Zacarias 12.7-10 (11)

Auxílio Homilético

12/07/1992

Prédica: Zacarias 12.7-10 (11)
Leituras: Gálatas 3. (23-25) 26-29 e Lucas 9.51-62
Autor: Carlos L. Ulrich e Claudete B. Ulrich
Data Litúrgica: 5º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 12/07/1992
Proclamar Libertação - Volume: XVII

1. Contexto

O livro de Zacarias apresenta três blocos de épocas diferentes. O eixo central destes três blocos é a memória das maravilhas de Deus na história do povo como sustento de sua esperança (Gorgulho, p. 9).

Há consenso entre os exegetas que a primeira parte (Zc 1-8) é de Zacarias. tile apareceu no cenário apenas alguns meses depois de Ageu, em 520 a.C. (Zc 1.1;7.1). Nesta época, a construção do templo já havia iniciado. Juntamente com Ageu, Zacarias animou a restauração do templo. Estes primeiros oito capítulos falam do germe que vem refazer o reino de Davi (Zc 3.8-10). As comunidades de Judá e Jerusalém vivem em torno do templo restaurado, apoiadas na promessa de uma Nova Aliança de verdade e justiça (Zc 8.1-8).

O segundo bloco (Zc 9-11) e o terceiro bloco (Zc 12-14) formam o assim chamado Dêutero-Zacarias. Percebe-se, nesses capítulos, a presença da linguagem apocalíptica e sua simbologia. Isto torna mais difícil determinar quando surgiram e a quem eram destinados. É provável que sejam do início da época helenística. O estilo é diferente, e utilizam com frequência livros anteriores, sobretudo Jr e Ez.

O centro da mensagem de Zc 9-11 encontra-se na promessa da vinda do Messias pobre. Esta promessa é o motor da esperança da libertação do povo disperso e dominado. A memória da ação de Deus na história da aliança sustenta esta esperança.

O terceiro bloco, (Zc 12-14), afirma que a salvação vem de Judá e o futuro do povo virá pela manifestação do julgamento de Deus (Gorgulho, p. 109). A esperança se firma na renovação da aliança e na vinda da realeza de Javé. O motor que sustenta esta esperança é a eliminação da idolatria, mudança de espírito e o reconhecimento de Javé como único rei universal.

A seguir, tentaremos localizar na história estas três partes distintas.

1.1. Localização histórica

A dominação do Império Persa parecia sem fim. O sofrimento era grande. O projeto de dominação internacional dos persas deixava alguns espaços de autonomia para os povos conquistados. O espaço principal era de ordem cultural. Adotaram as línguas dos povos dominados e favoreceram as distintas expressões religiosas. A reconstrução do templo cabe dentro deste espaço de autonomia. Foi um projeto econômico e uma estratégia de dominação da política persa.

A primeira parte (Zc 1-8) encontra-se neste contexto e foi compilada para reavivar a memória do povo. Este texto foi escrito para animar a comunidade e dar esperança aos judeus que viviam em Judá e em Jerusalém no trabalho de restauração do templo. Porém, mais importante que o templo é a esperança voltada para o germe a fim de realizar a promessa davídica que Zorobabel não realizou. É o projeto messiânico que sustenta a esperança dos judeus que vivem em torno do templo de Jerusalém (Zc 8). Nesta esperança está a superação da dominação persa.

Chega o dia em que os grandes impérios caem. O Império Persa também caiu e foi conquistado por Alexandre Magno. O texto de Zc 9-11 se explica pelo contexto histórico das vitórias e conquistas de Alexandre Magno e a queda do Império Persa. O anúncio de Zc 9-11 é que o futuro da comunidade não está na tranquilidade da paz do Império Persa, e nem no militarismo conquistador dos macedônios. O futuro está na paz que é trazida pela realeza dos pobres na história (Zc 9.9-12). (Gorgulho, p. 76.)

Depois da morte de Alexandre, em 323 a.C., a luta dos sucessores pela divisão do império fez com que a Palestina passasse às mãos de cinco generais diferentes. Após muitas guerras e brigas a Palestina passou a ser dominada por Ptolomeu Soter I. Sob seu governo as coisas pioraram, e a mesma dominação continuou. O regime tributário se intensificou. Muitos judeus foram deportados para o Egjto (Zc 14.1-3). Iludidos pela bondade do novo rei, tantos outros se mudaram para lá voluntariamente. Três importantes aspectos influenciaram a formação social dos judeus nesta época: a guerra, o tributo e o cisma samaritano.

