O Breno em Juiz de Fora

Artigo

30/06/1973

O BRENO EM JUIZ DE FORA

No editorial que escrevi para o número 3, num comentário sobre a morte do Breno, conclui dizendo: Agora porém, o amargo das lágrimas, um vazio que é lembrança .. . Num dos próximos números, quem sabe, falaremos de ressurreição. 

Quando escrevi aquelas palavras — nem percebia — estava sendo empurrado para o espetáculo da ressurreição. 

Depois vieram pedaços de panei de letra miúda que eu comecei a ler. Eram sermões dominicais vivos, penetrantes de um irmão franzino, ligeiro e ativo que nem camundongo. Ultimamente a sua palavra já de si sublinhada e grifada vinha sendo mais sublinhada ainda por um cavanhaque que ele andava cultivando e que também lhe tornava mais agudo o rosto de ideias tão agudas. 

Empurrado, subi (com Jether, Elias, Celso que já lá estava) a Juiz de Fora. Era como quem ia visitar um túmulo. Eu fazia a minha primeira volta àquela cidade, vazia sem Breno. Das outras vezes ele esperava. Vinha o abraço. Casa e coração se abriam. Disponibilidade incarnada, ao vivo. Agora não haveria nada disso. 

O carro do Elias rodava. Falávamos do irmão tão irmão, do amigo tão amigo. Lemos o seu último sermão que ele pregara e ia repetir em Mar de Espanha. Assunto, mordomia. A quem muito foi dado, muito lhe será exigido ; a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão. E Breno concluía seu último recado pastoral daquele domingo da Estrada de Bicas: Não é- ameaça, é luz para nosso caminho. Na seriedade dessa: palavra a gente descobre toda a misericórdia do Cristo. 

E assim, no carro em que havia três, éramos quatro, nós e o imenso-pequeno Breno conosco. 

E o túmulo? 

Quando ao início da noite, na Praça Agassis, Igreja Luterana, cumprimentamos uns dez que nos recebiam, a toda tentativa de indagar de um morto, sentíamos olhares, falas, testemunhos — que estava vivo. Por que túmulo? Nem o sepultaram lá e os mortos no Senhor não ocupam túmulos — buracos muito minúsculos para os discípulos do Ressuscitado. 

Começamos então a comer e a beber e a falar de ressurreição. 

Fomos para o auditório do Granbery. Duzentas, trezentas pessoas? Eram milhões: católicos, metodistas, presbiterianos, congregacion2.is e outros. O assunto — ecumenismo — a comunhão inevitável para a qual somos arrastados (Quando eu for levantado, a todos atrairei a mim). Falamos e falaram vários. Testemunhos de comunhão. Alguns cantaram, o violão sublinhando. Um grupo especial de alunos do Dreno (ele não conseguiu ter ex-alunos) tinha planejado tudo. Eles revivem o Breno na Igreja e no Mundo. Foram chamados par continuar as aulas do Dreno na -Universidade. Um deles citava-nos Tillich e Bonhoeffer. . . e percebia-se indisfarçadamente que o sepulcro de Porto Alegre tinha sido arrombado, violado, estava incrivelmente vazio. 

No sermão memorial o Padre Snoeck (noutra parte desta revista.), dissera : 

Cristãos como somos, não vivemos da saudade daquele que se foi, mas da perigosa memória do Cristo presente. Em Cristo, Dreno está presente.
Ele -- o camundongo irrequieto e apressado, que escapou à ratoeira da Estrada de Bicas — tinha ressuscitado e continuava renovando a perigosa memória de Cristo presente.

Desci (os mesmos irmãos Jether e Elias, o mesmo carro, mais noite, depois madrugada e um certo frio) de volta a casa. Riamos. 

Ah! aquele olhar matreiro por trás dos óculos! 

Ah! aquele falar sublinhado a cavanhaque! Aquela disponibilidade e amor penetrante! Aquela visão sempre nova da Palavra! 

Aquela oferta de si mesmo! 

Estava tudo mais intenso, mais vivo, mais agudo, mais claro. 

Creiam, leitores, eu e os outros o vimos ressuscitado. 

* * *

Gente, acabamos de chegar de Juiz de Fora. Deixamos o Breno lá. Ele manda lembranças, as suas lembranças, dele e de Mariane. Aleluia! 

Carlos Cunha 

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[Também publicado em: Irreverência, compromisso e liberdade. O testemunho ecumênico do pastor breno Arno Schumann (1939-1973). Escola Superior de Teologia e Koinonia. Presença Ecumênica e Serviço, 2004,p. 149-151.]

Não conseguimos compreender este acontecimento .. Um homem que deixará um vazio incalculável, que foi um testemunho vivo da Unidade, da Esperança e da Verdade, na Igreja! Somente quem gozou de sua convivência, assistiu às suas- aulas, ou participou de reuniões com ele, conseguirá medir o alcance de sua total disponibilidade. Uma pessoa que estava sempre pronta a servir. Que nos marcou profundamente!

(Um grupo de jovens ao Diário Mercantil, J. Fora) 
 


Autor(a): Carlos Cunha
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Ressurreição - Centro Ecumênico de Informações / Editora: Tempo e Presença Editora Ltda. / Ano: 1973 / Volume: Suplemento Número 4
Natureza do Texto: Artigo
ID: 22278
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