Jornal Evangélico Luterano

Ano 2013 | número 768

Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 06:59

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

   Coube a um Professor de História do Brasil- não a um Pastor - encerrar esta série de onze matérias alusivas à aproximação dos 500 anos da Reforma luterana, aqui publicados ao longo de 2013. No pedido para escrever este comentário, constava que ele deveria orientar-se na frase Pagar as dívidas plantar macieiras, se o mundo terminasse amanhã..

   Como não li toda a obre de Lutero, comecei a pesquisar e descobri que, de fato, ele talvez não tenha pronunciado a frase de que, mesmo sabendo que o mundo terminaria no dia seguinte, pegaria suas dívidas e plantaria uma macieira. Ela teria sido atribuía a ele e popularizada no auge de Segunda Guerra Mundial. Entretanto, independente da autoria, entrementes, tanto a referência quanto a prática simbólica do plantio de macieiras foram incorporadas á tradição da identidade luterana. 

   Em 1944, tudo estava destruído pela guerra, na Alemanha e em outros países. Mesmo assim, era necessário pensar no amanhã, pois, apesar da mortandade, haveria sobreviventes e era necessário pensar neles. Em meio ao desespero, era preciso apostar em uma causa. Ainda que tudo parecesse perdido, era necessário acreditar que valia a pena continuar.

   Em tempos menos traumáticos, o plantio de macieiras simboliza a esperança em um futuro de médio e longo prazo, porque árvores não dão frutos de imediato, são seres vivos que se plantam como mudas, se desenvolvem aos poucos e, somente em um futuro mais distante, começam a produzir frutos.

   A história do luteranismo no Brasil pode ser comparada a uma tentativa de plantar macieiras em uma situação difícil, mas que, no longo prazo, deu alguns frutos respeitáveis. Convém lembrar algumas situações e pessoas que marcaram essa caminhada. 

   Quando os primeiros luteranos chegaram ao país, a partir de 1824, pareceram gente estranha, pois quase 100% da população era católica. A prática da religião e o exercício da cidadania eram limitados para eles, pois não podiam realizar cultos em casas que tivessem forma de Igreja nem votar e ser votados ou exercer funções públicas. Demorou até que essa situação mudasse - já ao final do reinado de D. Pedro II. Mesmo assim, muitos fizeram questão de expressar o seu envolvimento com a nova pátria. Quando, no Rio Grande do Sul, aconteceu a Revolução Farroupilha, tomaram posição frente aos dois grupos em luta. Alguns se envolveram na luta, cabendo destacar o Pastor Friedrich Klingelhoeffer, que aderiu aos farrapos, tendo morrido em combate, no ano de 1836. A sua esperança neste país chegou, portanto, ao ponto de sacrificar a vida pela nova pátria.

   Até uns 50 anos atrás, os luteranos eram, sobretudo, Agricultores. Para o bem ou para o mal, a soja é um produto importante para a economia brasileira. Poucos sabem que foi um Pastor luterano chamado Albert Lehenbauer quem trouxe uma trouxinha com sementes dessa planta para o Brasil, da qual derivou a sua expansão entre os seus paroquianos, na região noroeste do Rio Grande do Sul, ao ponto de Santa Rosa considerar-se o berço nacional da soja. Não foi uma macieira que ele plantou, mas a importância da oleaginosa que introduziu está aí.

   Até hoje, a preocupação com os Agricultores esta presente nas instituições luteranas deste país. O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor, o Capa, é um exemplo. Essa preocupação vem de longe. Em 1929. o Pastor Hermann Buchli criou a Liga de Uniões Coloniais, com o objetivo de defender os interesses dos Agricultores. Nas décadas posteriores, a intensa migração de colonos para o interior do Brasil trouxe outros tipos de problemas. Cabe lembrar um Pastor que se destacou no envolvimento com essa nova situação. Depois de atuar durante anos entre índios Norberto Schwantes teve atuação fundamental junto a migrantes no Mato Grosso, a partir da década de 1970. Em função desse trabalho, elegeu-se Deputado constituinte, no final do Regime Militar. Infelizmente não pôde exercer o mandato até o final, vindo a falecer cerca de 15 dias antes da promulgação da nossa atual Constituição.

   Também os problemas com a crescente urbanização do país preocuparam os luteranos. Neste caso, cabe lembrar o Pastor Bertholdo Weber Combatente do nazismo, como integrante da Força expedicionária Brasileira (FAB), durante a Segunda Guerra Mundial, participou de diálogos ecumênicos desde os anos 1950. Mais tarde, teve papel decisivo na fundação do Proame, entidade dedicada a meninas e meninos em situação precária. Uma planta que, felizmente, continua dando frutos, mais de uma década depois da morte do Pastor. Em um comentário em homenagem ao falecido, o entrementes também falecido frei Rovílio Costa escreveu:

   A história do Luteranismo no Brasil pode ser comparada a uma tentativa de plantar macieiras em uma situação difícil, mas que, no longo prazo, seu alguns frutos respeitáveis. 

