Êxodo 6.2-8

Auxílio Homilético

21/08/2005

Prédica: Êxodo 6.2-8
Leituras: Mateus 16.13-20 e Romanos 11.33-36
Autora: Anete Roese
Data Litúrgica: 14º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 21/08/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXX


1.O nome de Deus. A revelação de Deus

Êxodo 6.2-8 é um texto sobre a revelação, o nome, os atos e a presença de Deus. Deus aparece a Moisés, se mostra, se diz, fala de si, se revela de um modo surpreendente, antes desconhecido. Essa revelação de Deus está dentro do interessante contexto de toda a situação de escravidão do povo hebreu no Egito. A revelação de Deus a Moisés situa-se especificamente dentro de um momento de fragilidade e medo de Moisés, que se sente ameaçado diante do poder do faraó e duvida de sua própria vocação. O capítulo anterior (Êx 5) descreve o movimento que Moisés e Arão iniciam quando se dirigem ao faraó, pedindo-lhe que “liberte” o povo (que deixe o povo ir ao deserto oferecer sacrifícios a seu Deus). Esta iniciativa de Moisés e Arão foi frustrada e representou mais sofrimento para o povo, pois, por causa da ameaça de “abandono” do trabalho, o faraó impôs mais trabalho e castigo ao povo escravo. No entanto, diante desse quadro, o próprio povo sentiu-se mais ameaçado e se revoltou contra Moisés e Arão: “Por causa de vocês, o rei e os seus funcionários estão com ódio de nós” (Êx 5.21). Desenha-se então uma situação de extrema tensão e medo por todas as partes: os líderes do povo escravo, o próprio povo, o faraó, Moisés e Arão – todos estão com medo! E o medo ameaça todo um processo de libertação, que é vontade de Deus. O faraó impõe mais trabalho e castiga o povo, os chefes do povo e os escravos hebreus se revoltam contra Moisés e Arão, e Moisés se revolta contra Deus. Moisés reclama e acusa Deus: Iahweh! “Por que afligiste este povo? Por que me enviaste? Pois, desde que me apresentei a Faraó, para falar-lhe em teu nome, ele maltratou este povo; e tu, de nenhuma sorte, livraste o teu povo” (Êx 5.22-23).

Diante dessa situação tensa, diante do desespero de Moisés, Iahweh volta-se para o clamor do povo e do seu enviado e, como numa nova atitude, numa nova tentativa, numa nova manifestação de seu poder, numa outra estratégia que fortalecerá a confiança e a fé de Moisés, Deus se revela, se mostra em uma outra face, com um novo nome, e diz: “Agora verás o que hei de fazer...” Então vem o texto de Êx 6.2-8:

Eu sou Iahweh. Eu apareci a Abraão... como o Deus Todo-Poderoso (El Shadai), mas pelo meu nome Iahweh não lhes fui perfeitamente conhecido. Com eles estabeleci aliança para dar-lhes a terra... tenho ouvido o gemido dos filhos de Israel... me lembrei da minha aliança. Portanto dize aos filhos de Israel: Eu sou Iahweh, vos tirarei... das cargas dos egípcios, vos livrarei... vos resgatarei... vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus... vos levarei à terra... vo-la darei por herança, Eu sou Iahweh.

Deus revela seu nome, se apresenta, fala de si diante de uma nova situação, um novo contexto. A revelação do nome de Deus é a revelação do Ser de Deus, seus atos, seus feitos, sua essência, sua glória e seu poder (cf. Êx 6.3). Revelar o nome é, para os hebreus, a revelação do caráter, das habilidades. O texto de Êxodo é uma afirmação da ação de Deus. Para os patriarcas, Iahweh era conhecido como Shadai (Gn17); mas como Iahweh Deus não era “plenamente conhecido” por eles: “Sob o meu nome ‘Iahweh’ não me dei a conhecer a eles” (Êx 6.3).

