Luteranos em Contexto



ID: 2650

O movimento da Reforma

23/01/2014

Reforma a uma data e a uma pessoa seria empobrecer a magnitude e profundidade do conceito. Os dados históricos mostram que esse movimento que tem como objetivo a transformação tanto da cabeça como dos membros do corpo da Igreja começa muito tempo antes de 31 de outubro de 1517 e tem como testemunhas - dentre eles o de Martim Lutero é um a mais - uma longa, diversa e representativa lista.


Limitar, portanto, o começo desse processo a uma determinada área geográfica é, da mesma maneira, uma forma de empobrecer o conceito de Reforma. Vários concílios prévios a 1517 tiveram o objetivo de levar a cabo essas mudanças que poderiam devolver à comunidade cristã a frescura inicial, mas lamentavelmente viram que suas resoluções não passavam de um caminho cheio de boas intenções, sem alcançar os objetivos.

Também seria um erro falar de uma “Contrareforma quando, na realidade, temos que falar simultaneamente de uma Reforma protestante e uma Reforma católica. Ambas são aspectos de um mesmo ideal de reformar a forma de compreender a Igreja. Junto e não frente à Reforma protestante temos também a Reforma católica com nomes muito marcantes.

Na Espanha todo o processo dos “descalços” é parte desse movimento e a figura tanto de Pedro de Alcántara junto com todo o movimento franciscano como a figura de uma mulher forte como Teresa de Jesús, são parte desse movimento chamado, em geral, de Reforma.

Na América Latina também aparecem figuras que levam a cabo esse processo de renovação e refundação da comunidade cristã. Como exemplo desses ares da Reforma é importante resgatar para as igrejas que se reconhecem como parte do movimento da Reforma uma figura como a de Toribio de Mogrovejo que, desde o Arcebispado de Lima - e com grandes desgostos dos espaços de poder político e ainda religioso - trabalhou para acercar à fé os direitos humanos e a inclusão radical de todas as populações excluídas e marginalizadas pelo sistema de poder econômico e cultural.

A longa lista dos arquivos da Inquisição no continente latino-americano, assim como os da Espanha, mostram a quantidade de mártires e testemunhas desse movimento com sede de Reforma, tanto em sua hierarquia como em suas práticas pastorais. Essa longa lista de testemunhas da fé tem que renovar o compromisso de continuar, aqui e agora, formando as comunidades para que sejam cada dia mais fiéis ao projeto e vontade daquele que se fez liberdade para que todas e todos vivam em liberdade abundante.

Limitar o conceito da Reforma a uma pessoa e a um dia pode levar à tentação de sacralizar estruturas mentais e teológicas, fechando a possibilidade de um processo dinâmico, constante e atual. Todas as ortodoxias que quiseram fixar esse processo num dia e numa pessoa terminaram empobrecendo o processo da Reforma, que tem necessariamente que continuar aberto em todos os seus aspectos, e levá-lo além de todas as fronteiras dos temores e necessidades de segurança que querem dividir e isolar.

O processo da Reforma é uma tentativa sempre renovado de viver o escândalo do Evangelho que tudo transforma para incluí-lo numa grande comunidade de irmãos e irmãs, onde nada nem ninguém fica excluído.

Retomando o espírito plasmado na Confissão de Augsburgo, é necessário encarnar o provisório das divisões atuais. Não somos uma igreja ecumênica por oportunismo político ou por necessidade social. A vontade de unidade faz parte do núcleo do movimento da Reforma, por isso não podemos deixar de lado a diversidade de formas, pessoas e atores desse processo, sempre aberto, sempre desafiante. É interessante considerar as notas ao pé de página de cada um dos artigos da Confissão de Augsburgo, que se apoia nos grandes momentos de consenso dentro da comunidade de fé. As citações dos diversos Concílio repetem-se uma e outra vez.

Santo Agostinho, Ambrosio, Jerônimo, Bernardo e outros nomes e seu pensamento fazer parte do processo da Reforma. Ao se pensar nesses contextos, uma série de afirmações de teólogos do passado não são postos em debate.

A Reforma, que num primeiro momento é profundamente pastoral, como o mostram as 95 Teses de Martim Lutero, é um processo de revisão de toda essa tradição, sem renunciar nem esquecer, mas sim de se adaptar às novas situações e desafios. A Reforma não é um movimento de ruptura, mas, ao contrário, de continuidade. Pode parecer assombroso, mas as 95 Teses que impulsionam a Reforma protestante mostram que na realidade é o bispo de Roma quem introduz novidades sem consenso e é esse tema o que se quer debater e que ainda hoje é tarefa pendente.

Essa autocompreensão da Reforma protestante de ser uma continuidade e adaptação da grande tradição é o fundamento que leva protestantes a afirmar que nunca foi intenção do reformador de criar uma nova igreja ou de dividir dolorosamente a comunhão. Isso porque a Reforma se considera como parte da Igreja que sempre será una, santa, apostólica e católica, provisoriamente não romana. Desse conceito nasce a sua vocação ecumênica, sustentada desde então.

A Reforma tem também, desde os primórdios, uma preocupação social frente à situação de pobreza e exploração do povo. Pouco a pouco descobre-se que essa preocupação pastoral e social não pode ficar isolada de uma renovação teológica que, localizada numa hermenêutica fundada somente pela fé, somente pela graça proclamadas e vividas somente por Jesus de Nazaré, proclamado como o Cristo do Deus do Reino e revelado somente nas Escrituras, é um grito de unidade e de inclusão surpreendente.

Lisandro Orlov é pastor da Igreja Evangélica Luterana Unida, em Buenos Aires, Argentina.

Os artigos desse ciclo de reflexões não expressam necessariamente a opinião das igrejas da Comunhão da Reforma: Igreja Evangélica Valdense do Rio da Prata (IEVRP),Igreja Evangélica Metodista Argentina (IEMA), Igreja Evangélica Luterana Unida (IELU), Igreja Evangélica do Rio da Prata (IERP) e Igreja Reformada na Argentina (que aderiu à IERP).

Fonte: ALC
 


Autor(a): Lisandro Orlov
Âmbito: IECLB
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Luteranos em Contexto
Natureza do Texto: Artigo
ID: 26611

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