Jó 7.1-7

Auxílio Homilético

05/02/2006


Prédica: Jó 7.1-7
Leituras: Marcos 1.29-39 e 1 Coríntios 9.16-23
Autor: Günter Adolf Wolff
Data Litúrgica: 5º. Domingo após Epifania
Data da Pregação: 05/02/2006
Proclamar Libertação - Volume: XXXI

1.Para entender a realidade da vida hoje

Nosso texto descreve a realidade de opressão de Jó (do povo) pela corvéia, trabalho pesado, escravidão, sofrimento, doença, vida sem esperança e sem felicidade. Essa também é a realidade presente na conjuntura atual, em que a realidade do Brasil é determinada pela conjuntura internacional.

1.1 – A situação internacional

A economia dos Estados Unidos está enfrentando uma dura crise, que já vem de alguns anos. Essa crise na economia central capitalista, por ser a potência econômica e militar hegemônica num mundo unipolar, transforma sua política, mais agressiva e mais perigosa, para querer sair da crise a qualquer preço. Ou melhor, transferindo todo o peso da crise para os povos dos outros países. Essa transferência da crise se dá pela emissão sem controle do dólar, utilizando-o como moeda internacional. Essa é a forma de os Estados Unidos financiarem seus gastos à custa de todo o mundo, impondo sua vontade aos países, para controlar fontes de energia (petróleo) e biodiversidade. E para controlar mercados, via ALCA, OMC, Banco Mundial, FMI etc. Os quinze anos de neoliberalismo, de espoliação total da riqueza do continente latino-americano, geraram uma dominação total do capital internacional, que impediu alternativas de modelos econômicos, mesmo dentro do sistema capitalista. Há estudos que revelam que, nesse período, nosso continente enviou um trilhão de dólares em remessas para os Estados Unidos e a Europa.

1.2 – A situação da América Latina

A América Latina foi o continente que mais sofreu a ofensiva do capital imperialista na década de 1990, em razão das mudanças na correlação de forças internacional naquele período. Foi na América Latina que as corporações internacionais e o capital financeiro aplicaram com mais voracidade suas políticas neoliberais, defendidas no consenso de Washington. Isso levou a uma espantosa desestatização, aniquilando as empresas estatais existentes e a exclusão dos estados nacionais na elaboração das políticas econômicas. Assim diversos países, como Panamá, Equador e Argentina, chegaram a abandonar moedas nacionais e adotaram o dólar estadunidense. No entanto, a população deu-se conta de que nenhum problema econômico foi resolvido e que as economias tornaram-se ainda mais dependentes. E o pior, todos os problemas sociais se agravaram.

1.3 – A situação da economia e da política no Brasil

As forças conservadoras do capital, aliadas ao capital estrangeiro, continuam tendo hegemonia completa na política econômica do governo.

A política econômica segue à risca a ortodoxia neoliberal, baseada nos três pilares clássicos:

a – altas taxas de juros para atender os interesses dos banqueiros, credores da dívida pública interna. A taxa básica Selic de 19,25% ao ano representa hoje a mais alta taxa de juros real de todo o mundo;

b – manutenção de um superávit primário no orçamento público do governo federal, que representa a arrecadação de 60 bilhões de reais (ao redor de 24 bilhões de dólares ao ano), recolhidos de toda a população na forma de impostos e repassados aos bancos na forma de pagamento de juros das dívidas interna e externa. Os bancos, as grandes empresas exportadoras e as corporações transnacionais que operam no Brasil são os únicos que estão se beneficiando dessa política;

c – manutenção de uma política cambial, monetária e tributária de estímulo às exportações. Como forma de auferir os dólares suficientes para evitar especulações do capital financeiro e evitar crises de pagamento da dívida externa.

O governo Lula não aposta na mobilização popular e no povo como um ator importante para as mudanças. Prioriza apenas suas articulações com os parlamentares no Congresso Nacional. A democracia representativa está cada vez mais limitada e aumenta o descrédito no meio do povo.