Parte do segundo bloco e o terceiro bloco (Zc 12-14) se encontram neste contexto. A fonte, portanto, de onde brota a mensagem de esperança e fé nasce de uma nova experiência de exílio sofrida pelos judeus. O exílio é o tempo de confissão e purificação dos pecados.

Seguindo nosso estudo, queremos chamar atenção para alguns aspectos do terceiro bloco.

2. Alguns aspectos do terceiro bloco (Zc 12-14)

O terceiro bloco se constitui de dois grandes momentos. Ambos iniciam com as palavras Eis que... (Zc 12.2; 14.1). Os dois primeiros capítulos (12-13) falam da promessa da purificação nacional, e o capítulo 14 se reporta à manifestação global da realeza de Javé. A ligação entre estes dois grandes momentos acontece pela repetição da expressão naquele dia. A repetição desta expressão tem a finalidade de chamar a atenção para o Dia de Javé: (...) naquele dia um será o Senhor, e um só será seu nome (Zc 14.9).

Os capítulos 12-13 tratam da purificação nacional. Estes textos trazem em seu bojo a resistência contra a dominação de Ptolomeu Soter I. São um chamado para fortalecer a união e para a conversão/mudança de espírito do povo que novamente está sofrendo o exílio. E afunilam para o centro da esperança: a realeza de Javé (Zc 14), vencendo assim o pecado de idolatria.

O texto de Zc 12.1 abre este terceiro e último bloco. Este oráculo introdutório foi enviado ao Israel do Norte. Esta palavra dirige os acontecimentos para refazer o reino de Davi. A unidade entre Judá e Israel havia se rompido. Era necessário para a vida do povo retomar o sentido da unidade.

Portanto, o terceiro bloco foi acrescentado para mostrar qual é o futuro do povo de Israel. O futuro do povo está na renovação total da aliança. A unificação dos povos acontece pela manifestação da realeza de Javé, celebrada pela festa das Tendas.

O autor deste bloco está ligado aos sacerdotes e ao ritual do templo de Jerusalém. A salvação futura é prometida no contexto da festa das Tendas, em Jerusalém. A realeza de Javé será, então, manifestada em plenitude. Os ídolos serão vencidos e esquecidos. O nome de Javé será reconhecido como o único nome do rei universal (Zc 13.2,9; 14.9).

A realeza de Javé vai se revelando no decorrer do terceiro bloco. Javé salva rá (Zc 12.7), protegerá (Zc 12.8), procurarei destruir (Zc 12.9), derramarei o espírito de graça e de súplicas (Zc 12.10)... Estes aspectos da realeza de Javé aparecem na perícope de Zc 12.7-10(11), que queremos agora estudar e sobre a qual vá mós meditar.

3. O texto

A perícope em estudo apresenta os verbos no futuro. Mostra, assim, que a atuação de Javé que se manifestou na criação (Zc 12.1), continua no presente e se manifestará no futuro. A expressão naquele dia é repetida três vezes, chamando a atenção para a atuação de Javé (vv. 8, 9, 11).

O v. 7 afirma: Javé salvará primeiramente as tendas de Judá. O v. 8 diz: Naquele dia Javé protegerá os habitantes de Jerusalém. Os verbos salvará e protegerá provavelmente lembrem o contexto do exílio imposto por Ptolomeu Soter I. Na batalha de Palaegaza ele veio com um poderoso exército de cavaleiros. Devastou a região. Muitos foram levados para o cativeiro (Zc 14.2).

O texto em estudo, em nosso entender, fala do processo de salvação com a intervenção de Javé. O processo de salvação inicia pelas tendas de Judá (v. 70). As tendas de Judá lembram o povo nómade que vivia em tendas antes da formação do estado monárquico. O profeta retoma aqui uma promessa anterior de Jeremias 30.18: Eis que restaurarei a sorte das tendas de Jacó. Se o processo de salvação começa pelas tendas de Judá, isto significa que inicia no meio rural, com o povo mais pobre. Isto para que a glória da casa de Davi (Estado) e a glória dos habitantes de Jerusalém (cidade/templo) não seja exaltada acima de Judá. O v. 8 forma um paralelismo com o v. 7, afirmando que Javé protegerá os habitantes de Jerusalém; e o mais fraco será como Davi. Davi é um personagem importante na história do povo. Aqui é importante a força da memória: Davi venceu Golias. O mais fraco será como Davi.

