Jornal Evangélico Luterano

Ano 2015 | número 784

Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 16:24

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos A Palavra e o mútuo consolo dos irmãos

O testemunho bíblico

   A prática religiosa judaica estava bastante centralizada na Lei, no templo e na pessoa do sacerdote. O Novo Testamento nos confronta com uma proposta diferente. Jesus Cristo não centralizou o seu Ministério no templo, ainda que também tenha ensinado na sinagoga (Lc 4.16s). Ele preferia inserir-se no meio do povo e compartilhar do seu dia a dia. Desta forma, Jesus toma conhecimento das necessidades e das dores do povo.

   Jesus visitou a sogra enferma de Pedro (Mateus 8.14s), procurou um homem desprezado como Zaqueu (Lucas 19.5), visitou mulheres como Marta e Maria (Lucas 10.38-42) e se dispôs a tomar uma refeição e pernoitar com pessoas (Lucas 24.29s).

   Outra característica do Ministério de Jesus era chamar e preparar pessoas para, juntamente com ele, pastorear o seu rebanho (João 21.15-18).

   Também o apóstolo Paulo, por onde passou, preparava colaboradores e colaboradoras - alguns permanentes (Timóteo, Silas, Barnabé) e outros temporários. Ele os chama de ‘irmãos’ e ‘colaboradores’. Em 1Coríntios, lê-se que esses colaboradores podiam ser eleitos pela própria Comunidade.

   Como se vê, a Bíblia dá muita ênfase ao fato de que Deus concedeu dons a cada um de nós para o serviço da Igreja (Romanos 12.4-8 e 1Coríntios 12.12-31).

   Em síntese, o Deus no qual cremos é um Deus próximo, que visita o seu povo, um Deus misericordioso que sofre com os que sofrem. O seu Filho Jesus o testemunhou em palavra e ação.

   Ora, o seu mandamento é este: que, em sinal de gratidão, também nós nos amemos uns aos outros. A Sagrada Escritura testemunha que palavra sem ação se torna estéril, à semelhança de uma árvore que não produz frutos (João 15.2).

A tradição reformatória

   Baseado neste fundamento bíblico, o Reformador desenvolveu a doutrina do Sacerdócio Real de Todos os Crentes. Nela, Lutero criticou com veemência a Teologia da sua época, que concentrava demasiadamente o poder na hierarquia eclesiástica e no clero. Os fiéis se submetiam à autoridade superior, sem condições e sem direito de questionarem a Teologia e a prática pastoral vigente.

   Como os membros da Igreja na época não sabiam ler e escrever em Latim, Lutero decidiu traduzir a Bíblia para o Alemão, escrever o Catecismo Menor para alfabetizar os fiéis na fé e compor hinos que transportavam a mensagem do Evangelho. Desse modo, ele, os seus colaboradores e as suas colaboradoras quebraram a tutela que a hierarquia eclesiástica daquela época exercia sobre os fiéis. Lutero chegou a defender a ideia de que ‘os ouvintes têm o direito e o dever de julgar tudo o que é pregado’ (Pelo Evangelho de Cristo, p.196).

   Baseado no testemunho bíblico, Lutero afirma que, pelo Batismo, toda pessoa cristã é ungida por Deus para ser sacerdote (1Pedro 2.9). Na interpretação desta palavra, Lutero escreve: ‘Por isso somos todos sacerdotes, todos quantos somos cristãos’ (Obras Selecionadas, v.2, p. 414).

   Uma das formas de servir a Deus e ao próximo que Lutero destaca é o ‘diálogo mútuo e a consolação dos irmãos’ (Artigos de Esmalcalde, ponto IV). Ele se refere à doutrina da Comunhão dos Santos, segundo a qual Cristo está ali, onde dois ou três se reúnem em seu nome para dialogar e se consolar mutuamente na tristeza e no sofrimento (Mateus 18.20) e para carregar as cargas uns dos outros (Gálatas 6.2).

   Segundo Lutero, o Ministro, a Ministra em uma Comunidade cristã não deve centralizar o Ministério da pregação, do ensino e do consolo exclusivamente em suas mãos. Na vivência da ‘comunhão dos santos’, não existe hierarquia. Existem funções, vocações e tarefas diferentes. Cada pessoa cristã batizada, se assim o desejar, encontrará uma forma de colocar os seus dons a serviço de Cristo e do próximo, desde que seja animada a fazê-lo e devidamente preparada para tanto.

 

 Desafios para o exercício do Ministério

    A vivência do diálogo e do consolo mútuos é uma questão delicada. Ela mexe com a relação entre o Ministério ordenado e o Ministério dos leigos.

   O Ministro que atua em um campo de trabalho, o faz por ter sido chamado e incumbido por uma Comunidade (Paróquia ou Campo de Atividade Ministerial) para fazê-lo. Assim sendo, ele não pode e não deve se colocar acima dela.

O ‘bom pastor’ e a ‘boa pastora’ são aqueles que animam a Comunidade a pegar junto, que estão atentos para os dons que os membros da Comunidade possuem e que preparam os mesmos para o serviço. 