1.4 – Os desafios que os movimentos de massa enfrentam na atual conjuntura

O movimento de massas, no seu sentido mais amplo, encontra-se num processo muito complexo e difícil. As direções políticas dos movimentos estão confusas ideologicamente. A maioria abandonou a perspectiva socialista.

É necessário trabalhar permanentemente com a perspectiva de acúmulo de forças organizadas da classe trabalhadora para retomar as lutas de massa, único caminho que pode permitir alterar a correlação de forças adversas para o povo. Perceber e seguir trabalhando prioritariamente na solução de seus verdadeiros desafios históricos, que são: a formação de dirigentes (dos partidos de esquerda, do movimento popular, das igrejas, dos sindicatos) em todos os níveis, a elaboração de um programa alternativo para o país, preparar os militantes para a retomada do movimento de massas e o reascensão do movimento de massas por meio das lutas sociais. Refletir sobre as práticas da esquerda, que apenas priorizou a luta institucional e eleitoral.

Os movimentos sociais organizados têm consciência de que as reivindicações populares só poderão ser atendidas quando for mudado o rumo da política econômica, até hoje a serviço do grande capital. A experiência dos movimentos sociais, ao longo dos últimos 50 anos, ensina que somente a pressão política, social ou moral pode conquistar melhorias em sua vida cotidiana.

É necessário construir um novo projeto alternativo para o país, que represente uma plataforma unitária antineoliberal e que junte todas as forças antineoliberais. Um projeto alternativo deveria ser construído sobre a base de três pilares:

a – nacional: no sentido da solução dos problemas nacionais, do desenvolvimento do mercado interno e da soberania para construir projetos de integração regional e superar a dependência do capital estrangeiro;

b – social: no sentido de garantir trabalho para todos e condições de vida básicas, aumentando o salário mínimo, tomando medidas de combate à desigualdade social e fazer a reforma agrária;

c – democrático: no sentido de garantir os direitos do povo de participar ativamente na política e poder decidir tendo mecanismos de participação popular e de controle sobre seus representantes. (Nas palavras de Fabio Comparato, “o povo tem apenas o direito de escolher hoje quem o vai trair amanhã”.)

2.Para entender a realidade expressa no texto de Jó 7.1-7

2.1 – O contexto do livro

Jó é o povo de Israel no período pós-exílico, como nos relata a realidade injusta de Ne 5.1-13 (que viveu na mesma época em que foi composto o livro de Jó e retrata essa realidade) e de Jó 24 e, por outro lado, mostra o que deve ser feito conforme Jó 29 e 31. Normalmente se fala apenas de Jó de forma individual, mas se olharmos o livro, ele, na pessoa do Jó, retrata a vida do povo massacrado pelo modo de produção tributário. O livro fala daquilo que está acontecendo no meio do povo sofrido. É a denúncia profética envolta na espiritualidade da fé em Deus. É o sistema econômico tributário em pleno vigor persa, espoliando o povo e levando-o ao desespero e à miséria absoluta. Além da crise econômica, havia a crise religiosa, que perguntava por que Deus deixou as coisas ficarem assim.

O livro coloca Jó em três fases: a situação privilegiada, a provação e a regeneração.

2.2 – O texto de Jó 7.1-7

O texto fala da dura realidade da vida do povo:

v. 1 – A vida é dura e o trabalho é pesado, como o do diarista. (A Tradução Ecumênica da Bíblia fala em corvéia – trabalho forçado prestado pelos camponeses como imposto ao Estado, tanto em obras públicas como em servir no exército. Por isso o termo usado pode significar soldado ou assalariado.)

v. 2 – A escravidão.

vv. 3-4 – A insônia por causa do sofrimento que o próximo dia vai trazer.

v. 5 – A doença torna a pessoa repulsiva – é a degeneração física em conseqüência da espoliação.

v. 6 – Os dias passam rapidamente devido ao trabalho duro e sofrido e não há esperança à vista.

v. 7 – A vida é curta, sem felicidade e sem esperança.