A casa de Davi (Estado) será como Deus, como o anjo de Javé diante deles. O Estado estará a serviço do povo, não para oprimir, mas para guiar, para proteger o povo. O processo de salvação visa um modelo de unidade, igualdade sem distinção. Um não será maior que o outro: o mais fraco será como Davi.

Outra promessa que transparece no processo de salvação é: Procurarei destruir todas as nações que vierem contra Jerusalém. (V. 9.) Este versículo lembra o ataque das nações pagãs. Em Jerusalém ficava o templo, por isso precisava ser protegida. Um dos maiores perigos que vem com a dominação e o exílio é a idolatria, o paganismo: o afastamento de Javé.

Por isso, não basta a purificação nacional; é necessário também a confissão, o arrependimento e a lamentação/purificação pessoal. O processo de salvação/purificação precisa passar pelas entranhas do homem e da mulher. É necessário acontecer a conversão/mudança de vida.

O v. 10 diz: E sobre a casa de Davi, e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o espírito de graça e de súplicas. Alguns estudiosos também lêem, ao invés de súplicas, espírito de pesar profundo. O autor se apoia aqui no ensinamento do profeta Ezequiel: Dar-vos-ei coração novo, e porei dentro em vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. (Ez 36.26.) O espírito de graça e de súplicas é o dom do espírito novo. Com a mudança de espírito também olharão para mim (v. 10). Este olharão para mim, a quem traspassaram demonstra que com um espírito novo o povo poderá voltar-se para Javé e invocar o seu nome (Zc 13.9). Javé é o único nome (Zc 14.9). Os ídolos serão esquecidos (Zc 13.2).

O dom do espírito novo e o voltar-se para Javé levam também ao pranto e ao choro amargo (Zc 12.10). Trata-se, portanto, de um tempo de arrependimento e conversão/purificação.

Os vv. 10-11 são bastante obscuros. A linguagem apocalíptica está presente. Ela dá impressão de prever o futuro, quando está falando, de modo misterioso, das coisas que acontecem no presente. O tempo de arrependimento e purificação/conversão, de pranto e luto é, portanto, o momento presente em que o texto foi escrito. A causa do pranto e choro amargo é a quem traspassaram. Quem seria este? O verbo traspassar designa o ato de matar o idólatra em punição do pecado de idolatria. Os termos unigénito e primogênito lembram o povo de Israel, filho de Deus (Jr 31.9).

Existem várias tentativas de resposta para dizer quem é o traspassado. Há aqueles que afirmam que é o povo de Israel, que foi morto e sofreu na destruição de Jerusalém o exílio em 586 a.C., por causa do seu pecado de idolatria. Outros falam que o Traspassado é o rei Josias, símbolo do povo exilado. Existem, inclusive, aqueles que defendem a idela de que é o próprio Javé, que se sente traspassado nos inocentes mortos.

O Evangelho de João (19.37) e Ap 1.7 vêem em Jesus crucificado e ressurreto a realização daquilo que Zacarias anunciava de forma obscura...

Olhando para o contexto, nós ficamos com a primeira alternativa. O traspassado é o povo de Israel, vítima de idolatria.

O povo toma consciência, se arrepende, chora amargamente e com espírito novo se volta para Javé.

O povo está sofrendo um novo exílio. Portanto, o autor quer mostrar que a purificação inicia pelo reconhecimento do pecado de idolatria. O exílio é o tempo propício para a confissão do pecado, mudança de espírito e volta para Javé.

