Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Ecumene



ID: 2676

O Consenso de Stellenbosch - 20 teses sobre Globalização

13/10/2010

O Consenso de Stellenbosch
20 teses sobre a Globalização

 As seguintes teses são fruto de uma consulta de líderes, representando igrejas da Alemanha e da África do Sul, que aconteceu nos dias 11-13 de outubro de 2010, em Stellenbosch/África do Sul. A consulta reuniu entidades eclesiásticas globais como o Conselho Mundial de Igrejas, a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas e a Federação Luterana Mundial, buscando um novo consenso entre o Norte e o Sul sobre os fundamentos éticos da globalização e suas consequências. O encontro incluiu líderes eclesiásticos, teólogos e economistas desde o presidente da Comunhão de Igrejas Reformadas, um representante do processo do Conselho Mundial de Igrejas sobre Riqueza, Pobreza e Ecologia, até o Presidente da Câmara Social da EKD. Visto as abordagens assumidas até agora aparentemente diferentes das igrejas do Sul e das igrejas do Norte, este “Consenso de Stellenbosch” é notável e é esperado que possa fortalecer esforços já existentes nas entidades ecumênicas de ir além de polarizações improdutivas. Consultas futuras irão mostrar se isso poderá ser uma contribuição para encontrar uma nova voz unificada das igrejas numa sociedade civil cada vez mais globalizante.

Preâmbulo

Quando igrejas ou pessoas cristãs falam sobre a economia estão cientes da complexidade dos problemas econômicos. Porém, também sabem que a fé cristã é profundamente relevante para as metas e os parâmetros da vida econômica. A criação do ser humano à imagem de Deus, a proteção da pessoa estrangeira e das viúvas e dos órfãos na lei bíblica, o apelo por justiça pelos profetas e o encontro de Cristo através dos menores de seus irmãos e de suas irmãs são somente alguns exemplos desta característica fundamental da tradição bíblica. Fundamentado na história bíblica, que se tornou nossa própria história, é que oferecemos os seguintes ‘insights’ sobre os fundamentos éticos da globalização e suas consequências.

1. Dado o consenso global sobre valores universais representados pelos direitos humanos modernos, é um escândalo moral o fato de que cerca de 25.000 pessoas morrem cada dia de doenças e razões humanamente evitáveis. É necessário que a resposta a este escândalo moral saia das margens dos negócios políticos cotidianos e chegue ao centro, tornando-se parte das experiências da vida real. Isso é ainda mais urgente dado as recentes crises financeiras e econômicas globais cujos custos recaem sobre os mais fracos ao invés de sobre aqueles que lucram, principalmente dos mecanismos “poluídos e envenenados”.

2. A rápida mudança climática, manifestada cada vez mais pelas secas, tempestades e enchentes, torna impossível continuar a negar a destruição social, cultural e ecológica que caracteriza as maneiras dominantes de “fazer economia”. A grande diferença de consumo de recursos naturais entre os países ricos do Norte e muitos países pobres do Sul, revelam as principais injustiças que precisam ser abordadas na busca por uma economia sustentável e justa para esta e subsequentes gerações.

3. Precisamos superar qualificações simplistas que avaliam a globalização como bom ou ruim e analisar cuidadosamente o efeito da globalização, especialmente o econômico, sobre diferentes países ou regiões. Precisamos entender o porque de alguns países lucrarem com a globalização, enquanto outros não e também avaliar como esses efeitos diferentes coincidem com as dinâmicas globais da desigualdade profundamente enraizada na injustiça histórica do colonialismo.

4. Se os mercados são reconhecidos como tendo uma função na alocação dos recursos da economia – e isso não está em dúvida – regulação nacional e internacional devem ser consideradas para assegurar meios efetivos de redistribuição para empoderar especialmente os mais pobres par que possam por si mesmos sobre suas necessidades e preferências.

5. Além disso, os mercados precisam de um parâmetro de regras que assegure um comércio mais justo, que previne contra a exploração de nações em desenvolvimento ou empobrecidas e que leve ao benefício mútuo mais possível nas relações de comércio. Para fortalecer o fundamento legal desse esforço, conclamamos a todas as pessoas cristãs do mundo a pleitear – onde isso ainda não ocorreu – que seus governos assinem e ratifiquem o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (PIDSEC).

