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ID: 2690

Gênesis 15.1-12,17-18

Auxílio Homilético

17/03/2019

 

Prédica: Gênesis 15.1-12,17-18
Leituras: Lucas 13.31-35 e Filipenses 3.17-4.1
Autoria: Manoel Bernardino de Santana Filho
Data Litúrgica: 2º. Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 17 de março de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Promessa e cumprimento

1. Introdução

Na leitura de Gênesis 15 encontramos a experiência de Abraão. Homem de fé, temente a Deus e que soube esperar contra toda a possibilidade humana. Ele foi provado, principalmente, no terreno da segurança, mediante tensões de ansiedade e ambição. A promessa de proteção e abrigo, relacionada à terra, caminha na direção da promessa de um filho e, consequentemente, de uma descendência. Mas a esperança é adiada por um longo período, talvez uns 25 anos. Isso o faz queixar-se a Deus pela demora no cumprimento da promessa original (Gn 12), que afirma posse da terra e a promessa de ser pai de uma grande nação. Deus lhe concede uma visão noturna, quando pôde contemplar o céu estrelado que, em si, não provava nada, mas era uma espécie de sinal e serviu como palavra visível, como ponto focal da promessa, algo parecido com o efeito dos sacramentos, pois a experiência foi inesquecível. Alimentado pela esperança e confiança na palavra proferida, Abraão saiu da sua tenda em Harã e continuou sua caminhada, que fora iniciada em Ur dos caldeus.

O texto do Evangelho de Lucas se associa com a perícope de Gênesis, estudada aqui em dois sentidos: primeiro, quanto à necessidade de caminhar sempre. Abraão é um peregrino, ou seja, um homem que caminha. Jesus é o homem do caminho que nos ensina a estar na estrada da vida. Ele afirma: Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois... Caminhar significa acreditar no amanhã, no cumprimento da promessa; segundo: porque Lucas, ao apresentar a fala de Jesus bendito o que vem em nome do Senhor, assinala o cumprimento da promessa do Messias prometido.

O texto da carta de Paulo aos filipenses apresenta as dificuldades enfrentadas por todos aqueles que querem se manter firmes na fé. Reflete a experiência de Abraão, que pode ser vista como paradigma para a fé de todos aqueles e aquelas que estão em Cristo. A exortação paulina caminha na direção da preservação, em confiança na promessa de uma vida plena e abundante com o Senhor Jesus Cristo.

2. Exegese

“Depois desses acontecimentos.” Que acontecimentos? Os comentaristas estão de acordo que não é uma referência ao capítulo 14, e sim ao capítulo 13, onde encontramos o gesto nobre de Abraão em fugir da disputa com seu sobrinho Ló, deixando-o escolher o caminho a seguir. O autor da narrativa sugere que agora começa algo novo. Uma nova história está para ser contada.

O capítulo 15 do livro de Gênesis apresenta um formato completamente diferente do que antecede e, posteriormente, dá sequência ao capítulo. A partir do capítulo 12 até o 14 e, em continuação, no 16, deparamo-nos com episódios narrativos, situações vividas em que os fatos enumerados são, em si mesmos, mais importantes do que aquilo que é dito. No capítulo 15 é tudo diferente. Aqui encontramos a palavra de Javé. Essa palavra deve nos conduzir à reflexão.

O capítulo compõe-se de dois momentos, de duas falas especiais. A primeira encontra-se nos v.1-6, e a segunda nos v. 7-21. Nossa perícope (1-12; 17-18) contempla esses dois momentos que se completam, porque trata da confirmação da promessa. Mas não se deve tentar desmembrar as duas partes que compõem esse capítulo: descendência e terra. Segundo Milton Schwantes, a beleza do texto reside, exatamente, na correlação dessas duas partes. Isso porque os temas combinam e se encaixam. Povo e terra estão juntos. Cada parte começa com a “palavra de Javé”, com a promessa (1 e 7). Segue-se a pergunta de Abraão (2-3 e 8) e a reafirmação da promessa (4-5 e 9-21).