Esta revelação, este nome muda para Elohim, quando há necessidade de julgamento; e quando há necessidade de intervir com força de guerra, essa revelação se chama pelo nome Sebaot e se revela como El Shadai, quando é necessário avaliar os pecados humanos. Assim Deus conserva o seu mistério, conserva seu poder, pois seu nome e sua imagem não são totalmente desveladas para os humanos. Iahweh é Deus que aparece, se revela de forma dinâmica, não estática, surpreendente, contextual. Não se revela explicitamente, mas mantém sempre algo não-revelado. Assim, sua presença não pode ser dominada, sua revelação não pode ser usurpada, sua imagem não pode ser manipulada, porque permanece mistério em seu Ser, em sua imagem. Iahweh revela-se não por meio de imagens fixas, mas de verbos, feitos, promessas, ações.

Iahweh revela-se nesse momento, para Moisés e para o povo escravo, como o Deus que cumpre suas promessas, que lembra das alianças feitas anteriormente (v. 4), e se apresenta como o Deus em quem o povo pode confiar: Deus que protege, que cuida, que tem compaixão, que ouve, que liberta, que conduz para a terra prometida.

O nome Iahweh também é uma revelação da mutualidade na confiança, Deus comprometido com a memória, Deus que intervém na necessidade do povo. Iahweh lembra-se da aliança (v. 5) feita com os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó de que o seu povo receberia a terra onde viviam apenas como peregrinos, pois a terra que ocupavam era terra alheia (Gn 17.8; 23.4). Agora essa aliança se cumpriria, o povo seria libertado e conduzido para a terra prometida como herança. Esse acontecimento se realizaria por intermédio de grandes acontecimentos – juízos e julgamentos (v. 6), onde o poder de Deus se afirmaria, conforme aconteceu por meio das pragas.
Deus que cumpre a aliança feita com seu povo é também Deus “resgatador” (v. 6), que se compara com a relação humana que se dá entre parentes, que visa garantir dignidade, justiça para uma pessoa que está em necessidade (Rt 4). Assim Iahweh se aproxima de seu povo por intermédio de imagens muito humanas, de metáforas muito conhecidas e como Deus que salva o povo.

A escolha de Iahweh, a oferta de proteção ao povo de Israel – “vos tomarei por meu povo” (v. 7) –, é uma revelação de ternura. Deus é como uma mãe que adota crianças que não são suas. A revelação afirma que Iahweh é Deus que se revela de modos específicos para necessidades e povos singulares. A escolha de um povo não significa a rejeição de outro povo. Iahweh se “dá a conhecer” desse modo a esse povo. Aos patriarcas “não se deu a conhecer deste modo”, mas de outro, porque a necessidade era outra. Iahweh se oferece para ser Deus desse povo – “...serei vosso Deus” (v. 7). É uma oferta gratuita, apenas baseada na confiança mútua.

Iahweh é Deus que cumpre promessas (v. 8). Tal como fez com a mão estendida, como em posição de juramento, quando prometeu a terra para os patriarcas. Por fim, Iahweh conclui sua revelação diante de Moisés com as palavras Eu Sou Iahweh, tal como iniciou e reafirmou no meio de sua revelação. A fala de Iahweh cobre Moisés de confiança, fortalece novamente a vocação do líder, que estava abalada pela tentativa frustrada do contato e estratégia anterior com o faraó. Dessa forma Deus se revela também em Jesus Cristo como Deus compassivo e salvador.

A partir de agora Iahweh está ligado ao Êxodo – para uma nova história, uma nova revelação. O nome de Deus foi agregando significado ao longo de sua história. Iahweh salva o povo da escravidão do Egito (Gn 20.2); conduz o povo para a terra de Canaã (Dt 26.9); convoca juízes (Jz 2.16) etc. O seu nome “Eu sou” foi se revelando e reafirmando de forma inusitada ao longo da história com seu povo.

