Jornal Evangélico Luterano

Ano 2019 | número 829

Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 08:43

Unidade

Série Especial Deixo com vocês a minha paz

Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou (Jo 14.27a). Este é o Lema de 2019, que ilumina o Tema Igreja - Economia - Política. O versículo completo da palavra de Jesus é: Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou; não lhes dou a paz como o mundo a dá. Que o coração de vocês não fique angustiado nem com medo (Jo 14.27).

A cultura da paz é a base para uma sociedade pacífica e pacificadora (Mt 5.19). A violência, que conspira contra essa cultura, nos atinge em vários âmbitos da vida. Há violência em toda parte do mundo, mas por que existe aqui, no Brasil, um nível de violência tão mais alto em comparação a muitos outros países?

A história do Brasil está relacionada com uma invasão em busca de riqueza e expansão territorial. A sua formação econômica, social e política está fundada na escravidão. Primeiro, milhares de pessoas de diferentes povos indígenas, foram forçadas a abandonar as suas aldeias e comunidades para trabalhar nas fazendas dos senhores de terra portugueses.

Depois, foi a vez de milhões pessoas de origem africana, que foram trazidas como mão de obra escrava para os mesmos senhores. Pesquisas indicam que, aproximadamente, 40% dessas pessoas jamais chegaram ao Brasil, pois morriam em virtude da cruel condição nos porões dos navios negreiros.

O Tema da IECLB para 2019 lembra que Deus nos criou como seres íntegros, participantes e cooperadores no cuidado da Criação, por isso louvamos e agradecemos a Deus e anunciamos a sua Palavra. Esta é a tarefa da Igreja!

A população negra brasileira majoritária é descendente desses ancestrais. A cada dia, cresce, entre as pessoas indígenas e afro-brasileiras, a consciência da sua história e do seu direito à cidadania plena. A violência, no Brasil, portanto, é estrutural e não apenas algo episódico. Ela se manifesta de muitas formas, sendo as mais conhecidas os crimes contra a vida.

A violência racial atinge especialmente pessoas negras. É o que se chama racismo institucional. Um exemplo está no índice de homicídios no Brasil, que afeta especialmente pessoas jovens e negras. De acordo com o Atlas da Violência 2018, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios em 2016. Foram 33.590 assassinatos de jovens (15-29), sendo 94,6% do sexo masculino. Segundo o Atlas da Violência, ‘a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à taxa de não negros (16,0% contra 40,2%). Em uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%. Cabe também comentar que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à taxa de mulheres não negras’.

Este grau de violência tem como pano de fundo uma sociedade desigual e socialmente injusta, que sonega educação, cultura e lazer para as camadas mais pobres da população. A maior parte da riqueza produzida no país é concentrada nas mãos de pouco mais de 5% da população brasileira. O salário mínimo, que, por certo período, teve aumento acima da infl ação, mostra retração nos últimos anos. Esta perda atinge principalmente pessoas trabalhadoras sem grande qualificação e a imensa maioria de pessoas aposentadas.

A fé e a esperança que nascem do Espírito de Deus desafi am a transformar injustiça, ganância, corrupção e ódio, em justiça, solidariedade, amor e pa z. A paz que Cristo nos dá é diferente da paz que o mundo oferece.

O desemprego atingiu mais de 14 milhões de pessoas em 2018 e não se vê perspectivas de reverter essa situação em curto prazo. O congelamento dos gastos do governo por 20 anos, retirando investimentos importantes da educação, da saúde, da atenção a crianças, pessoas idosas, pessoas com defi ciência e setores vulneráveis só faz aumentar as preocupações e as desigualdades.

Há também a violência contra as mulheres e a violência doméstica, que, na maior parte das vezes, é causada por parceiros ou ex-parceiros. Existem, ainda, as várias formas de violência e exploração sexual de crianças e adolescentes, a pornografia infantil, a exploração de trabalho irregular e até a doação ilegal de órgãos. Constatam-se igualmente formas modernas de escravidão, que atingem pessoas pobres no meio rural e nas periferias das cidades. Povos tradicionais que trabalham de forma comunitária, tais como quilombolas e indígenas, infelizmente ainda são expulsos de suas terras.