Duas são as promessas: a promessa do filho/herdeiro e a promessa de uma grande descendência, a qual não se pode contar. Para Abraão, o assunto é um problema (2-4). O tempo estava passando. Agora era um ancião, cujas forças se esvaem, vencido pelo tempo. Àquela altura da vida não via como poderia, ainda, cumprir--se a promessa de ser pai de uma grande nação. Passou o tempo e a vida atingiu o ocaso. No entanto, Abraão nunca teve a covardia de renegá-la. Por isso não pode ser esquecido. Conheceu, sim, a tristeza, a amargura, mas creu e isso o reconfortou. Diante de Deus expõe sua tristeza por não ver a concretização da promessa.

No entanto, Deus não deixa seu amigo no estado depressivo em que se encontra. Trata-o com brandura e determinação. Abraão apresenta o problema, do ponto de vista do indivíduo; o Senhor aponta a solução, do ponto de vista de Deus. Primeiro, chama-o para sair da tenda, o que demonstra a necessidade de retirar o indivíduo prostrado de seu desânimo. Quem está no interior de sua tenda encontra--se oculto, remoendo suas mágoas. Deus chamou Elias para sair de sua caverna, para mostrar que ele não estava sozinho (1Rs 19.11). Para sair da tenda é preciso pôr-se de pé, o que, biblicamente, é sinal de atitude positiva, de recomeço. Abraão é desafiado por Deus a deixar para trás sua angústia e frustração, por acreditar que a promessa passou do tempo da realização. Deus o chama a novamente se colocar no caminho da fé; chama-o a ter uma atitude de confiança naquilo que o Senhor pode fazer. “Olha para os céus!” E, diante do olhar atônito de Abraão, Deus o leva a refletir sobre a sua promessa. Podes contar as estrelas? – é uma pergunta retórica. Impossível contar. Pois bem – diz o Senhor – assim será a tua descendência.

A promessa que Deus faz a Abraão é a promessa da terra. Podemos ver, também, que a terra tem sido tema central no agir de Deus. Aqui, o Senhor reafirma a promessa de uma terra própria para Abraão e sua descendência. O castigo para Israel por conta da desobediência foi a perda da terra. Os profetas destacaram a promessa da sua recuperação. No Antigo Testamento, esse conceito de possuir a terra, como resultado da promessa, está presente nos livros da lei e dos profetas. Nas bem-aventuranças, os mansos herdarão a terra (Mt 5.5). Portanto a promessa da posse da terra é uma tradição bíblica. Deus chamou Abraão para que ele tomasse posse da terra prometida.

A pergunta de Abraão é: Como saberei que hei de possuí-la? É uma pergunta pertinente e Deus responde, fazendo uma aliança com ele, aliança que atinge sua posteridade, a qual seria tão numerosa quanto as estrelas do céu. A seguir, o gesto sacrificial que ocupa os versos 9-12 e 17-18 impõe-se como resposta a essa promessa. Deus afirma (7) e reafirma a doação da terra (18).

Abraão creu. A palavra de Deus é suficiente. Aqui está o homem de fé, o crente, o indivíduo que soube o que é fé. Ele acreditou. E ele sacrificou ao Senhor. Aves de rapina desceram sobre o seu sacrifício (11), mas Abraão as expulsou. O sacrifício deve estar puro diante de Deus. Não se pode permitir que algo se interponha entre a pessoa e o sacrifício que se oferece a Deus. É preciso estar atento para impedir interferência no ato de adoração.

3. Meditação

No Antigo e no Novo Testamento, Abraão é o modelo de todos aqueles que são eleitos por Deus. Podemos dizer que Noé, e não Abraão, foi o primeiro homem na narrativa bíblica a ser escolhido, embora a palavra “escolhido” não apareça no texto. Mas é certo que ele foi selecionado, junto com sua família, para viver em meio à massa perdida da humanidade de seus dias. No entanto, a escolha de Noé é muito diferente da de Abraão, pois enquanto a escolha de Noé tenha significado a destruição do resto da humanidade, a eleição de Abraão e sua família significou bênção para o resto da humanidade. É a eleição de Abraão, e não a de Noé, que apresenta a graça de Deus, que elege o ser humano para a vida. Quando Deus elegeu Abraão, disse-lhe: Em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3).