2. Considerações para meditar e pregar

Em circunstâncias novas, inusitadas, inesperadas, Deus vem e revela algo mais do seu nome, algo mais de sua divindade. Neste texto de Êx 6, a revelação de Iahweh é surpreendente e transmite confiança e firmeza. Deus se mostra em muitas imagens diferentes. Revela-se Deus que aparece; que ouve o gemido; que lembra de suas promessas; que tira as cargas; que liberta e que resgata; que vai em direção ao povo e o escolhe gratuitamente; que se oferece para ser Deus; que quer conduzir para o lugar prometido e que confirma a promessa da aliança.

É importante que tenhamos tempo e lugar na vida e na igreja para perceber as surpresas da revelação de Deus. Que possamos também nesses espaços abrir nossa capacidade e nossa espiritualidade e ampliar a nossa compreensão de Deus, de sua revelação e manifestação. É fundamental que possamos identificar lugares de sofrimento, onde Deus se revela hoje. Ali onde o povo negro, pessoas homossexuais, famílias, jovens, crianças, a natureza está no limite do seu sofrimento, da sua escravidão, ali Deus se revela de forma surpreendente.

Estaremos no meio do ano, no inverno. Talvez em meio a uma situação de fragilidade na família, na sociedade, na igreja; em meio a um conflito pessoal, ou mesmo em tempo de alegria. No tempo do ano litúrgico, estamos no 14º Domingo após Pentecoste, e isto é um paradoxo interessante para a homilia. Em meio a um tempo difícil, Deus aparece de forma inusitada, nova, inesperada, numa situação-limite do povo hebreu, e também hoje. Deus fala a Moisés e ele escuta, ouve, vê, percebe a revelação de Deus. Mesmo assim, é possível imaginar que, nesse momento de tribulação do próprio Moisés, em vista de toda a situação de sofrimento e opressão e de exigência que se impunha sobre ele como líder, essa revelação de Deus também tenha surpreendido Moisés. Ele que se havia dirigido a Deus com certa arrogância, conforme Êx 5.22-23. Descobrir em Deus uma nova imagem, uma nova e inesperada manifestação é sempre chocante, pois a humanidade sempre pecou o mesmo pecado de Moisés – a arrogância de que já conhecemos Deus, que já dominamos seus atos, que já sabemos como Deus se manifesta e se revela. Dessa forma queremos ter Deus em nossas mãos, sentir segurança e impedir que Deus atenda e seja Deus também daqueles povos, grupos e seres que nós consideramos insignificantes e indignos.

A revelação de Deus é sempre presente, renovada; é contextual, é situacional, é conforme a necessidade de um povo específico, ilustra as bênçãos de Deus a seu povo. “Ao povo que se sente estéril (Is 54.1-3) é dito: ‘sede fecundos’; ao povo que se sente sem rei nem herdeiro se diz: ‘multiplicai-vos’; ao povo que teve que abandonar sua terra é dito: ‘enchei a terra’; ao povo que sofre a dominação estrangeira se diz que é chamado a submeter a terra; ao povo submetido é dito: ‘mandai, dominai’” (Santiso, 235).

Na homilia ou no estudo bíblico, pode-se convidar a comunidade para um exercício de imaginação, para, de fato, imaginar várias situações de revelação de Deus. O texto nos dá luz, nos dá discernimento, ilumina nossa mente para que no momento de revelação estejamos preparados como Moisés, talvez com medo, mas capazes de lutar contra nosso medo e capazes de aceitar a revelação surpreendente de Deus. As pessoas poderiam colocar-se dentro dessa história em que acontece uma revelação de Deus e imaginar-se no lugar de Moisés – ouvindo Deus, tendo sido enviada ou enviado. Depois imaginar-se no lugar do povo escravo do faraó. Imaginar-se também como faraó. Depois imaginar um povo que luta e sofre ou um grupo marginalizado hoje. Imaginar que Deus vem e se revela para um povo, para um grupo marginalizado, num determinado lugar, e que revela uma imagem que antes nós jamais aceitamos ou imaginamos que Deus seria. Que povo seria este? Que sofrimentos há? Que revelação Deus faria? A oficiante pode colher das pessoas algumas situações que vieram à mente.

