Nossa Responsabilidade Social

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB - preocupada em despertar a responsabilidade e a ação social de seus membros - encaminha às suas comunidades o documento abaixo como seu primeiro passo na elaboração de um Guia Diacônico.

1. Nossa Omissão
A fé em Cristo leva necessariamente à ação em favor do próximo. Sempre que essa ação faltar, na verdade há falta de fé e desobediência à vontade de Deus. Por isso, ao dirigirmos esta palavra às comunidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil ( IECLB), apontando para a responsabilidade social que nos cabe como cristãos, devemos, antes de mais nada, confessar que muito temos pecado diante do Senhor, pela nossa omissão. Vezes sem conta aconteceu que Jesus, passando fome, não lhe demos de comer; estando Jesus com sede não lhe demos de beber; sendo Jesus forasteiro não o hospedamos; estando Jesus nu, não o vestimos; estando Jesus enfermo, não o visitamos; estando Jesus preso, não fomos vê-lo ( Mt. 25.35-36).
Nós assim nos omitimos no âmbito das nossas comunidades, onde fechamos os olhos, diante do que se passa ao redor de nossos templos. Nós assim nos omitimos em âmbito nacional, fechando os olhos diante das injustiças sofridas por compatriotas nossos. Nós assim nos omitimos diante do sofrimento de povos e indíviduos em todo o mundo. Assim agindo, tornamo-nos desobedientes e negamos aquele que confessamos como nosso Senhor. Cabe-nos, pois como cristãos, como comunidade e como Igreja reconhecer a nossa culpa, arrepender-nos e pedir perdão, expressando tudo isto numa ação eficaz em favor de Jesus faminto, sedento, forasteiro, nu, enfermo e preso, ao nosso redor.

2. Compromisso de Fé
Como cristãos confessamos que a vida é uma dádiva de Deus. Tudo o que somos, e tudo quanto temos dele provêm: Nossas capacidades técnicas e intelectuais, a natureza e o mundo. A responsabilidade pelo uso disto devemo-la ao próprio Deus doador (Gn 1.26-28). Ao nosso lado se encontram os nossos semelhantes, igualmente aquinhoados (Is 11.1-10). Não temos direito a fazer uso deles. Ao contrário, devemos garantir-lhes tudo quanto lhes é de direito. Mais uma vez devemos prestar contas ao Criador, Senhor único de todos os homens.

A boa criação compreende para todos trabalho é saúde, moradia e sustento, cultura e lazer, convivência e liberdade. Sempre que um desses elementos faltar para um só ou mais seres humanos divisamos o mundo caído, rebelde a Deus (Rm. 1.28-32). A consciência cristã acusa o pecado - tanto na esfera individual quanto na social (Rm. 3.9-18). O excesso e o abuso, bem como as distorções destes elementos, são o outro lado da moeda: Sustenta sem trabalho próprio, mas às custas do alheio (Ts 3.10-13); consumismo esbanjador em vez de sustento básico (Ex 20.8-11); trabalho escravo sem lazer, convivência marginalizada sem escola (Jr. 6.11-17); subsistência sem liberdade são apenas algumas das possibilidades (Is 5.8). Destruição da natureza, concentração de riqueza, emprego da força, infração dos direitos dos outros são apenas algumas das conseqüências daquelas distorções fundamentais (Am 5.7, 10-12). Seu resultado para os homens é auto-suficiência, orgulho, ganância, ânsia de consumo e arbitrariedade entre os privilegiados (Am 8.4-6); fome, miséria, desalento e injustiça entre os demais. De qualquer modo, sofrimento sem fim (Tg. 5.1-6).

Contudo, onde a consciência acusa, o Evangelho levanta a voz profética para chamar ao arrependimento, à libertação e à mudança radical (Mc 1.15). O Evangelho é o próprio Jesus Cristo que sofreu o mundo caído para libertar o homem pecador (Lc 4.18-21). Em sua cruz confessamos a ação de Deus (I Cor 1.18-25). Por isso também hoje não conseguimos ver Deus no progresso, mas sim naqueles que são por ele triturados não no poder, mas naqueles que são por ele abatidos, não no dinheiro, mas naqueles que não tem como comprar o elementar para suas vidas (Mc 8.34-38). Deus simultaneamente padece e liberta ainda hoje. Assim a neutralidade se nos torna impossível (Rm 12.9-21). Somos chamados a tomar partido: Queremos subir na vida ou descer à cruz de nosso semelhante? Queremos nos unir ao círculo dos interessados em si mesmo ou dar as mãos para viver o amor de Cristo?

A renúncia a nós mesmos e o discipulado de Cristo nos são possíveis quando acatamos esse mesmo serviço de Deus na cruz, que nos arranca de nossa profunda insegurança e nos faz andar o caminho de Deus no mundo (I Jo 4.9-17). Assim colocamos toda a nossa capacidade, profissão, obra, posição, bens e vida a serviço de quem de nós necessita. Esse caminho da renúncia e da solidariedade é e será vitorioso. Isso confessamos como nossa esperança inabalável.

