do grupo de gente ao qual pertence Moisés.

Vv. 3 e 4: Nos vv. 3 e 4, o escritor faz um esforço considerável para afirmar que o Deus que Moisés conheceu em Midiã é o mesmo que apareceu a Abraão, a Isaque e a Jacó, o El Shaddai, que algumas Bíblias traduzem como o Deus Todo-Poderoso.

Convém lembrar que Midiã, local em que Deus se torna conhecido a Moisés (Ex 3. Iss.), é uma região localizada ao sul do Mar Morto, que foi habitada pelos midianitas até o 13°/12° século e posteriormente pelos adomitas. A pesquisa ainda nos informa que os patriarcas foram pastores de ovelhas e são anteriores ao 12° século, e suas tradições ocorrem em regiões geográficas diferentes. As tradições de Abraão e Isaque se desenrolam no sul da Palestina, no Neguebe, e as de Jacó, na Palestina Central da Cisjordânia e da Transjordânia. Portanto, a unificação das três personagens em uma única árvore genealógica já nos parece uma tentativa de harmonizar as experiências com o Deus de diferentes grupos oprimidos. Essa unificação agora é estendida à experiência de Moisés, ocorrida em terra estranha, extra-israelita.

O Deus que fala com Moisés apenas não era conhecido pelo nome Iahweh. Porém, é o mesmo que havia feito aliança com Abraão, prometendo terra a todos os seus descendentes (Gn 12.7).

Por fim, lembramos que a expressão ... a terra em que residiram como estrangeiros aponta para a relação que Israel teve com a terra. Israel acredita que o proprietário último é o próprio Deus. Abraão e sua descendência a possuíam como uma morada passageira (Lv 25.23) e não podia ser comercializada (l Rs 21.3). Ela significava um meio para manter viva, e não para oprimir e acumular.

V. 5: O v. 5 afirma que o mesmo Deus que apareceu aos patriarcas também ouviu o gemido dos escravizados no Egito (os parentes e amigos de Moisés, destituídos de terra e reduzidos ao trabalho em forma de corvéia na construção de cidades (Ex. 1.11), no trabalho, no campo e na olaria (1.14). E, ao ouvir o grito daquela gente, Deus lembrou-se de que havia prometido a terra de Canaã a Abraão e à sua descendência (aliança). Assim, Moisés conhece Deus como aquele que quer libertar os escravizados no Egito. Um Deus que se dispõe a brigar pelos empobrecidos.

V. 6: Após sua apresentação, Deus vocaciona Moisés e o comissiona a levar sua mensagem a seus companheiros no Egito. Pede que o apresente a eles (isso denota que os que estavam no Egito ainda não o conheciam pelo nome Iahweh) e lhes diga que Ele é o Deus que o libertará da servidão. Essa libertação será com mão estendida/forte, mais forte do que o exército do Egito, e com grandes julgamentos.

Portanto, Moisés deve falar ao povo de um Deus libertador e juiz. Um Deus que liberta, julga e tem mão poderosa lembra o começo e o fim da história da libertação. O Deus que arrasa o Faraó com as dez pragas e reduz a pó o seu exército no glorioso triunfo no Mar Vermelho (Ex 15.21). É um Deus que assume o conflito em favor dos oprimidos, que carrega nos ouvidos o grito dos que sofrem, tem misericórdia e age, é capaz de condenar à morte aqueles que empobrecem e escravizam os que .Ele escolhe como seu povo.

V. 7: A bondade de Deus para com aquela gente quebrantada é ilimitada. A vontade dele de amar e libertar os oprimidos é tão forte, que passa a assumi-los como seu povo. Não por seu número, sua força, seu mérito, (Dt 7.7; 9.4), mas exatamente porque aquele povo era escravizado, pequeno e fraco.

Com o êxodo, Iahweh conquista o direito de ser o Deus daquela gente e de elegê-lo,s sua possessão. Estabelece um contrato não de forma impositiva e arbitrária, ruas sim de forma cativante, lutando em favor deles com mão forte e com grandes julgamentos. Sua opção pelos empobrecidos torna-o intolerante com deuses que legitimam a opressão. Exige adoração exclusiva.

V. 8: Conforme Gn 12.18, a terra prometida a Abraão e da qual, agora, os hebreus do Egito deverão tomar posse é a que se localiza na região que fica entre os rios Nilo e Eufrates.

Há diversas teorias sobre a entrada/ocupação da Palestina, que não reproduziremos nesse espaço. Apenas queremos destacar que: A ocupação da Palestina pelos israelitas não foi uma realização de todo o Israel sob liderança de uma única pessoa; ela aconteceu em diversos estágios e num considerável período de tempo (G. Fohrer, p. 65). Além disso, sabemos que o domínio territorial máximo ocorreu somente no reinado de Davi, estendendo-se desde o Golfo de Acaba até o Orontes. (Metzger, p. 66).

