O escândalo de Deus na cruz
Costumava caminhar domingo à tarde pelas ruas da cidade. Certo dia, um estranho se aproximou de mim e, como estávamos em frente a uma igreja evangélica, puxei conversa sobre religião, mas ele atalhou de forma brusca: ‘Acho que vou ser Pastor. É um bom negócio’ e apressou o passo.
Associar igrejas a negócios fraudulentos ganhou reforço nos últimos tempos. São muitas as denúncias de corrupção entre lideranças eclesiásticas, como caso do Padre que administrava vultosos recursos da Associação Filhos do Pai Eterno e foi afastado pelas autoridades católicas de Goiânia/ GO devido a suspeitas de desvios e negociatas com políticos locais.
No lado evangélico, a pastora, cantora gospel e Deputada Federal pelo Partido Social Cristão (PSC) Flordelis é acusada, junto com filhos, de matar o marido, pastor Anderson. Ela se defende. Os seus colegas da bancada evangélica fazem como Pedro antes que o galo cantasse: eu não conheço... Apenas a esposa do Presidente, em uma rede social, prestou solidariedade.
Ainda no fervor dos escândalos envolvendo Flordelis, cujo nome está na nomenclatura da sua igreja, o Presidente Nacional do PSC e ex-candidato evangélico a Presidente da República, pastor Everaldo, foi preso com os seus filhos, acusados de corrupção e lavagem de dinheiro no Governo do Rio de Janeiro (o Governador Wilson Witzel (PSC) foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), apontado como chefe do esquema). As redes sociais, sempre preparadas para trazer boas e más lembranças, resgataram o momento em que Everaldo rebatizou o então Deputado Federal Jair Bolsonaro no rio Jordão, em 2016.
Se o Ministério Público e a Polícia Federal quiserem, encontrarão tanta corrupção no meio religioso quanto na Operação Lava-Jato, que, aliás, está sendo aniquilada... Entretanto, a cumplicidade eleitoral entre lideranças religiosas midiáticas e governantes do alto escalão inviabiliza as investigações.
Quase no mês da comemoração da Reforma, o que diria Lutero a respeito destes escândalos? Ele trocaria a crítica às indulgências pela crítica aos dízimos, possível fonte de desvio do dinheiro dos fi éis. Em um sermão sobre a indulgência e a graça, que poderá ser comentado nos Cultos da Reforma, Lutero afi rma: ‘Se chegar o momento em que, em sua cidade, não houver quem necessite de ajuda, então deve ofertar, se quiser, a igrejas em sua cidade. Quando isso também não mais for necessário, então – se quiser – pode contribuir para a construção da basílica de São Pedro ou para outra coisa.
Quando igrejas ignoram o escândalo de Deus na cruz, os escândalos humanos correm às soltas, também entre pessoas cristãs e suas igrejas.
P. Dr. Oneide Bobsin | Docente na Faculdades EST, em São Leopoldo/RS