Jornal Evangélico Luterano

Ano 2015 | número 785

Quinta-feira, 25 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 08:53

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

   Uma canção de Humberto Gessinger e de Duca Leindecker, cantada em parceria com Luiz Carlos Borges, tem como refrão: ‘Recarregar, reiniciar, reinventar, reabastecer’. Para início de conversa, compartilho que escrever sobre o tema proposto mostrou-se, também para mim, uma oportunidade de refletir sobre o Ministério da pregação dominical, especialmente à luz das conversas de mesa do Reformador Martim Lutero, a cujas palavras tive acesso graças a um texto de autoria do P. Dr. Nelson Kirst. Lutero, pregação e pregadores - pequena antologia de falas de mesa foi publicado em uma edição especial da Revista Estudos Teológicos, no ano de 1981, intitulada Reflexões em torno de Lutero, vol. 1, cuja apresentação e organização são do P. Dr. Martin Dreher. Assim como não somos mérito de nós mesmos, de nós mesmas, mas agregamos o conhecimento e a experiência de outras pessoas que nos antecederam ou que compartilham os seus saberes conosco, o que segue foi sendo tecido a partir de esforços anteriores. Sou muito grata por isso!

   A fé vem pela pregação e a pregação vem pela Palavra de Deus (Romanos 10.17). Esta palavra do apóstolo Paulo, dirigida à Comunidade cristã que se reunia em Roma, aponta a razão de ser da pregação. Ela está a serviço do despertar da fé, que é obra do Espírito Santo. Sobre isso, Martim Lutero dizia: ‘Pois Deus ordenou as coisas de tal forma que ninguém deva nem possa crer, a não ser pelo Ministério da pregação; é por meio dele que se ouve a sua Palavra, pois este é o instrumento e o canal pelo qual Deus, o Espírito Santo, atinge o coração, despertando e operando verdadeiro arrependimento e pesar para a conversão e a verdadeira fé’.

Diante de algumas das assim chamadas conversas de mesa (Tischreden) do Reformador, que refl etem o seu pensamento sem a densidade teológica característica dos seus tratados, ficamos frente a frente com um Lutero profundamente sensível à Comunidade que recebe a pregação, a ponto de orientar os pregadores, claramente, sobre como exercer a sua função. Ainda que não inclua a expressão ‘pregadoras’ nas suas falas, apesar da contribuição de mulheres eruditas ou não no Movimento da Reforma, Lutero toma da ação das mulheres mães a sua comparação, que deu origem ao título desta refl exão: ‘Quem está em cima do púlpito, deve tirar os peitos para fora e dar de mamar ao povo em geral, pois, a cada dia que passa, cresce uma nova Igreja; esta precisa ser ensinada, com toda simplicidade, com um ensinamento infantil, por isso use-se diligentemente o Catecismo e distribua-se o leite’.

   Em seu tempo, Lutero não tinha acesso às informações nutricionais que temos na atualidade, mas, certamente, da sua observação empírica, sabia da importância do leite materno como o primeiro alimento das crianças, mais do que isso: como alimento completo para os bebês. Daí provém a sua comparação! Vejam que o leite materno é sugado pelas crianças pequenas quase como por instinto e pode ser o único alimento por ela ingerido nos primeiros seis meses de vida, sem risco de lhe faltar qualquer substância necessária ao seu desenvolvimento.

   Há elementos deveras preciosos nesta comparação de Lutero e no conjunto das suas observações sobre como pregar. Neles está expresso o seu cuidado para com a Comunidade reunida em culto.

    - Em primeiro lugar, para Lutero, é imprescindível que o pregador esteja convicto do que se propõe a comunicar. Se isto está claro, ele encontrará os meios adequados para fazê-lo, inclusive, sendo criativo na metodologia. Nas palavras de Lutero: ‘Só depois de conhecermos bem determinado assunto é que devemos preocupar-nos com a arte de escrever e falar sobre ele’.

   - O centro da pregação é Cristo, que morreu e ressuscitou por nós. Essa centralidade de Jesus Cristo, quando se interpreta a Palavra de Deus, no culto, foi representada artisticamente pelo Pintor Lucas Cranach, em uma imagem na qual Lutero prega, ao púlpito. No centro, está Cristo, no madeiro, e, no outro lado, a Comunidade a fitá-lo. Sendo assim, a Bíblia se torna a fonte para a pregação. Daí a conhecida palavra de Lutero: ‘A Bíblia é uma erva. Quanto mais se manuseia, mais perfume ela exala’.

- O conteúdo da pregação precisa ser de tal modo construído e apresentado que, ao final, a pessoa ouvinte possa concluir: a prédica, hoje, era a respeito de tal questão. Para Lutero, ‘dizer muito com poucas palavras, de modo correto e breve, é uma arte e grande virtude’. Daí a necessidade de discernimento diante do assunto principal que está sendo abordado e da fidelidade ao que está em questão.