   Pastor Weber é um luterano convicto, tanto quanto eu me considero ou, ao menos, me proponho ser sempre mais um capuchinho convicto', mostrando o reconhecimento desse plantador de macieiras inclusive entre pessoas de outras confissões religiosas.

   Por motivos pessoais, permito-me incluir nesta lista um luterano vivo. Trata-se do Pastor Heinz Dressel. Alemão, veio ao Brasil em 1952, tendo exercido aqui o pastorado por 15 anos. Sempre se preocupou com o destino material dos luteranos, tendo publicado estudos sobre a situação dos Agricultores. Retomando à Alemanha, continuou mantendo intenso contato com o Brasil, mas aquilo que merece menção especial é o fato de que, nos anos 1970, como dirigente de uma organização ligada à Igreja Evangélica Alemã, prestou importantíssima ajuda a muitos brasileiros perseguidos pelo Regime Militar. Entre eles, havia gente que, mais tarde, chegou ao segundo turno em eleições presidenciais. Felizmente, tanto Governos Estaduais quanto o Governo Federal posterior ao Regime Militar reconheceram a ajuda humanitária de Dressel. O mesmo aconteceu de parte de Governos democráticos de outros países do Cone Sul, cujos perseguidos também foram socorridos por ele.

   Esses são alguns poucos exemplos de 'macieiras' plantadas por luteranos, Brasil afora, e que floresceram e deram bons frutos. Infelizmente, as dificuldades nessa caminhada continuam. Certas restrições do passado podem não existir mais, mas outras apresentam novos desafios. Para finalizar, cito dois exemplos.

   Meses atrás, o Pastor Oneide Bobsin, em artigo neste jornal, comentou sobre o último Censo Demográfico Brasileiro, destacando que a população do pais tende a ficar cada vez menos branca. Uns 10 anos atrás, verifiquei os sobrenomes dos Pastores da IECLB e constatei que 93% eram de origem alemã. Mesmo que isso não represente prova de que, entre os membros, a proporção seja a mesma, a tendência não deve ser muito diferente. Isso significa que os luteranos não conseguiram expandir-se, de forma relevante, para fora do âmbito da população clara. O fato pode acentuar seu caráter 'exótico frente aos demais cidadãos no futuro.

   Além disso, a eliminação das restrições à cidadania, que enfrentaram lá no início, no tempo de D. Pedro I e D. Pedro II, não significa que outras dificuldades não tivessem aparecido. Durante a Segunda Guerra Mundial, os luteranos foram muito visados. Em uma recente pesquisa apresentada na Universidade de São Paulo (USP), mostrou-se como, em 1942, dois Pastores foram condenados, respectivamente, a 20 e 30 anos de prisão, sob a acusação de terem incentivado soldados brasileiros a desertar. Na sentença, está escrito que a condenação se deu 'face ao ambiente político da nação e leves indícios de autoria' - ou seja, sem culpa provada. Estávamos em guerra e excessos são compreensíveis, mas há sinais de que estamos vivendo um momento em que situações equivalentes podem repetir-se em pleno Estado democrático. 

   Em uma pesquisa de 2007 no Curso de Teologia da Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, pôde ler-se que o atual município de Teutônia/RS 'foi criado com a intenção de ser um refúgio dos adeptos do luteranismo que sofriam as conseqüências do espírito da Contra-Reforma nas velhas colônias'. Exatos 150 anos depois, a liberdade não está mais garantida nesse refúgio para quem se sentia perseguido. Em agosto de 2010, provocadores desenharam símbolos nazistas em uma estrada do município. Em vez de identificar e punir os autores desse atentado, uma alta autoridade federal resolveu 'desneonazificar' o 'conjunto dos concidadãos', não só do município, mas de toda a região. Isso mostra que os frutos da macieira continuam a gerar desconfiança, em pleno século XXI.


    Por tudo isso, o clima de final de ano é propício a uma reflexão sobre os bons frutos produzidos pelo pomar de macieira que são os luteranos neste país, mas também sobre os problemas ainda pendentes e as novas possibilidades de intolerância que pairam no ar, precisando ser enfrentadas no dia a dia.
 

   O clima de final de ano é propício a uma reflexão sobre os bons frutos produzidos pelo pomar de macieiras que são os luteranos neste país, mas também sobre os problemas ainda pendentes e as novas possibilidades de intolerância que pairam no ar, precisando ser enfrentadas no dia a dia. 

René Certz, com Licenciatura em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo/RS, Mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre/RS, onde é Professor aposentado, e Doutorado em Ciência Política pela Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, atua como Professor de História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), na capital gaúcha

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