6. Mesmo que observemos que a intenção da liberalização dos mercados através das últimas três décadas tenha sido para possibilitar que nações empobrecidas pudessem participar equitativamente no mercado e ter acesso a bens e serviços a preços bem mais acessíveis, a realidade tem produzido consequências morais e espirituais não previstas muito mais sérias. Alguns dos efeitos indesejáveis têm sido o contínuo enfraquecimento de nações empobrecidas e o impedimento de um desenvolvimento nacional que pudesse levar a uma economia doméstica viável e dinâmica.

7. O critério básico para julgar a qualidade ética da globalização econômica não é tanto a liberalização dos mercados, mas, sim, se o Mercado possui o potencial – em resultado e processo – para beneficiar aquelas pessoas que são marginalizadas e excluídas das economias principais. Na ética cristã esse critério é fundamentado na “opção preferencial bíblica pelos pobres” assim como na justiça divina que busca sanar a brecha entre o certo e o errado. A ética secular e o discurso moral baseiam tais juízos na razão prática, na dignidade humana e em argumentos filosóficos para a maximização da posição menos vantajosa (o princípio da diferença de Rawlsian). Esses argumentos filosóficos ainda são apoiados pela nova pesquisa empírica (p.ex. R. Wilkinson/K. Pickett “The Spirit Level: Why Equality is Better for Everyone”) que argumenta pela sabedoria de criar sociedades mais iguais. Confirma ainda mais a tarefa ética indiscutível de comunidades de fé de desviar as atitudes e os comportamentos dos membros de uma cultura de ganância alimentada pela dívida impulsionada pela pessoa que consome e a aquisição baseada no mercado.

8. Essa visão eticamente fundamentada leva a um conceito de participação justa para todas as pessoas numa escala global.

9. A participação justa para todas as pessoas precisa caminhar junto com um uso, por seres humanos, que é ecologicamente sustentável e disponível gratuitamente, de recursos naturais renováveis (vento, ar, ondas e sol), que dá a todo ser humano acesso igual às necessidades de energia e que é – ao contrário dos combustíveis de fósseis tais como carvão, petróleo, gás e nuclear – ambientalmente benéfico para as gerações futuras.

10. Uma reorientação ética da globalização deve tomar em conta tanto o incentivo quanto a inspiração. Modelos alternativos de uma economia solidária global que pressupõem uma antropologia de partilha são uma inspiração importante. E quanto mais bem sucedidos melhor eles são. Mas também temos que considerar a existência de interesse próprio e até de egoísmo. Portanto, temos que desenvolver modelos que maximizam as preocupações éticas mesmo sob as circunstâncias desse mundo imperfeito. Temos que desenvolver uma ética de incentivos que possibilitas às pessoas, seguir seus impulsos éticos em base de um interesse próprio esclarecido e em como esse interesse próprio impacta no mundo ao nosso redor. Nenhuma pessoa é uma ilha.

11. Se capitalismo significa que o lucro do capital é o objetivo maior, ou até o único, então é irreconciliável com as perspectivas éticas da fé cristã. Por outro lado, se a possibilidade de obter lucro, como um incentivo de gerar riqueza realmente aumente a participação de todas as pessoas, especialmente das mais fracas, então é uma opção eticamente aceitável.

12. Levando-se em conta que o motivo do lucro tem uma tendência de manter uma dinâmica auto-perpetuante, existe o risco de ele tornar-se um fim, em si mesmo, até um ídolo. Mas a função apropriada do lucro é ser instrumental. Por isso, uma economia, nacional ou global, nunca pode ser construída primordialmente na lógica do lucro. Ao contrário, o objetivo do lucro precisa estar embutido na lógica de um contrato social (entendido como uma analogia secular de uma aliança) expresso por um sistema de Governança Global com um paradigma elaborado de regras e um ambiente institucional que põe os mecanismos do mercado e os incentivos ao lucro a serviço de uma participação justa de todas as pessoas, gerando, assim, uma abordagem à economia centrada em pessoas, ao invés de uma mera mentalidade de lucro.

13. O desafio mais fundamental para passos políticos e econômicos concretos é a criação de um parâmetro para o mercado global que, por analogia a modelos nacionais existentes de economias de mercado social, se esforce para conseguir uma parcela apropriada dos benefícios da globalização para que todos os países e todos os segmentos da sociedade lucrem com as vantagens econômicas da globalização.

14. Negociações do Comércio Internacional precisam ser redirecionadas, sem ambiguidades, para o fortalecimento global de economias fracas. As economias fortes do Norte e Leste devem aceitar as medidas protecionistas das economias fracas – p. ex. na África – onde isso pode ajudar que esta se torne mais dinâmica. A política de desenvolvimento precisa ser redesenhada nessas linhas e deve ser baseada no interesse a longo prazo e não no interesse nacional de curto prazo.

