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ID: 2690

Isaías 11.1-9

Auxílio Homilético

24/12/2018

 

Prédica: Isaías 11.1-9
Leituras:Lucas 2.1-7 e G´latas 4.4-7
Autoria: Adélcio Kronbauer
Data Litúrgica:
Data da Pregação: 24 de dezembro de 2018
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Sonho, esperança, utopia, loucura, absurdo

1. Introdução

Ao fazer uma busca bibliográfica sobre o texto de Isaías, deparei-me com a seguinte frase: “É preciso que tenham a oportunidade de oferecer inovadoras opções de vida, ‘loucas’, ‘absurdas’, que parecem as mais queridas de Deus – 1Co 1.18,23-24)” (Sánchez Cetina, 2009, p. 71). Espírito (ruah) de Iahweh (Deus) se faz presente. Acontecem situações intrigantes. A ação divina, na sua perspectiva mais profunda e extensa, manifesta-se na dinâmica de criar e renovar. O Espírito é revelado na criatividade. Essa criatividade surpreende e parece ser uma loucura, um absurdo na perspectiva da nossa mentalidade afastada ou desconectada do temor a Iahweh. Esses absurdos e essas loucuras estão gravados nos textos indicados.

2. Exegese

“Em 9.1-6, a autoria isaiânica já era posta em dúvida por uns e outros. Para 11.1-51 ou para 11.1-10, isso vale de maneira ainda mais intensa. Novamente, tomo a liberdade de não entrar no debate deste assunto intrincado. Remeto para os comentários de Hans Wildberger e de José Severino Croatto. E, com eles, e outros tantos exegetas, continuo a considerar 11.1-10 isaiânico. Estamos em outra época. A situação da guerra siro-efraimita de 733/ 732 a. C. ficou para trás. Entrementes, os assírios já se adonaram de Damasco (732), das regiões setentrionais de Israel (732) e, provavelmente, até mesmo a conquista da Samaria (722) ficou para trás. Os assírios tornaram manifesto seu terror e seu orgulho. Isaías os critica, com veemência (10.5-34). Havemos de estar após 722, talvez em torno de 701, quando os exércitos assírios desfecharam decisivo golpe contra Judá. No entanto, e ao bem da verdade, nossos versículos fornecem poucos indícios seguros para a datação. É o final do cap. 10 (v. 33-34!) que favorece a fixação em tempos nos quais os assírios já eram uma grandeza bem conhecida. Fique anotado que nestes v. 6-9, o ‘fruto’ do ‘rebento’ alcança seu nível mais utópico: o estabelecimento da ‘justiça’ entre os animais e destes com as pessoas. O ápice desta nova criação da natureza é que a criança conduzirá feras (v. 6) e brincará com serpentes (v. 7-8). – O v. 9 fecha a perícope, definindo o local de tão extraordinários eventos (‘o monte Sião’) e sua condição (‘conhecimento de Javé’). Este ‘conhecimento’ que aqui no v. 9 é condição do fim do mal e da violência, fora dádiva ao renovo no v. 2. Pelo visto, nossos v. 1-9, de fato, são uma ‘pérola’” (Schwantes, 2009, p.16).

Essa longa citação literal de Milton Schwantes serve para colocar um pouco de chão em nossa perícope e externar o óbvio: a dificuldade de determinar com exatidão datas, autores e locais da produção textual da literatura bíblica, em que real contexto a palavra de Deus está inserida ou revelada.

A ideia do renovo (rebento) nos remete provavelmente a tempos anteriores, mais precisamente ao tempo dos juízes. É uma esperança dos tempos tribais, contemplada através do retrovisor da história. É possível que haja uma idealização de um período passado como um modelo de justiça e paz. No entanto, é dito que, inspirado no temor a Iahweh, o menino julgará de forma autônoma, com um critério: fazer justiça ao oprimido, ao fraco da terra. Não serão ouvidas testemunhas nesse processo de julgar. A justiça acontece de forma direta. E, assim, a esperança vai muito além de um modelo passado de realização da justiça e paz. O shalom é uma utopia que brota do Espírito de Iahweh. Uma transformação radical e profunda que deve ser caracterizada como uma renovação total da criação. É verdadeiramente uma recriação. As relações entre os elementos da recriação são de outro cunho, sem necessidade de uns devorarem os outros, ou o desejo de fazê-lo. É a superação de uma relação sacrificial. Assim como pode ser uma nova criação e novas criaturas, pode também ser uma visão ou um sonho de voltar à primeira criação. “Por um lado, as inimizades tradicionais são suspensas. Os animais de ‘rapina’ deixarão de ser o que podem ser. Por outro lado, os próprios hábitos alimentares são alterados. Ursas e leões pastarão. Os vegetais serão os únicos alimentos, como em Gênesis 1.29-30!” (Schwantes, 2009, p. 16).