O v. 11 afirma que Naquele dia será grande o pranto em Jerusalém, como o pranto de Hadadrimon no vale do Megido. O pranto de Hadadrimon era uma cerimônia de luto, celebrada anualmente ao deus da fecundidade: o deus da tempestade e da chuva (Hadad) e do trovão (Rimon). O deus morria no fim da colheita para reviver na estação das chuvas (Ez 8.14). A comparação quer mostrar que a fecundidade e a vida não vêm deste ídolo. A fecundidade e a vida vêm do Deus criador (Zc 12.1). Portanto, a lamentação de Jerusalém tem outro sentido. O v. 11 quer comparar este tempo de pranto aos dias em que Judá pranteou Josias, o rei justo e piedoso, morto na batalha de Megido (2 Rs 23.29-30). Josias traspassado em Megido é a figura do povo que cai pela espada do exílio. Em Josias estava prefigurada a morte do povo no exílio.

A lamentação/mudança de espírito é o ponto de partida da purificação e da expiação do pecado de idolatria, causa da morte do povo. A purificação passa pela morte e ressurreição do povo.

A purificação vem pelo dom da graça de Deus que transforma, liberta, salva, protege, cria uma nova estrutura de sociedade e um novo espírito no homem e na mulher. É a partir daí que virá o futuro e a unidade novamente do povo de Israel (12.7-8).

4. Questões abertas

1. O autor sonha em reviver o modelo do Estado Davídico: (...) o mais fraco dentre eles nesse dia será como Davi, e a casa de Davi será como Deus, como o anjo do Senhor diante deles (Zc 12.8).

Com que tipo de Estado nós, cristãos, sonhamos? Em favor de que tipo de Estado nós, cristãos, nos colocamos?

2. A purificação/mudança/salvação passa necessariamente pela estrutura sócio-religiosa e pelo nosso espírito e corpo.

3. O rosto de Deus que transparece no texto é de juiz e amigo.

4. O bloco Zc 12-14 prega a unidade do povo disperso e dominado. Que tipo de unidade se deve pregar hoje?

5. Qual é o pecado de idolatria que nós vivenciamos hoje?

6. O texto de Zc 12.7 afirma que o processo de salvação/purificação inicia pelas tendas de Judá. O cap. 14 afirma que a realeza universal de Javé será celebrada no contexto da Festa das Tendas. Perguntamos: existe alguma relação entre estes dois acontecimentos?

5. Subsídios litúrgicos

1. Canto: Cântico de Maria, cancioneiro da Pastoral Popular Luterana, p. 30; Hino 191 (HPD), Hino 81 (HPD) e Derrama, Deus, teu Espírito, cancionei¬ro Quero Cantar ao Senhor, n° 3.

2. Saudação: Gálatas 3.26-29.

3. Leitura bíblica: Lucas 9.18-24(25-26).

4. Confissão de pecados:
— Coletar entre a comunidade a causa da divisão entre as pessoas e povos.
— Pedir perdão pelo pecado de idolatria, transgressão ao 1° Mandamento.
— Deixar a comunidade expressar outros pedidos de perdão e confissão de culpa e pecado.

5. Oração final:
— Agradecer pelo culto, pela palavra pregada e ouvida.
— Agradecer pela vida, pela manifestação de Deus em nosso mundo.
— Pedir para que a purificação aconteça em nosso mundo, em nossa vida.
— Pedir pelos necessitados, pelos que deixaram de crer, pelos pobres, pelos desempregados...
— Pedir pelos doentes, pelos idosos, pelas pessoas portadoras de deficiência...
— Pedir por mais fé, pela presença do Espírito Santo em nosso mundo.
— De mãos dadas, a comunidade ora em conjunto o Pai-Nosso.

6. Bênção: Depois cada pessoa é convidada a colocar a mão no ombro uma da outra e assim se pede pela bênção de Deus.

Após a bênção canta-se Parabéns ou qualquer outro hino para os aniversariantes e pessoas que fizeram aniversário de casamento.

6. Bibliografia

GORGULHO, G. Zacarias. A vinda do Messias pobre. Petrópolis, Vozes, Metodista, Sinodal, 1985.
BÍBLIA DE JERUSALÉM.
BORTOLONI, J. In: Vida Pastoral. Maio-Junho de 1989, Ano XXX, n° 146, São Paulo, Paulinas, pp. 61-62.
WEHRMANN, G. K. F. In: Proclamar Libertação. Vol. 10, São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1984, pp. 91-105.


Autor(a): Carlos Luiz Ulrich e Claudete Beise Ulrich
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Zacarias / Capitulo: 12 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1991 / Volume: 17
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17985
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