- Sobre a relação entre povo de Deus e Palavra de Deus, se pronuncia o Reformador: ‘A Palavra de Deus não pode existir sem o povo de Deus; por outro lado, o povo de Deus não pode existir sem a Palavra de Deus. Do contrário, quem pregaria a Palavra de Deus ou quem ouviria a pregação se não existisse o povo de Deus? O que o povo de Deus poderia ou quereria crer se não existisse a Palavra de Deus?’.

   - Lutero afirma, nas suas conversas de mesa, que o público prioritário das palavras do pregador devem ser as pessoas simples dentre os ouvintes e as ouvintes – o povo em geral. ‘Quando subo ao púlpito, vou com a intenção de pregar apenas para os empregados e as criadas’ - diz o Reformador. ‘[...] É que quando se procura pregar aos ouvintes mais eruditos, fazendo jorrar altas sabedorias, o pobre do povo fi ca lá parado como uma vaca’. Lutero chega mesmo a dizer: ‘Eu sou inimigo ferrenho daqueles que, nas suas prédicas, se orientam pelos ouvintes importantes e eruditos, e não pelo povo em geral; a este não dão atenção’.

   - A importância dada às pessoas simples, ao povo, fica visível, também, na tradução da Bíblia para a Língua Alemã, inicialmente, do Novo Testamento, quando Lutero esteve isolado, por segurança, diante da excomunhão ordenada pelo Papa, em um castelo bem próximo à cidade alemã de Eisenach. Lutero queria que o povo tivesse acesso ao Evangelho de Jesus Cristo, pudesse compreendê-lo e abraçá-lo com convicção. Três anos após a tradução do Novo Testamento ter sido publicada, já no ano de 1524, Lutero passou a compor hinos em Língua Alemã para o culto.

   - Assim como Jesus, que tomava elementos do cotidiano das pessoas para falar a respeito do Reino de Deus, com profunda simplicidade, a pregação precisa considerar o universo de vida e de compreensão de quem ouve. ‘Ah! – diz o Reformador – não suporto gente que fala diversas línguas de cima do púlpito!’. É oportuno lembrar que toda a missa, até então, era rezada em Latim, sendo, assim, inacessível à compreensão dos fiéis e das fiéis. Quando a Língua Alemã já estava sendo utilizada nos cultos, Lutero critica alguns dos seus colegas pregadores pela utilização das línguas originais do texto bíblico durante a pregação, tendo diante de si pessoas iletradas. A utilização de tal conhecimento, ou a ‘bebida forte’, como diz o Reformador, deveria se restringir aos momentos em que os eruditos estivessem reunidos. Segundo esta observação de Lutero, a arrogância, os interesses ou o exibicionismo do pregador não podem ser empecilho para a Palavra de Deus ser compreendida por quem a escuta.

   - Não se dá de mamar no peito à distância. É preciso tomar o bebê no colo e mantê-lo bem junto a si. Além disso, no momento da amamentação, a criança não bebe somente o leite, mas usufrui, também, do aconchego do colo da mãe, do seu calor físico, das palavras sussurradas com intimidade, pronunciadas carinhosamente. Ainda que, a partir da comparação de Lutero, se possa entender que o pregador ou a pregadora deveria conhecer e estar muito próximo à Comunidade para tornar a Palavra de Deus, por sua vez, próxima a ela, arrisco-me a dizer que, no ato de ouvir a pregação, sentimo-nos, um pouco, no colo de Deus. Pela pregação, Deus fala bem de pertinho conosco e oferta-nos o alimento de que temos necessidade: perdão e salvação, correção, orientação, consolo e esperança. A sua Palavra chega à nossa realidade. Assim, fortalecidas e fortalecidos, mais ainda se participamos da Ceia do nosso Senhor Jesus Cristo, somos capazes de engatinhar na fé, que é vivenciada, sempre, na comunhão com Deus, com a irmã e com o irmão. 

A fé vem pela pregação e a pregação vem pela Palavra de Deus. (Romanos 10.17)

   

O conteúdo da pregação precisa ser de tal modo construído e apresentado que, ao  nal, a pessoa ouvinte possa concluir: a prédica, hoje, era a respeito de tal questão. A arrogância, os interesses ou o exibicionismo do pregador não podem ser empecilho para a Palavra de Deus ser compreendida por quem a escuta.

 

Pa. Ma. Scheila dos Santos Dreher, Mestre em Teologia, exerce o Ministério Pastoral na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana São Lucas, em Porto Alegre/RS

 

 

 

 

 

 

 

 

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