Sonho, esperança, utopia, loucura, absurdo. Podemos aprofundá-los ainda mais. Tudo é frágil. Um broto é frágil. Não será com equipamentos de guerra, nem com força do braço, será através da boca e com os lábios, com a palavra. Mas isso não significa que é sem eficácia, pois a “palavra é um acontecimento, é uma coisa” (Schwantes, 2009, p. 20). A renovação, a recriação virá pela palavra, pelo anúncio que transforma.

Outro aspecto da fragilidade do shalom é o papel que os pequenos podem desempenhar e experimentar na convivência. Eles podem ter participação ativa na convivência, de forma livre, sem medos, pois não haverá a prática do mal, não haverá destruição. As crianças aqui recebem um destaque bem especial quanto a essas características: elas vivem em um ambiente seguro. O santo monte de Iahweh é um lugar surpreendente. “É o que também vemos nos v. 6-8. Aí o símbolo maior da comemoração de novas relações na natureza, a rigor, não é o da ‘pacificação’ das feras. O símbolo maior é que crianças podem conduzi-las (v. 6) e brincar com elas (v. 8) [...] A criança que ainda não estabeleceu e nem catalogou as diferenças e os perigos empresta sua experiência para que em seus moldes seja dita a utopia” (Schwantes, 2009, p. 20).

“Isaías 11 radicaliza o tema do shalom ao descrever o ‘reinado messiânico’ de pernas para o ar: o mundo shalom é governado – ou melhor: pastoreado – por uma ‘criança pequena’ (na‘ar qaton), e ainda mais um ‘bebê’ (yoneq) e um ‘recém desmamado’ (gamul) [...] Isso é olhar o mundo de maneira subversiva, que não se contenta em aceitar que a vida neste planeta seja definida, à maneira do adulto hegemônico, por meio de guerras, violência, extermínio do ecossistema, injustiça e opressão. É o mundo de harmonia, paz, igualdade, liberdade total. Seu líder é uma criança e a visão que governa é a infantil. Diante disso, não deixam de ter peso enorme as palavras de Jesus: ‘Te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e dos entendidos, e as revelaste aos pequeninos’ – Mt 11.25” (Sánchez Cetina, 2009, p. 70).

3. Meditação

Em relação ao mundo de Isaías, o que temos de realmente diferente hoje é a tecnologia de produção, de transportes e de comunicação. Devemos citar também a questão do conhecimento geográfico, biológico e espacial, entre outros. Na essência, porém, não há muito o que celebrar em relação a algo que o ser humano atual pudesse ser diferente do tempo de Isaías. Estamos mais agressivos no que diz respeito à forma como dominamos e exploramos a criação. Em relação aos outros seres, tornamo-nos muito contundentes em dominar. Somos diretamente responsáveis pelo extermínio de muitas espécies. Criamos animais em larga escala para que sejam sacrificados em favor de nossa alimentação e festividades. Em relação a nós mesmos, cometemos numerosos genocídios daquele tempo até hoje. Não cessamos de guerrear, pelo contrário, nos aprimoramos como nunca para destruir e matar. As pessoas que assumiram usar a boca e os lábios para pacificar foram perseguidas e assassinadas ao longo da história. A relação entre adultos e crianças tem sido catastrófica em muitos sentidos e em variáveis aspectos. Ao longo dos séculos, uma parcela significativa da população mundial, em muitos momentos a maioria, vive submetida a uma condição de profunda miserabilidade.

O entendimento, a inteligência, o conhecimento e a nossa força são inspirados, tomados por um espírito que traduz a falta de temor a Iahweh. Deixamo-nos guiar pelo próprio desejo e pela busca desenfreada por prestígio e satisfação pessoal. O espírito que nos conduz é o ego. Para supri-lo, não medimos esforços, a tal ponto que eliminamos sem piedade tudo que pode nos impedir. Viver segundo os desejos e as vontades e ter a liberdade de realizá-las sem culpa é o princípio ético básico.

E há um deus, cuja mão invisível, chamado mercado, controla a nossa vida atualmente. Ele nos promete liberdade, mas toda a humanidade, toda a criação está submetida e cativa às suas leis. É pecado questionar seus aspectos nocivos e degradantes. É um Deus que quer ver todos competindo; pessoas devem cooperar umas com as outras, se agrupar, mas para ganhar e crescer, competindo com outras pessoas ou grupos para permanecer no mercado. As pessoas vivem no limite de suas capacidades ou equilíbrio emocional. Milhares sucumbem. Milhões no mundo inteiro são excluídos da comunidade econômica global. A grande parte nem sequer é aceita como membro dessa congregação. Somos classificados como membros produtivos e improdutivos, membros consumidores e não consumidores. 