Neste contexto, é importante lembrar que a tradução do termo Iahweh por Senhor, conforme apresentam várias traduções, é uma referência complicada porque é uma linguagem que limita a revelação de Deus a uma figura masculina. Ademais, a experiência de muitas mulheres, meninas e meninos com “senhores” que representam uma figura violenta não tem sido agradável. Deve ser levado em conta que usar o mesmo nome para Deus e para um homem certamente aproxima uma imagem da outra. Temos que levar em conta que, conforme aponta o nosso texto, a revelação de Deus é mais plural, mais dinâmica do que um único e limitado nome para Deus.

3. Outras possibilidades para a celebração

• Observar a igreja, o lugar onde a comunidade está e ver imagens religiosas em pinturas, vitrais, cruzes. Como forma de despertar a atenção para as revelações de Deus.

• Considerar imagens e revelações de Deus que existem para grupos diferentes em nossa igreja e sociedade: para crianças, jovens, mulheres, pessoas negras etc. Talvez novas revelações de Deus podem ser descobertas entre as pessoas.

• Imagens e revelações bíblicas de Deus que podem ser lembradas: Gn 1 – Divindade Criadora; Sl 17.8 – Sombra; Dt 32.4; 1 Sm 2.2 – Rocha; Êx 15.10 – Vento; Is 42.14 – como a mulher; Mt 23.37 – como a galinha.

• Em grupos de estudo, o texto deve servir como convite para o aprofundamento da nossa compreensão e experiência de Deus. Cada pessoa pode moldar sua experiência de Deus em argila. Serão muitas formas pessoais de ver a presença ou ausência de Deus, que servirão justamente para alcançarmos a percepção das inúmeras manifestações de Deus na vida das pessoas.

4. Leituras dos textos indicados

Uma questão fundamental em toda a celebração e reflexão bíblica é a própria leitura dos textos. O método do bibliodrama aponta para esse detalhe específico e importante: uma leitura bem feita, um texto bíblico bem lido é uma oportunidade de manifestação e revelação de Deus em si. Num culto, o texto pode ser bem lido uma vez, pode ser recontado ou retomado no início da pregação e pode ser relido ou relembrado no final da homilia. Quando é um texto como esse de Êxodo, duas pessoas podem lê-lo de forma criativa, de um lugar diferente da igreja, com seriedade e clareza, repetindo cada versículo.
O texto de Rm 11.33-36 é uma oração curta e bonita, e a comunidade pode ser convidada a repeti-la acompanhando trechos curtos.

Da leitura de Mt 16.13-20 pode ser destacada também a revelação de Cristo, o reconhecimento que Pedro faz de Cristo. Também podem ser destacadas a liderança e a vocação de Pedro, que são reconhecidas e anunciadas por Jesus. À semelhança do que acontece com Moisés e a revelação de Deus diante de um acontecimento que mudaria a história de Deus com seu povo.

Absolvição: “Cantai, ó céus, alegra-te, ó terra, e vós, montes, rompei em cânticos, porque o Deus Eterno consolou o seu povo, e dos seus aflitos se compadece” (Is 49.13).

Acolhida e bênção: usar o mesmo texto de Is 58.8-11 nessas duas ocasiões da celebração ou encontro.

Bibliografia

CHOURAQUI, André. Nomes (Êxodo). São Paulo: Imago.
JOHNSON, Elisabeth A. Aquela que É. O Mistério de Deus no Trabalho Teológico Feminino. Petrópolis: Vozes, 1995.
RAVASI, Gianfranco. Êxodo. São Paulo: Paulinas.
SANTISO, Maria Tereza. A Mulher. Espaço de Salvação. São Paulo: Paulinas, 1993.
WITHÖFT, Susanne Wolf-. Spiel mit der Bibel als Weg zur Predigt. Impulse für die Predigtvorbereitung. In: NAURATH, Elisabeth; PATALONG, Uta Pohl-. Bibliodrama. Theorie – Praxis – Reflexion. Stuttgart: Kohlhammer, 2002.


Autor(a): Anete Roese
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 14º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Êxodo / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 2 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2004 / Volume: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23587
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