Assim, Abraão é o pai espiritual de todos os que creem, descritos em Efésios (1.4) como escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele. Em Gênesis 12 Abraão é chamado por Deus para deixar seus ancestrais e ir para uma terra desconhecida, que lhe seria dada por herança, para ele e sua descendência, acolhendo uma promessa sem precedentes, incluindo o fato de que a bênção que ele receberia seria uma bênção destinada a toda a descendência. O fato notável é a prontidão de Abraão em crer na promessa divina, em um tempo em que ele não tinha filhos e não era mais jovem. Todavia, ele creu no Senhor e isto lhe foi imputado por justiça (Gn 15.6).

Em Neemias (9.7-8) lemos: Tu és o Senhor, que elegeste a Abrão, e o tiraste de Ur dos caldeus e lhe puseste o nome de Abraão. Achaste o seu coração fiel perante ti, e com ele fizeste aliança, para dares à sua descendência a terra dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos fereseus, dos jebuseus e dos girgaseus e cumpriste as tuas promessas, porquanto és justo.

Abraão é descrito em todo o Antigo Testamento como o pai do povo de Deus (Sl 47.9), como aquele que fez aliança com Deus, sendo essa promessa estendida a Isaque e a Jacó. Quando o povo foi oprimido no Egito (Êx 2.34; 3.8), Deus se lembrou de sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó e desceu para libertá-los. Quando Moisés ora (Êx 32.13), diz: Lembra-te de Abraão, de Isaque e de Israel, teus servos, aos quais por ti mesmo tens jurado e lhes disseste: multiplicarei a vossa descendência como as estrelas do céu, e toda esta terra de que tenho falado, dá-la-ei a vossa descendência, para que a possuam por herança perpetuamente.

Quando chegaram os dias de tristeza, por causa do exílio, a mente dos israelitas era animada pela recordação da promessa feita a Abraão: Mostrarás a Jacó a fidelidade, e a Abraão a misericórdia, as quais juraste a nossos pais, desde os dias antigos (Mq 7.20). No exílio, eles ouviram de Ezequiel: Abraão era um só, no entanto possuiu esta terra; ora, sendo nós muitos, certamente esta terra nos foi dada por possessão (Ez 33.24).

Em Isaías, Abraão é chamado de “rocha”: olhai para a rocha de que fostes cortados e para a caverna do poço em que fostes cavados (Is 51.1).

Paulo afirma que fé é agir como Abraão (Rm 4.19), que mesmo vendo seu corpo amortecido, envelhecido, pensou também que Sara não podia ter filhos. Quer dizer: reconheceu, enfrentou os fatos. Mas não deixou de crer em Deus. Ele é o Deus que ressuscita morto e chama à existência as coisas que não existem. Por que esse Deus não poderia transformar aquela situação? E, assim, à medida que sua mente foi acolhendo as promessas, os problemas foram encolhendo na mesma proporção, pois ele estava plenamente convencido de que Deus era poderoso para cumprir o que havia prometido.

A doutrina da justificação pela fé é bíblica e não apenas paulina. Abraão é o modelo de crente; é o homem que creu acima de todas as circunstâncias, por isso devemos imitar o seu exemplo. Por isso nós os chamamos de pai de todos os que creem, tanto judeus como gentios. Por isso Paulo diz aos Gálatas: Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão.

Por Abraão se viu no mundo o que é ter esperança. Mesmo quando o tempo passou e o ocaso da vida chegou, nunca desistiu. Conheceu a tristeza e a amargura, mas mostrou ao mundo que crer é mais reconfortante do que, apenas, contemplar o crente. Abraão não nos deixou lamentos. Mesmo quando ele e Sara envelheceram, manteve a fé. Era o eleito de Deus. E que significa ser o eleito de Deus? Significa ver recusado o desejo de juventude na primavera da vida, para só obter tal favor na velhice, depois de grandes dificuldades. Abraão acreditou e, por isso, manteve--se jovem, porque o que crê conserva eterna juventude. Sara, em avançada idade, foi ainda suficientemente jovem para desejar as alegrias da maternidade e Abraão, apesar dos cabelos brancos, foi suficientemente jovem para desejar ser pai. A fé manteve neles o desejo e, com ele, a juventude (Kierkegaard, Temor e Tremor).

