Lutero - Reforma: 500 anos
Conta-se que uma pessoa caiu na água, todavia, não sabia nadar e estava se afogando. Enquanto ela gritava por socorro, tentava sair da água, puxando os seus próprios cabelos. Muitas pessoas creem que a salvação pode ser alcançada assim, por seus próprios méritos e esforços. Contudo, além dessa ‘autossalvação’, que sempre encontrou adeptos na história humana, hoje vemos Igrejas oferecendo a salvação, oferecendo uma mão que, segundo elas, podem salvar a pessoa do afogamento. Porém, a ajuda por elas oferecida não é voluntária nem espontânea. Essa ajuda tem um preço, que o ‘irmão’ ajudado na necessidade deve pagar à Igreja. São Igrejas que se dizem cristãs, contanto, a sua doutrina não está de acordo com as Escrituras, que nos lembram que a salvação e a justificação acontecem pela graça de Deus, mediante a fé.
A salvação não é comercializável, como o arroz, o feijão, o azeite ou qualquer outro bem de consumo, mas dada por Deus. Diferente de ir ao supermercado e comprar um produto, a salvação nos é oferecida gratuitamente por Deus. A salvação é uma dádiva, um presente de Deus, por isso não pode ser adquirida com obras nem com dinheiro. Paulo escreve à Comunidade de Éfeso: Pela graça de Deus, vocês são salvos por meio da fé. Isso não vem de vocês, mas é um presente de Deus (Efésios 2.8). É por isso que a salvação não está à venda, mas nós a recebemos mediante a nossa fé em Jesus Cristo.
Paulo escreve ainda A misericórdia de Deus é muito grande e o seu amor por nós é tanto que, quando estávamos espiritualmente mortos por causa da nossa desobediência, ele nos trouxe para a vida que temos em união com Cristo. Pela graça de Deus vocês são salvos (Efésios 2.4 e 5). Fica claro que não podemos tirar a nós mesmos do afogamento nem pagarmos pelo socorro, pois a salvação nos é oferecida gratuitamente por Deus. Oferecer ajuda para que as pessoas se salvem em troca de qualquer valor, bem ou favor é uma afronta à vontade de Deus. Os que assim fazem caçoam da obra redentora de Cristo.
A Confi ssão de Augsburgo (1530) reza em seu artigo IV que ‘não podemos alcançar remissão do pecado e justiça diante de Deus por mérito, obra e satisfação nossos’. Assim chegamos à conclusão que nada do que as nossas forças ou posses possam fazer ou comprar sejam suficiente para nos livrar da morte, do pecado e da condenação. Esse artigo continua, dizendo ‘recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela graça, por causa de Cristo mediante a fé, quando cremos que Cristo padeceu por nós e que, por sua causa, os pecados são perdoados e nos são dadas justiça e vida eterna’.
Quando Lutero apresentou a justificação por graça e fé, logo foi questionado: As minhas obras não servem para nada? Não preciso mais fazer obras de amor (diaconia) em favor dos pobres e das viúvas? A explicação de Lutero é de que as obras não são mais um meio para se alcançar a salvação, mas uma forma de gratidão pela salvação oferecida gratuitamente. Então, as obras são um sinal da minha obediência e da minha gratidão a Deus pelas bênçãos e pela salvação.
Somos chamados e chamadas a ser os profetas e as profetizas do nosso tempo, a denunciar os abusos que ocorrem nos Governos, mas principalmente a denunciar as injustiças cometidas em nome de Deus. Somos chamados e chamadas a anunciar a graça de Deus a todas as pessoas e a viver gestos concretos com gratidão e fé. Que Deus nos ajude neste desafi o tão atual!
O que vemos hoje é a história de 500 anos atrás se repetindo: a venda de um lugar no céu, como na época de Lutero, antigamente, chamada de indulgência. Hoje, os nomes são muito criativos, mas a ideia de venda permanece a mesma. Além disso, o lugar que estão vendendo agora não é no céu, mas aqui, na terra. A preocupação no período da Reforma era adquirir um lugar no céu, para si ou para um familiar, por meio das indulgências oferecidas pela Igreja Católica. Hoje, vemos as pessoas preocupadas em adquirir as bênçãos para a sua vida conjugal, financeira, profissional e tudo mais que for possível.
Buscar mercantilizar tudo é um mal que existe em nosso meio. Muitas vezes, transferimos esta ideia para as nossas relações de Igreja. Para que se possa ter os ‘direitos’ que a Igreja oferece, tem que pagar. Quer dizer, ela tem que estar em dia com a mensalidade. Assim, reproduzimos a concepção de 500 anos atrás: para ter acesso, é preciso pagar!
Como pessoas agraciadas pela salvação mediante a fé em Jesus, somos livres para viver a graça de Deus na diaconia. A ação em favor das pessoas e da natureza é o exercício do livre arbítrio – a liberdade de escolher entre o certo e o errado, entre o bem e o mal. Como pessoas libertas (Gl 5.1) da obrigação da autossalvação, temos a possibilidade, a liberdade de escolher fazer o bem ou o mal, escolher entre o certo e o errado. Diariamente, estamos diante de questões que nos possibilitam escolher. Quais são as escolhas que a nossa Comunidade tem feito? Cuidar das pessoas, ampará-las nos momentos de sofrimentos, fomentar o cuidado mútuo, visitar os doentes, as pessoas nos hospitais?
Na carta de Tiago, lemos: Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma (Tg2.17). Se creio em Jesus Cristo, enviado por Deus para me salvar, a minha fé transborda em ações diaconais, em ações concretas em favor das pessoas abandonadas, afastadas e excluídas da Comunidade. A fé gera obras de gratidão e amor ao próximo. O artigo VI da Confissão de Augsburgo diz que a ‘fé deve produzir bons frutos e boas obras’. É verdade que não devemos confiar nelas para a salvação, mas essas obras de amor são a forma como agradecemos a Deus pelo seu cuidado e como testemunhamos esse cuidado às pessoas que estão ao nosso redor.
A nossa fé e gratidão também estão ligadas ao nosso bolso, quer dizer: Qual é a minha gratidão para com Deus por meio da minha contribuição? Eu também estou comprometido, além das ações diaconais, com a oferta em dinheiro para que a Igreja de Jesus Cristo continue existindo ou sonego informações e valores para desviar o dinheiro?
Somos chamados e chamadas a ser os profetas e as profetizas do nosso tempo, a denunciar os abusos que ocorrem nos Governos, mas principalmente a denunciar as injustiças cometidas em nome de Deus. Somos chamados e chamadas a anunciar a graça de Deus a todas as pessoas e a viver gestos concretos com gratidão e fé. Que Deus nos ajude neste desafio tão atual!
Buscar mercantilizar tudo é um mal que existe em nosso meio. Muitas vezes, transferimos esta ideia para as nossas relações de Igreja. Para que se possa ter os ‘direitos’ que a Igreja oferece, tem que pagar. Quer dizer, ela tem que estar em dia com a mensalidade. Assim, reproduzimos a concepção de 500 anos atrás: para ter acesso, é preciso pagar!
Diác. Dério Milke, Bacharel em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, com graduação em Tecnologia da Informação e MBA em Gestão de Projetos, atua como Ministro na Paróquia União em Montenegro/RS, no Sínodo Nordeste Gaúcho