Este panorama é incompleto, mas aponta para a necessidade urgente de enfrentar as diferentes formas de violência, identificar causas e causadores e buscar novos formatos de relação social. Esta tarefa compete à sociedade civil, às autoridades e às comunidades de fé. Este é o clamor por cidadania que brota incessantemente dos grupos mais vulneráveis e empobrecidos. Sabemos que Jesus deu atenção para essas pessoas e as chamou de bem-aventuradas (Mt 5.1- 10 e Lc 6.20-26). Seguindo os passos de Jesus, temos o desafi o de promover uma cultura de paz com justiça.

O Tema do Ano lembra que Deus nos criou como seres íntegros, participantes e cooperadores no cuidado da Criação, por isso louvamos e agradecemos a Deus e anunciamos a sua Palavra. Esta é a tarefa da Igreja. Da mesma forma, participamos na reprodução e manutenção da vida. Com isso, atuamos no âmbito da Economia. Ao nos organizarmos com leis e normas de convivência para estabelecer sociedades pacífi cas que trabalham pelo bem comum, realizamos a nobre arte da Política. Para Lutero, todas as pessoas participam desses três âmbitos, que, na sua época, eram entendidos como Estamentos ou Ordens da Criação. Nenhum dos âmbitos da vida – Igreja – Economia - Política – é mais importante ou mais sagrado que o outro.

Na história da humanidade, o lado pecaminoso, ganancioso, corrupto, perverso e odioso do ser humano tem causado desequilíbrio e desvirtuamento destes três âmbitos da vida. Pelo poder que o ser humano adquiriu com a tecnologia e pela rapidez da comunicação, parece que esse lado sombrio da humanidade está ganhando cada vez mais força e causando mais sofrimento.

O chamado de profetas e profetisas, assim como a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, conclamam a não nos deixarmos dominar por este poder destrutivo. A fé e a esperança que nascem do Espírito de Deus desafi am a transformar injustiça, ganância, corrupção e ódio, em justiça, solidariedade, amor e paz. A paz que Cristo nos dá é diferente da paz que o mundo oferece. A paz de Cristo se faz realidade quando solidariedade, cuidado, respeito, justiça e amor acontecem entre as diferentes pessoas, inclusive entre as inimigas. Mahatma Gandhi (1869- 1948), grande pensador e ativista da resolução não violenta de confl itos na Índia e na África do Sul, admirador do cristianismo, disse o seguinte: ‘Para ver a face universal e toda penetrante do Espírito da Verdade é preciso ser capaz de amar até a pessoa mais ordinária, mais vulgar da criação como a si mesma. Uma pessoa que aspira a isso não pode se arriscar a fi car fora de nenhum campo da vida. É por isso que minha devoção à Verdade tem me levado para dentro do campo da política e eu posso dizer sem nenhuma hesitação e ainda com toda humildade que aquelas pessoas que dizem que religião não tem nada a ver com política não conhecem o signifi cado de religião.

Amar uma pessoa inimiga não significa gostar dela ou concordar com as suas ações e atitudes. Significa, sim, respeitá-la e defendê-la como ser/pessoa também criada por Deus. Significa ouvi-la atentamente, tentar encontrar algum aspecto comum que possibilite o diálogo e a promoção da cultura da paz. A postura da não violência ativa precisa ser aprendida, pois não é algo que fazemos ao natural. Para isso, existem organizações e programas que trabalham com métodos e atividades que exercitam o respeito, a resolução não violenta de confl itos, a linguagem não violenta, a formação de comunidade de confi ança.

O Tema do Ano motiva a refletir sobre a nossa atuação e a maneira de nos relacionarmos com as demais pessoas e com toda a Criação de Deus. A sociedade atual é caracterizada por grande desigualdade, discriminação, desrespeito e violência. A atuação de Jesus Cristo desacomodou a sociedade daquele tempo. Ao percorrer vilas e cidades, ele se envolveu com diversas situações de marginalização. Diante delas, propôs mudanças de vida, de comportamento e de ações. As propostas de Jesus Cristo instigam, ainda hoje, à reflexão e à ação.

Para 2019, a IECLB propõe o Tema Igreja – Economia - Política à luz do texto bíblico Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou (Jo 14.27a). O Tema e o Lema convidam a unirmos as nossas vozes e as nossas ações em torno de propostas que transformam relações sem compromisso em amor fraternal e comprometido. No Sermão do Monte (Mt 5.1-10), Jesus Cristo fala para uma grande multidão. Ele afi rma que felizes são as pessoas que trabalham pela paz, pois Deus as tratará como seus filhos e suas filhas (v. 9). Assim também nós somos chamados e chamadas a atuar na promoção da cultura de paz.

Caderno de Estudos Tema do Ano - 2019

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