3. Realidade
Dentro desta ordem de reflexões, convidamos os membros das nossas comunidades a se deterem na análise dos seguintes aspectos:

- Todos os cidadãos têm direito a participar dos benefícios de cultura e a ter oportunidades iguais para a educação. Entretanto, aproximadamente um terço dos brasileiros em idade escolar obrigatória, não freqüentam a escola, devido ao trabalho prematuro, à enfermidade, à distância da escola, à subnutrição ou à falta de vagas (1).

- Enquanto o custo de vida teve índices de aumento progressivo, o salário médio, de grande parcela dos trabalhadores urbanos e rurais, permanece desvinculado dos ganhos de produtividade no setor e amarrado ao mínimo estabelecido institucionalmente. Assim, em várias partes do Brasil, o salário mínimo real em 1970, era cerca de 30% inferior ao de 1961 (2).

- A taxa de mortalidade infantil em países desenvolvidos é de 25 mortes para cada grupo de mil crianças de zero a um ano de idade. No Brasil apresentamos uma relação de 100 mortes por mil crianças situadas em tal faixa etária. Tais taxas são especialmente elevadas entre os setores de baixas rendas, geralmente com famílias numerosas, mas com poucos recursos para atenderem às necessidades sanitárias e alimentares de seus filhos (3).

- Apesar de todo avanço da ciência e da tecnologia, em 1975 500 milhões de pessoas viveram a beira da fome crônica e 50% da população mundial alimentou-se de forma insuficiente. Igualmente no Brasil grandes parcelas de nossa população, especialmente no Nordeste e nos bairros marginalizados de nossas metrópoles, passam fome, sendo por isso vítimas fáceis das doenças de massa como a varíola, tuberculose, a verminose, a esquistossomose, a meningite, etc. Tal problema ainda se agrava pela insuficiência de atendimentos médicos e previdenciários, pois além de termos poucos médicos - um por 1800 habitantes, quando deveria ser um por 1000, segundo a Organização Mundial de Saúde - estes tendem a concentrar-se nas grandes áreas urbanas, deixando 1.500 municípios do país sem atendimento médico (4)

- Deus pôs recursos da natureza à disposição de todos. Assim convidou o homem para com sua tecnologia dominar a natureza e pôr os recursos gerados serviço de todos. Contudo, constatamos em nosso país que tal princípio não se verifica. Os frutos de nosso processo de desenvolvimento - embora tenham levado alguns benefícios às classes sociais menos favorecidas - tendem a concentrar-se nas mãos de minorias privilegiadas, acentuando-se tal tendência na última decada: A camada superior, ou seja, 10% da população com renda, aumentou sua participação de 39,66% para 47,79% no total da renda gerada no país. Enquanto isso os 90% restantes da população diminuíram a sua participação na mesma. Dos brasileiros que percebiam renda em 1972, cerca de 44% obtinham a minguada renda de até um salário mínimo (Cr$ 368,00 de então) e 30% percebiam de um a dois salários mínimos (5).

- Nosso processo de desenvolvimento deveria preocupar-se em proporcionar oportunidades de emprego e de melhoria do padrão de vida para todos os que queiram trabalhar. Não obstante, apresentamos uma industrialização incapaz de absorver a numerosa mão-de-obra subempregada, nas regiões urbanas. Contamos igualmente com uma atividade agrária baseada numa estrutura de concentração de extensas áreas de terra nas mãos de poucos, pois 1,3% dos imóveis rurais detêm 48,9% da área total agricultável do país, impedindo aos que querem trabalhar na agricultura, de terem uma propriedade com tamanho adequado para obterem, com o seu uso, um sustento honesto (6).

- Todos têm o direito a uma habitação decente. Mas o deficit habitacional no Brasil é de sete milhões de casas e nas zonas urbanas 600.000 casas seriam anualmente necessárias, para atender as famílias que ali se formam decorrência do aumento vegetativo das populações urbanas e das migrações procedentes da área rural (7).

- Outros problemas podem ainda ser apontados, como os referentes ao rápido aumento da criminalidade urbana e ao aumento do consumo de tóxicos, conseqüências da falta de oportunidades de trabalho ou da desintegração de muitas famílias e do próprio sistema educacional, que absorvido pelo esforço de profissionalização dos alunos, se esquece de orientar os mesmos para objetivos mais nobres, de conteúdo cristão e humanista, que dêem sentido às vidas como pessoas e como seres solidários com problemas de sua comunidade e do seu país.

Muitos outros aspectos indicadores da situação de injustiça e de pecado na esfera social, existentes no âmbito nacional, poderiam ser apresentados. Os que aqui foram sucintamente delineados, já servem para a nossa reflexão.