15. Mercados financeiros devem ser fundamentados num conjunto de regras que restabelecem o seu papel de servir a economia real. Um imposto financeiro novo contribui para a limitação da especulação financeira, para geração de renda, muito necessária, e para buscar compensação para os custos da crise no lugar onde foi causada.

16. Abordagens econômicas precisam ser adotadas para promoverem uma ordem econômica que não exija um uso crescente de recursos naturais. Incentivos devem ser desenvolvidos para assegurar que nossa prosperidade não tenha que depender de um crescimento ecologicamente destrutivo.

17. Indicadores do bem estar econômico não deveriam focar somente no crescimento quantitativo do GDP. Melhorias em educação, aprimoramento do bem estar ambiental e medidas que buscam erradicar a pobreza e a desigualdade estrutural devem ser consideradas quando o progresso econômico é medido.

18. As igrejas devem afirmar a crítica radical de dogmas neoliberais não questionados (processus confessionis de Accra) e, ao mesmo tempo, caminhar em direção a um discurso aberto, além de qualquer dogma, sobre quais políticas melhor refletem as orientações éticas fundamentais, tanto da fé cristã quanto das tradições seculares dos direitos humanos.

19. As igrejas precisam tirar proveito de sua importância social global e de sua influência entre as tomadas de decisões globais para ajudar a desenvolver um novo consenso global que priorize a justiça global acima dos interesses nacionais. Seu uso de recursos financeiros deve refletir a urgência de questões mundiais de justiça. Uma consequência poderia ser uma decisão estratégica de patrocinar programas de diálogo entre os grupos de base, líderes no comércio e tomadas de decisões políticas mundiais que ajudem a trazer a urgência moral da injustiça global para dentro dos debates políticas e que apoiem o desenvolvimento de novas políticas que potencialmente superem tal injustiça. Ao promover programas educacionais nas escolas e universidades que apoiam abordagens à economia orientadas para a justiça e a ecologia, as igrejas podem apoiar um processo de reorientação. Através do fortalecimento do trabalho de suas organizações de desenvolvimento elas podem ajudar as vítimas e, ao mesmo tempo, apoiar o desenvolvimento de modelos alternativos para a economia.

20. A erradicação de pobreza pode ser vista como um meio mínimo de promover a justiça econômica. Portanto, as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs) têm uma função especialmente importante. As igrejas são chamadas a participarem criticamente nas políticas nacionais que almejam promover a realização das MDMs. Através desse engajamento elas testemunham o que o evangelho promete: “plenitude de vida” (João 10:10) para todos os povos.

Ivan Abrahams, Bispo Presidente, Igreja Metodista, Presidente da Consulta Nacional de Líderes Eclesiásticos

Prof. Dr. Heinrich Bedford-Strohm, University of Bamberg, Vice Presidente da Câmara Social das Igrejas Protestantes Alemãs (EKD)

Cornelia Coenen-Marx, Diretora da Secretaria de Assuntos Sociais da EKD e Administradora da Câmara Social da EKD, Hannover

Malcolm Damon, Rede de Justiça Econômica (Economic Justice Network), Cape Town

Dr. Ruth Gütter, Diretora do Departamento da EKD para Políticas para África e Desenvolvimento e Administradora da Câmara de Desenvolvimento Sustentável da EKD, Hannover 

Klaus Heidel, Werkstatt Ökonomie e.V., Heidelberg

Prof. Dr. Gustav Adolf Horn, Diretor do Instituto de Política Macroeconômica da Fundação Hans-Böckler, Düsseldorf, Presidente da Câmara Social da EKD

Dr. Renier Koegelenberg, Diretor Executivo do Instituto EFSA Stellenbosch

Prof. Dr. Nico Koopman, Decano da Faculdade de Teologia Stellenbosch University

Canon Desmond Lambrechts, Diocese Anglicano de Cape Town

Prof. Dr. Pieter le Roux, Economia, University of the Western Cape, Bellville

Prof. Dr. Christo Lombard, Estudos Religiosos, University of the Western Cape, Bellville

Dr. Welile Mazamisa, Instituto EFSA, Stellenbosch

Dr. Jerry Pillay, Igreja Presbiteriana, Presidente da Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas

Prof. Dr. Gerhard Wegner, Diretor do Instituto de Ciências Sociais da EKD
 


Âmbito: IECLB
Área: Ecumene
Natureza do Texto: Manifestação
ID: 24523

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