   Por outro lado, como foi ordenado para pregar a Palavra de Deus, o seu compromisso maior é com o Evangelho, ou seja, ele precisa pregar corretamente a vontade de Deus e admoestar os fiéis, mesmo que isso doa. A Palavra de Deus está acima dos interesses da Comunidade e dos fiéis e acima do próprio Ministro. Ambos, a Comunidade e o Ministro, devem se sujeitar a ela! O Ministro que só prega aquilo que a Comunidade – ou uma parte dela – gosta de ouvir adultera a mensagem.

   O ‘bom pastor’ e a ‘boa pastora’ são aqueles que animam a Comunidade a ‘pegar junto’, que estão atentos para os dons que os membros da Comunidade possuem e que preparam os mesmos para o serviço. Os membros precisam sentir que a sua colaboração é realmente desejada e apreciada. Porém, quando um Ministro concentra demais o trabalho em suas mãos, deixa de ser um bom pastor, pois está desprezando os dons que o Espírito Santo concedeu a todo o seu povo.

   No caso de em uma Comunidade existirem muitas pessoas adultas batizadas e confirmadas na fé evangélica, pode acontecer que um maior número de fiéis deseje subir ao púlpito para pregar. Segundo Lutero, isso pode gerar confusão, por isso ele recomenda que ninguém se projete a si mesmo, mas espere até ser convidado para exercer esta missão.

   Há Ministros, Ministras e Comunidades que se empenham para formar lideranças leigas dispostas a fazer visitas, coordenar grupos de pessoas idosas, mulheres, casais, enlutados. Outros são mais cautelosos, pois há situações em que lideranças leigas concentram demais as funções diretivas e se perpetuam na função. Isso pode impedir que novas lideranças surjam.

Na Vivência da 'comunhão dos santos', não existe hierarquia. Existem funções vocações e tarefas diferentes. Cada pessoa cristã batizada, se assim o desejar, encontrará uma forma de colocar os seus dons a serviço de cristo e do próximo, desde que seja animada a fazê-lo e devidamente preparada para tanto.

 

Considerações de natureza prática

   Na IECLB e no âmbito das Igrejas históricas em geral, se percebe, especialmente em contextos urbanos, que é baixa a porcentagem dos membros que participam ativamente da vida da Igreja. Com isso, cresce a falta de uma relação fraterna entre os seus membros.

   No entanto, quando enfrentam problemas de saúde, de luto ou de envelhecimento, muitos membros – também os mais afastados – lembram da sua Igreja e se alegram quando são visitados e consolados.

   Esse fato pode e deve nos animar para ensejarmos esforços conjuntos em todos os níveis de atuação da IECLB (paroquial, sinodal e da Secretaria Geral) e nos nossos Centros de Formação Teológica, para bem preparar Ministros e Ministras para a arte do cuidado dos enfermos, dos enlutados, das pessoas com deficiência, dos casais, dos idosos, dos jovens e dos pobres, pessoas que vão se afastando da nossa Igreja por diferentes motivos.

   Uma das formas de promover o mútuo consolo das irmãs e dos irmãos é a visitação. É verdade que alguns membros ficam ‘com o pé atrás’ quando são visitados, pois temem que a ‘visita’ tem a finalidade de fazer cobrança. O fato é que há muitas pessoas solitárias e que não têm com quem compartilhar as suas alegrias e os seus pesares. A participação nos cultos dominicais é muito importante. Todavia, o culto nem sempre satisfaz a necessidade de comunhão e de diálogo. Há pessoas que buscam comunhão na Igreja, mas saem sem que ninguém as tenha cumprimentado ou falado com elas.

    A formação de grupos é outra forma muito eficaz de vivência de comunhão e de solidariedade cristã. Ao contrário do que acontece normalmente nos cultos e nos ofícios, em que a mensagem é proclamada de modo frontal e centrada na pessoa do oficiante, o círculo grupal propicia uma maior participação das pessoas reunidas.

   Os encontros em grupo podem ter diferentes finalidades e ser dirigidos a interesses distintos, tais como: grupos de oração ou de estudo bíblico; grupos de corais, instrumentais ou grupos para ensaiar os hinos para o culto dominical; grupos de jovens, mulheres, homens, desempregados, casais e pessoas separadas ou divorciadas; grupos de idosos, enlutados, pessoas com deficiência, dentre outros. 

Conclusão

   A experiência tem demonstrado que a vivência prática do mútuo consolo das irmãs e dos irmãos em uma Comunidade cristã cresce com a participação dos fiéis nos cultos e nos encontros em grupos, mas o que mais anima o povo de Deus são as visitas e as orações feitas pelas pessoas e pelos seus familiares nos momentos cruciais da sua vida. 

   Jesus Cristo diz: Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.

 

P. Dr. Lothar Carlos Hoch, formado em Teologia pelas Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, com Doutorado pela Philipps Universität Marburg, na Alemanha, foi Professor e Reitor da Faculdades EST

 

 

 

 

 

 

 

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