NOTAS

1 - Desenvolvimento Brasileiro, Elementos básicos, para a compreensão do desenvolvimento, São Paulo, CONVÍVIO - Sociedade Brasileira de Cultura, 1972. Caderno sobre Problemas Educacionais.

2 - Hoffmann R. e Duarte J. Carlos - “A Distribuição da Renda no Brasil”, Revista de Administração de Empresas, GB, FGV, vol. 12, nº 2, junho de 1972, pg. 61

3 - Lenz M. Martinho e outros - Realidade Brasileira, Porto Alegre, Editora Sulina, 1975, 2ª edição, pg. 46.

4 - Newton Carlos, em “ZERO HORA”, Porto Alegre, 3-11-74; Lopes, Leme e outros - Estudos de Problemas Brasileiros: Manuel Diégues Jr. e José Artur Rios, Campo Psico-Social, Ed. Renes Rio, 1971, pg. 65.

5 - Langoni, Carlos Geraldo - Distribuição da Renda e Desenvolvimento Econômico no Brasil, Rio, Ed. Expressão e Cultura, 1973, Rio, p. 64; Jaguaribe, Hélio - Brasil: Crise e Alternativas, Rio, Ed. Zahar, 1974, pg. 59 e 60.

6 - Fonte: Departamento de Cadastro e Tributação do IBRA, 1967, Apud Lenz e outros, op.cit., pg. 148.

7 - Mello Fº, Murilo - O Desafio Brasileiro, Rio Edições Bloch, 1970, pg. 331; Costa, Rubens Vaz da - Estratégia e Programa de Desenvolvimento Urbano: A Experiência Brasileira. Exposição ao VI - XX Congresso da Câmara Internacional do Comércio, Rio, 22 de maio de 1973. Editado pela Secretaria de Divulgação do BNH.

4.Desafio
Existem ao nosso redor inúmeros problemas que clamam por uma solução. A pergunta que surge é: sobre quem recai a responsabilidade? De quem se espera uma solução? Unicamente dos órgãos governamentais? Não! Todo aquele que se diz discípulo de Jesus Cristo, individualmente, é responsável, pois um cristão que é indiferente à injustiça e se furta à responsabilidade em questões sociais e econômicas, preocupando-se unicamente com o seu próprio bem-estar, não segue o seu Senhor. Neste particular, mais do que a participação ativa em iniciativas da igreja, impõe-se a cada cristão que seja fiel a seu Senhor no âmbito concreto de seu viver e atividade profissional. Isso significa encarar toda a sua vida como estando a serviço de Cristo e do próximo. Embora possa ser por vezes necessário renunciarmos a atividade ou profissão em que nos encontramos, para melhor servir. Via de regra, ali onde estamos somos chamados a esse apostolado de amor. De outra parte, assim como o cristão individualmente, também a comunidade cristã e a Igreja são responsáveis pelo mal e, portanto, chamadas ao discipulado.

Na prática, há problemas que podem ser solucionados por atos individuais. Muitos, porém, só podem ser atacados pela ação coletiva. Tampouco basta a ação meramente caritativa e assistencial; é necessária igualmente a ação pública e transformadora. Como agir numa comunidade? Cada qual deverá encontrar a solução mais condizente com a situação peculiar. Sugerimos a criação de pequenos círculos com a finalidade de:

- identificar, numa reflexão conjunta, as situações de necessidade na sociedade em geral e particularmente na comunidade local;

- procurar agir no sentido de transformar tais situações, levando à comunidade impulsos para um engajamento social que envolva o maior número possível de membros;

- colaborar e solidarizar-se com outros grupos de propósito idênticos.

Se nos voltarmos assim para o pequeno círculo de nossa comunidade local ou eclesial, podemos questionar-nos para saber quantos de nossos irmãos são vítimas da injustiça, do pecado no âmbito social, em suas diversas formas? Quantos de nossos vizinhos ou conhecidos são vítimas da ignorância por falta de oportunidades? Quantos deles, querendo trabalhar, não obtêm um emprego e um nível de renda convenientes para satisfazerem suas necessidades básicas? Quantas pessoas são oprimidas por doenças decorrentes da fome e da miséria e não podem valer-se por si mesmas? Quantas são vítimas de preconceitos ou de perseguições? Quantas vezes já dedicamos algum tempo a interessar-nos por pessoas necessitadas e indefesas? Ou será que sempre e exclusivamente nos preocupamos apenas com o nosso bem-estar individual e familiar? Examinando, pois, os problemas de subsistência, habitação, saúde, educação, emprego, distribuição de renda, criminalidade, vício e outros em nosso meio, quais são os recursos de que dispõe a nossa comunidade? Qual é a composição profissional de seus membros? Quais são os instrumentos e organizações para a transformação? São eles apropriados para tal objetivo? Em suma: que quer Cristo de nós diante de tais situações?

Documento aprovado pelo XI Concílio Geral – Joinville 19 a 22/10/1978

Toda obra que não tenha por objetivo servir aos demais não é uma boa obra cristã.
Martim Lutero
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