Jornal Evangélico Luterano

Ano 2019 | número 833

Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 11:48

Unidade

Deixo com vocês a minha paz (Permanecer no amor é o caminho para a paz)

A paz é mais abrangente que um estado de quietude e tranquilidade, ausência de perturbações e agitação. Paz, no sentido bíblico, é felicidade, saúde, bom entendimento e bem-estar em todos os sentidos (Tema do Ano da IECLB). Todas as pessoas querem essa paz. Estudamos, trabalhamos, construímos e, ironicamente, até mesmo brigamos pela busca dessa paz.

Buscamos essa paz em Deus, na religião. Uma das formas é olhar para o alto, procurando um Deus que está lá no céu, que habita o transcendente, fora desse mundo e que precisa ser buscado lá aonde quer que Ele esteja, um Deus que precisa ser convencido, comovido e conquistado para fazer o que queremos. Outra forma é olhar para dentro, ou seja, procurando um Deus que habita em nós, dentro de nós, em nossos corações.

Na verdade, nenhuma dessas duas formas traz paz. Se procurarmos Deus fora desse mundo, estaremos sempre escravizados e escravizadas por alguma receita supostamente capaz de tocar o coração de Deus, de convencê-lo a nos dar a bênção da cura, do amor e da prosperidade. É por isso que pessoas fazem tantas promessas, usam fitinhas, fazem correntes e campanhas. Deus não é empregado de ninguém. Deus não é um poder que possa ser manipulado. Acima de tudo, Deus é gracioso e misericordioso de tal maneira que não requer sacrifício ou qualquer tipo de pagamento. Se, por outro lado, procurarmos Deus dentro de nós, ficaremos surpresos e frustrados, pois encontraremos a nós mesmos, com os nossos medos, os nossos pecados, as nossas fragilidades e as nossas inquietudes.

Jesus tem outra proposta. Na sua fala de despedida, ele pede aos seus discípulos: Permaneçam no meu amor... O meu mandamento é este: que vocês amem uns aos outros, assim como eu os amei (15.9 e 12). O que isso significa para nós, em nossa busca pela paz? Arrisco algumas ideias: - Amar uns aos outros como Jesus nos amou significa compreender que o padrão do amor mudou. No tempo de Jesus, todos conheciam o Mandamento do amor ao próximo, que dizia: Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de toda a sua força e o próximo como a si mesmo. O padrão do amor ao próximo, portanto, era o amor a si mesmo. Imagine como seria se você estivesse com o seu amor-próprio em baixa, se você fosse uma pessoa deprimida, desmotivada ou até mesmo uma egoísta nata... Qual seria a qualidade do amor que você teria para compartilhar? É por isso que Jesus estabelece outro padrão de amor ao próximo, de tal maneira que não faz mais sentido aquela ideia, tão comum entre nós, que é preciso, primeiro, aprender a amar a si mesmo para, depois, amar o próximo. O padrão não é mais o amor a si mesmo, mas é o amor de Cristo. Em palavras bem simples: eu sou chamado a amar você não como eu amo a mim mesmo, mas como Cristo ama a mim e eu tomo esse amor por base para amar você. Logo, você experimenta, por meu intermédio, o amor de Cristo e toma esse mesmo amor para amar a mim e aos outros. Assim, o amor atualiza a presença de Deus entre nós e cumpre o que está escrito em 1João 4.12: Nunca ninguém viu Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus vive unido conosco e o seu amor enche completamente o nosso coração.

Eu sou chamado a amar você não como eu amo a mim mesmo, mas como Cristo ama a mim e eu tomo esse amor por base para amar você. Logo, você experimenta, por meu intermédio, o amor de Cristo e toma esse mesmo amor para amar a mim e aos outros.

- Amar uns aos outros como Jesus nos amou significa compreender que ninguém pode dar do que não recebeu. Assim está escrito Nós amamos porque Deus nos amou primeiro (1Jo 4.19). Para termos amor verdadeiro para compartilhar, é preciso receber a iniciativa de Deus, permitindo-nos ser amados e amadas. Quando isso acontece, experimentamos o que Lutero, em seu tempo, chamou de troca alegre, o que pode ser verificado a partir do Batismo, da Santa Ceia ou em algum momento de intimidade com Deus. A troca alegre ocorre como em um casamento com plena comunhão de bens entre a nossa vida com a pessoa de Cristo: eu entrego todos os meus bens e recebo em contrapartida todos os bens de Cristo. O detalhe é que essa troca não é uma troca em igualdade. Eu entrego bens ruins ao passo que Jesus me dá os seus melhores bens. Eu entrego os meus pecados, as minhas frustrações, as minhas noites sem dormir, a minha raiva, o ódio que eu senti hoje em meu coração, a minha falta de fé, entre outros, enquanto Jesus, em contrapartida, me dá o perdão, a paciência, o amor e os demais frutos do Espírito. A isso também chamamos de processo de conversão e santificação, que é quando eu passo a ver o mundo não mais com os meus olhos, mas com os olhos de Cristo e passo igualmente a viver no mundo não conforme os meus valores, mas os valores e o caráter de Cristo, que vão me transformando diariamente. Nessa experiência, passo a desejar ser cada vez mais parecido com Cristo. Estamos falando sobre nascer de novo ainda em vida, conforme Jesus ensinou a Nicodemos