É uma comunidade que se constitui sobre o espírito da meritocracia. Esse modelo de comunidade parece vir ao encontro do espírito que governa a mente humana. Nesse modelo de vida, a guerra é um ser onipresente. Vários tipos de guerras. Existe um argumento bastante aceito e difundido que revela e realça o medo ao qual estamos submetidos, o medo que assola a nossa convivência e confiabilidade: se todos andarmos armados, aí viveremos em segurança e em paz, pois dessa forma um estaria com medo do outro e não ousaria um enfrentamento. Esse pensamento está na base da corrida armamentista que toma conta da vida cotidiana em quase todos os níveis de convivência. Ainda que isso não tenha evitado a guerra e os mais diferentes tipos de violência, a ideia prospera.

A utopia e a esperança também existem. Acredita-se que o trabalho, a dedicação e o sacrifício em favor de si mesmo para alcançar o sucesso irão se refletir em todos os demais. Que o deus da mão invisível trará um equilíbrio, desde que aceitemos testemunhá-lo de forma competente e nos submetamos aos seus sacrifícios, pois eles valem pelo que proporcionam: liberdade e independência, autonomia e poder fazer de acordo com vontades e desejos próprios.

Também as crianças estão repletas desse espírito, pois são catequizadas desde pequenas através de uma poderosa ferramenta: o marketing e a vontade dos adultos de querer ver seus filhos alcançando sucesso e prestígio na vida. Muitas delas não suportam a pressão e sucumbem. Milhares delas vivem deprimidas ou frustradas. Há um índice considerável de suicídios de crianças na aldeia global, sendo as crianças japonesas as mais assoladas.

Apropriando-nos de uma linguagem profética, podemos dizer que a humanidade está prostituída com o deus da mão invisível, porém encarnado nas relações de guerra, destruição e espoliação da criação. Ele nos submeteu às suas leis. Seu juízo é pela aparência e pelo ouvir dizer. Não julga com equidade, não pronuncia a sentença em favor das pessoas pobres da terra nem julga as pessoas fracas com justiça.

4. Imagens para a prédica

Qual é a nossa esperança? Podemos sonhar com paz e equidade? Podemos! O Espírito de Iahweh está pairando sobre nós, está entre nós. O próprio Iahweh se faz presente de forma encarnada. Iahweh era, é e há de ser. Ele mesmo tornou-se frágil e pequeno. Ele anunciou uma nova criação. Julgou com equidade os fracos da terra, com misericórdia e compaixão.

Nossa esperança está clara e bem definida: esperamos um novo céu e uma nova terra, onde habita o shalom. Nossa missão está igualmente clara e bem definida: anunciar com a boca e com os lábios que o Espírito de Iahweh não nos abandonou. Ele promove reconciliação e continua nos concedendo entendimento, sabedoria, fortaleza, temor e outros dons necessários para vivenciarmos o shalom.

A manjedoura é a imagem do dia para abordar a presença do Espírito de Iahweh. Ali ele se fez presente e encarnado em uma criança. É a palavra acontecendo. A sabedoria consiste em perceber a presença encarnada nas coisas fracas do mundo, nas pequenas que o mundo rejeita como insignificantes. O mundo não entende como o reino de Deus pode estar sendo revelado em uma manjedoura e em uma cruz. Para o mundo isso é loucura, para nós, a salvação.

Promovemos paz e justiça às pessoas que são vítimas da violência? Às que são julgadas pela aparência, às crianças que não têm um lugar de paz para dormir ou brincar? Onde está o Espírito de Iahweh, ele está junto com as pessoas rejeitadas? E nós, onde estamos? E quando o sopro dos lábios de Deus vier sobre nós? O que acontecerá?

5. Subsídios litúrgicos

Sugiro trabalhar com a ideia do silêncio em um determinado momento da celebração. Na hora da prédica, inclusive, lançando perguntas para que as pessoas possam refletir.

Oração geral

Deus, Criador da vida, venha sobre nós o teu Espírito. Concede-nos sabedoria e inteligência, conselho e força, conhecimento e temor. Que o teu Espírito seja a nossa inspiração de vida. Tua criação padece. Nós padecemos profundas dores, todo tipo de infortúnio e misérias. Não conseguimos nos entender ou construir uma relação de paz. Estamos tomados por um espírito agressivo contra a vida. Seguimos nossas próprias leis ou as leis de deuses estranhos, que exigem de nós enormes sacrifícios, entre os quais a vida de seres fragilizados. Bondoso e misericordioso Deus, faze com que a tua Palavra encarnada no menino Jesus seja a luz do nosso caminhar. Renova nossas esperanças e o nosso viver no mundo, e concede que sempre confiemos em tuas promessas de salvação. Nós nos dirigimos a ti com temor, com esperança e com confiança. Amém.

Bibliografia

SCHWANTES, Milton. “E de suas raízes um renovo trará fruto”: o Messias no Espírito em defesa dos pobres em 11.1-5(6-9). In: Revista Caminhando, v. 14, n. 1, p. 15-21, jan./jun. 2009.
SÁNCHEZ CETINA, Edesio. Paz na Bíblia. In: Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (RIBLA), n. 74, p. 61-80, 2009.


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Autor(a): Adélcio Kronbauer
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50263

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