Nele, aprendemos que Deus nos elege, abençoa nossa família e nunca se esquece das promessas, como as que fez a Abraão. Somos filhos e filhas de Abraão porque cremos. Portanto as promessas continuam válidas. Quando tudo parecer impossível de se realizar, lembre-se de Abraão e de como Deus lhe concedeu a bênção de ser pai de muitas nações.

4. Imagens para a prédica

Chamo a atenção para a questão do comprometimento com aquilo que dizemos. Houve um tempo em que as pessoas pensavam muito antes de se comprometer com uma coisa, pois quando prometiam algo, tinham a intenção de cumprir. Naquele tempo, a palavra de uma pessoa era suficiente. Não precisava de testemunhas. O dito bastava. A palavra era a garantia, era a identidade. Não se questionava uma palavra dada. Hoje essa situação mudou. O sujeito se compromete com outro, mas aquilo é só para sair daquela situação. Não tem a mínima intenção de se empenhar no cumprimento daquilo que foi acertado. Dá-se uma palavra, não se cumpre e, quando se questiona, só se ouve a palavra: sinto muito! Isso é o máximo.

O problema da falta de palavra tornou-se tão grave nos últimos tempos, que surgiu nos EUA um ministério chamado “Ministério Homens de Promessa”, que existe simplesmente para motivar as pessoas a cumprir as promessas que fizeram. Seria algo como “Ministério Homens e Mulheres de Palavra”. 

Deus não é assim. Ele não faz promessas frívolas. Ele não diz por dizer. Todas as suas promessas são feitas porque tem intenção de cumpri-las. Tudo o que disse a Abraão se cumpriu.

Aproveite a leitura de hoje para fazer um exercício com sua comunidade sobre a necessidade de cumprirmos aquilo que prometemos. Desafie as pessoas a serem sinceras quanto a promessas não cumpridas, em qualquer relacionamento. Faça máscaras de papel ou cartolina e ofereça a cada uma. Elas podem ser retiradas à medida que são confessadas as falhas, a falta de comprometimento e a infidelidade. Leve sua comunidade a se comprometer com o que diz e a caminhar confiante, como Abraão.

5. Subsídios litúrgicos

A liturgia de hoje deve conduzir a comunidade no caminho da esperança, que renova a vida e nos enche de ânimo para um novo dia. Agostinho diz que não há passado nem futuro. Apenas o presente é o que temos para viver. Só que, em nosso presente, lidamos com a memória (o passado) e com a espera (o futuro). Tudo acontece hoje, seja a memória que nos leva a recordar e trazer à mente as boas lembranças, seja a espera, que nos remete para tempos que ainda virão.

No espírito da reflexão de hoje, a partir da experiência de vida de Abraão e Sara, devemos unir a comunidade numa atitude de espera ativa, de crer e confiar no Deus que está conosco a cada dia e nos impulsiona a ter novas visões. Buscar em nosso cotidiano palavras e expressões que nos conduzam no caminho da fé. Queremos a vida, nossa e da comunidade, em novas perspectivas. Ansiamos por “frestas” (Schwantes, 2009) que permitam ver para além do desespero. As frestas podem ser pequenas, mas por elas podemos ver muito. Por isso cultive no seu dia de hoje a esperança. Junte seus passos ao de outras pessoas e diga como o profeta: Quero trazer à memória o que me pode dar esperança (Lm 3.21).

Oração

“Ó Deus das frestas e esperanças, dá-nos paz para esperar nossa visão ser ampliada para além das frestas. Inunda nosso coração com esperança viva. Dá--nos especiais momentos de amor em comunidade. Em Jesus. Amém!” (Schwantes; Santos, 2011, p. 42).

Bibliografia

DATLER, Frederico. Gênesis: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 1984.
SCHWANTES, Milton. Deus Vê, Deus Ouve! (Gênesis 12-25). São Leopoldo: Oikos, 2009.
SCHWANTES, Milton; SANTOS, Rosileny Alves dos. Figuras e Coisas. São Leopoldo: Oikos, 2011.


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Autor(a): Manoel Bernardino de Santana Filho
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50278

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