3. Meditação

Os vv 2-8 têm como tema central a vocação de Moisés. Porém, o texto não quer testemunhar a sua pessoa. O interesse principal não recai sobre Moisés. Por isso, o pregador terá que tomar cuidado para não colocar Moisés no centro de sua pregação. Nossos vv. querem explicar quem é Deus. Eles apresentam Deus. Sobre Ele, sim, recai o interesse principal. Sobre aquele que vocaciona, e não sobre o vocacionado.

O texto sugere que Deus seja revelado; que seu rosto seja mostrado; que suas características e a sua vontade sejam conhecidas. Por isso, testemunha sobre um Deus que, no passado, zelou pela vida de Abraão, Isaque e Jacó; fez aliança com Abraão, prometendo terra a ele e a toda a sua descendência; um Deus que, no presente, não esquece das suas promessas; ouve o gemido do sofredor; opta por um povo pobre, fraco, escravizado pelos egípcios; luta em favor da sua libertação; usa sua mão poderosa em favor desses empobrecidos; arranca os hebreus da escravidão com grandes julgamentos; conduz a Canaã aqueles que Ele adotou; é juiz e libertador. Observando essa apresentação, temos diante de nós um Deus tipicamente veterotestamentário. Um Deus essencialmente voltado e preocupado com as questões his-tóricas da vida. O nosso texto é um dos mais completos e radicais do AT, que aponta para a vontade de Deus de tirar os sofrimentos da coletividade. O pregador não deveria esconder esse rosto de Deus. A comunidade deve conhecê-lo. Esse é Iahweh, o Deus de Abraão, de Isaque, de Jacó e de Moisés.

A comunidade certamente vai gostar de saber que seu Deus está profundamente preocupado com a recessão e o desemprego, a falência das firmas e a concentração de renda, o achatamento salarial e o pagamento da dívida externa, a precariedade das escolas e da saúde pública e outros problemas que oprimem o povo brasileiro e a comunidade eclesial.

O testemunho que esse texto nos oferece sobre Deus ainda não é a plenitude do Evangelho. Na minha experiência pastoral, aprendi que a comunidade cristã busca algo mais. Em Cristo encontramos a radicalidade: o Deus que opta pelos fracos revelou-se completamente na cruz e ressurreição. No texto de Mt 16.13-20, que é sugerido para leitura, Pedro reconhece em Jesus de Nazaré o rosto de Deus, o Cristo. O pregador poderá se valer da confissão de Pedro para anunciar a vida oferecida na cruz e ressurreição de Cristo à comunidade, sem jamais perder a dimensão histórica realçada pela nossa perícope.

Outro aspecto importante no texto é a vocação de Moisés. Pois, para que a libertação dos hebreus se tornasse possível, ele foi indispensável. A tarefa que Deus lhe confere é muito mais do que ser o mensageiro do seu rosto. Deus chama-o para organizar e liderar a saída do Egito. Moisés assume características proféticas. Logo, a comunidade deve ser lembrada de que Deus precisa de gente para que seu rosto seja conhecido e o seu desejo de libertar os pobres da opressão se realize. Para tal vocaciona a comunidade. Às vezes, de forma bem diversa e para tarefas diversas. Com sua diversidade de dons, a comunidade deve servir aos propósitos de Deus.

4. Passos para a prédica

O corpo da prédica poderá ter três partes:

4.1. Quem é o Deus de Abraão, Isaque, Jacó e Moisés (dos hebreus)?

— contar a história do Êxodo ou motivar a comunidade a contá-la;
— sublinhar a libertação dos escravizados;
— mostrar o rosto de Deus, usando detalhes do texto: ouve o gemido, tem mão forte, condena o opressor, adota como povo seu, não esquece a promessa, dá a terra de Canaã;
— mostrar o rosto de Deus em Cristo.

4.2. Quem é nosso Deus?

— mostrar alguns problemas, opressões do nosso povo e da comunidade;
— mostrar o propósito de Deus diante deles.

4.3. Apontar para a vocação de Moisés. Mostrar que a comunidade é vocacionada. Deus precisa de gente para realizar os seus propósitos.

5. Bibliografia

FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo, Edições Paulinas, 1983.
METZGER, Martin. História de Israel. São Leopoldo, Editora Sinodal.
PIXLEY, Jorge. A História de Israel a Partir dos Pobres. Petrópolis, Editora Vozes, 1989.


Autor(a): Josias Kippert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 14º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Êxodo / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 2 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1992 / Volume: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13542
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