O BRENO EM JUIZ DE FORA
No editorial que escrevi para o número 3, num comentário sobre a morte do Breno, conclui dizendo: Agora porém, o amargo das lágrimas, um vazio que é lembrança .. . Num dos próximos números, quem sabe, falaremos de ressurreição.
Quando escrevi aquelas palavras — nem percebia — estava sendo empurrado para o espetáculo da ressurreição.
Depois vieram pedaços de panei de letra miúda que eu comecei a ler. Eram sermões dominicais vivos, penetrantes de um irmão franzino, ligeiro e ativo que nem camundongo. Ultimamente a sua palavra já de si sublinhada e grifada vinha sendo mais sublinhada ainda por um cavanhaque que ele andava cultivando e que também lhe tornava mais agudo o rosto de ideias tão agudas.
Empurrado, subi (com Jether, Elias, Celso que já lá estava) a Juiz de Fora. Era como quem ia visitar um túmulo. Eu fazia a minha primeira volta àquela cidade, vazia sem Breno. Das outras vezes ele esperava. Vinha o abraço. Casa e coração se abriam. Disponibilidade incarnada, ao vivo. Agora não haveria nada disso.
O carro do Elias rodava. Falávamos do irmão tão irmão, do amigo tão amigo. Lemos o seu último sermão que ele pregara e ia repetir em Mar de Espanha. Assunto, mordomia. A quem muito foi dado, muito lhe será exigido ; a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão. E Breno concluía seu último recado pastoral daquele domingo da Estrada de Bicas: Não é- ameaça, é luz para nosso caminho. Na seriedade dessa: palavra a gente descobre toda a misericórdia do Cristo.
E assim, no carro em que havia três, éramos quatro, nós e o imenso-pequeno Breno conosco.
E o túmulo?
Quando ao início da noite, na Praça Agassis, Igreja Luterana, cumprimentamos uns dez que nos recebiam, a toda tentativa de indagar de um morto, sentíamos olhares, falas, testemunhos — que estava vivo. Por que túmulo? Nem o sepultaram lá e os mortos no Senhor não ocupam túmulos — buracos muito minúsculos para os discípulos do Ressuscitado.
Começamos então a comer e a beber e a falar de ressurreição.
Fomos para o auditório do Granbery. Duzentas, trezentas pessoas? Eram milhões: católicos, metodistas, presbiterianos, congregacion2.is e outros. O assunto — ecumenismo — a comunhão inevitável para a qual somos arrastados (Quando eu for levantado, a todos atrairei a mim). Falamos e falaram vários. Testemunhos de comunhão. Alguns cantaram, o violão sublinhando. Um grupo especial de alunos do Dreno (ele não conseguiu ter ex-alunos) tinha planejado tudo. Eles revivem o Breno na Igreja e no Mundo. Foram chamados par continuar as aulas do Dreno na -Universidade. Um deles citava-nos Tillich e Bonhoeffer. . . e percebia-se indisfarçadamente que o sepulcro de Porto Alegre tinha sido arrombado, violado, estava incrivelmente vazio.
No sermão memorial o Padre Snoeck (noutra parte desta revista.), dissera :
Cristãos como somos, não vivemos da saudade daquele que se foi, mas da perigosa memória do Cristo presente. Em Cristo, Dreno está presente.
Ele -- o camundongo irrequieto e apressado, que escapou à ratoeira da Estrada de Bicas — tinha ressuscitado e continuava renovando a perigosa memória de Cristo presente.
Desci (os mesmos irmãos Jether e Elias, o mesmo carro, mais noite, depois madrugada e um certo frio) de volta a casa. Riamos.
Ah! aquele olhar matreiro por trás dos óculos!
Ah! aquele falar sublinhado a cavanhaque! Aquela disponibilidade e amor penetrante! Aquela visão sempre nova da Palavra!
Aquela oferta de si mesmo!
Estava tudo mais intenso, mais vivo, mais agudo, mais claro.
Creiam, leitores, eu e os outros o vimos ressuscitado.
* * *
Gente, acabamos de chegar de Juiz de Fora. Deixamos o Breno lá. Ele manda lembranças, as suas lembranças, dele e de Mariane. Aleluia!
Carlos Cunha
Voltar para Índice de Textos
[Também publicado em: Irreverência, compromisso e liberdade. O testemunho ecumênico do pastor breno Arno Schumann (1939-1973). Escola Superior de Teologia e Koinonia. Presença Ecumênica e Serviço, 2004,p. 149-151.]
Não conseguimos compreender este acontecimento .. Um homem que deixará um vazio incalculável, que foi um testemunho vivo da Unidade, da Esperança e da Verdade, na Igreja! Somente quem gozou de sua convivência, assistiu às suas- aulas, ou participou de reuniões com ele, conseguirá medir o alcance de sua total disponibilidade. Uma pessoa que estava sempre pronta a servir. Que nos marcou profundamente!
(Um grupo de jovens ao Diário Mercantil, J. Fora)