 Amar uns aos outros como Jesus nos amou significa compreender que o pecado da reciprocidade deve ser combatido. A reciprocidade é um conceito baseado na ideia que eu trato a outra pessoa assim como ela me trata ou, como o povo diz: ‘Vou devolver na mesma moeda’. Isso parece muito justo e correto, mas a pessoa que experimentou o amor de Deus sabe que a relação com Deus tem como cerne a não-reciprocidade e a generosidade. Isso está muito claro nos Evangelhos: Amem os seus inimigos e orem pelos que os perseguem [...] porque ele faz o seu sol nascer sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos (Mt 5.43-45) e ...emprestem e não esperem receber de volta. Sejam misericordiosos como também é misericordioso o Pai de vocês (Lc 6.35-36). O que teria sido do filho pródigo se não tivesse sido acolhido novamente pelo pai? Por que, então, amamos somente a quem nos ama, ajudamos a quem nos ajuda e honramos a quem nos honra? Se Deus agisse conosco assim como nós agimos com Ele e com outras pessoas, Ele, provavelmente, diria para nós: Hoje eu não tenho tempo pra você, pois vou fazer uma festa com os anjos! Não vou lhe dar isso, pois você não mereceu! Você só lembra de mim quando precisa, então, agora, eu estou off pra você! Não trabalhou direito... não vai colher nada! Prometeu e vai ter que cumprir, não me interessa! Não queria saber de mim, então, agora, eu não quero saber de você! Graças! Deus não retribui com mal o mal que lhe fizemos e nos dá sol e chuva mesmo quando nós não merecemos. Por que é assim? É porque a essência de Deus é amor!

- Amar uns aos outros como ele nos amou significa compreender a natureza do amor. O amor mencionado por Jesus é o amor ágape, que não é baseado em afeição ou conexão emocional, mas em um ato determinado da vontade, uma decisão de colocar o bem-estar e os interesses da outra pessoa em primeiro lugar. Este amor ágape é um amor sacrificial, por isso, sob a ótica de Jesus, amar é diferente de gostar, ter simpatia ou nutrir interesse por alguém. Em palavras simples: amar é agir em benefício da outra pessoa, independente de quem venha a ser, é sacrificar-se, é dedicar-se a ela, enquanto gostar é ter afeição, afinidade, amizade e intimidade com a outra pessoa. Para amar uma pessoa, eu não preciso gostar dela, mas simplesmente tirar os olhos de mim mesmo e dirigir o meu olhar para ela com uma ação consequente de ajuda e cuidado. Emblemática é a história do Bom Samaritano, em Lucas 10. Nela, o samaritano, encontrando uma pessoa desconhecida, largada semimorta à beira do caminho, interrompe a sua viagem e decide doar o seu tempo, os seus recursos e o seu dinheiro, sem se importar consigo mesmo. O amor ágape independe do sentimento e a verdade está acima de tudo. Foi por isso Jesus usou até mesmo palavras duras buscando a transformação do coração dos seus opositores. Nós somos chamados e chamadas, portanto, por Jesus, a dirigir o nosso amor a todos, a quem gostamos e a quem não suportamos, a quem conhecemos e a quem é estranho, a quem tem afi nidade conosco e a quem pensa contrariamente, a quem é bom e a quem é mau, mas não somos obrigados a gostar de todos – muito embora, quando amamos alguém com o amor de Cristo, a nossa atitude em relação a essa pessoa mude e o nosso coração também seja gradualmente transformado.

O amor mencionado por Jesus é o amor ágape, que não é baseado em afeição ou conexão emocional, mas em um ato determinado da vontade, uma decisão de colocar o bem-estar e os interesses da outra pessoa em primeiro lugar

- Amar uns aos outros como Jesus nos amou significa compreender que o amor compromete e pode envolver riscos. O amor de Jesus por nós o levou à cruz para a nossa salvação. Qual é a nossa resposta? Nós nunca vamos conseguir amar como Jesus amou. Ainda assim, um coração grato busca um amor concreto. Lutero expressou isso de maneira exemplar: ‘Em época de peste, nenhum vizinho pode se apartar do outro, pois, caso o fizesse, não haveria ninguém em seu lugar que cuidasse dos enfermos. Na situação avassaladora, urge conscientizar rigorosamente do dito de Cristo: Eu estive doente e não me visitaste. Esta palavra nos ata um ao outro a fim de que um não abandone o outro em suas dificuldades, mas o assista e ajude da mesma forma como ele queria que fosse ajudado’. Esta não foi somente uma recomendação de Lutero, mas algo que ele mesmo viveu, acolhendo e cuidando de pessoas vitimadas pela peste quando de uma epidemia em Wittenberg, na Alemanha.

Enfim, amar uns aos outros como Jesus nos amou é um investimento que traz a paz. Permanecer nesse amor só é possível com a força e a criatividade do Espírito Santo. Deus assim nos abençoe!

P. Elisandro Rheinheimer
Pastor Sinodal do Sínodo Mato Grosso

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