Esses são o grito e a realidade do povo de Israel sob o domínio persa; semelhante ao povo latino-americano sob o jugo do capital e da dominação política, econômica, cultural e militar dos EUA. Temos tudo isso no Brasil e também não sabemos quando isso vai acabar, pois a mobilização popular ainda não tem força e poder suficientes para mudar essa situação. Aqui Jó faz uma leitura da realidade do nosso próprio povo brasileiro: da desesperança e da falta de perspectivas, parece que nunca vão acontecer mudanças profundas. O livro de Jó fala daquilo que está acontecendo no meio do povo de Israel. Cabe a nós também falar daquilo que está acontecendo no meio do nosso povo, se é que temos a chave correta para ler a realidade. Normalmente essa chave está guardada e escondida a sete chaves em nossa igreja. Muitos ainda crêem que não existe a luta de classes na sociedade e muito menos na igreja. Santa ingenuidade ou fuga da realidade? Conseguimos ver e ler a realidade do nosso mundo pelos olhos de Jó? A realidade do texto já aponta para o período da paixão (de Cristo, o Servo Sofredor), que está próximo.


3.Os textos de leitura

3.1 – Marcos 1.29-39

O texto espelha a realidade de Jó: doença, miséria, exclusão social, mas já aponta por intermédio de Jesus para a saída que é o reino de Deus em construção pela cura, pelo afastamento da miséria e pela inclusão das pessoas na vida social e comunitária. Mostra também uma nova espiritualidade na oração, que fortalece na luta contra o sistema deste mundo que impõe a miséria e o sofrimento. Aponta para a itinerância de Jesus para a mobilização em anunciar o novo projeto de vida que é o reino de Deus. Há esperança aqui e agora e para o futuro, o que não aparece em Jó.

3.2 – 1 Coríntios 9.16-23

Diante da realidade miserável do povo não temos opção a não ser anunciar que há esperança e que as coisas vão mudar e que o sofrimento não é vontade de Deus e nem é eterno. Não anunciar o evangelho é perpetuar o sofrimento e a desesperança, é negar a fé em Jesus Cristo. Aqui a liberdade total concedida por Jesus Cristo empurra-nos para os sofridos e desalentados. É a identificação com os fracos para acabar com a fraqueza que a miséria gerou. Aqui há esperança pelo empenho em anunciar a nova realidade criada pela morte e ressurreição de Jesus Cristo.

4. A prédica

O texto aponta para a denúncia profética:

– do sofrimento e da exploração do trabalhador (camponês);
– da desesperança de uma vida sofrida sem futuro;
– do grito contra a opressão do trabalho e da doença;
– da dupla exploração: império persa e ricos israelitas (Ne 5) – hoje capitalistas nacionais e internacionais.

Relacionar tudo isso com as situações análogas de hoje. Acrescentar e relacionar com as leituras do NT que trazem nova esperança, pois o texto de Jó não aponta esperança. O que Jó descreve é a realidade de milhões de pessoas no Brasil. E a conjuntura atual não aponta para uma mudança a curto prazo dessa vida de Jó do nosso povo subjugado pelo capital nacional e internacional.

A conjuntura eclesial também não aponta para um engajamento das igrejas no processo de organização das massas espoliadas; apenas aponta para a individualização de saídas na busca por milagres, curas e pela promessa de prosperidade individual como resultado da fé. Apenas é a reprodução da ilusão criada pelo capital.

Proponho inter-relacionar os textos, pois Jó não aponta saídas e nem esperanças. Os textos do NT apontam para a prática de Jesus Cristo e da esperança vinda dele, propalada por Paulo. O desafio é fazer a comunidade ouvir o clamor e ver as chagas dos Jós de hoje e que estão dentro de seus próprios muros. Os camponeses (também operários) vivem falando da exploração a que estão expostos, mas poucos se encorajam a aliar-se aos movimentos populares camponeses da Via Campesina. Só lamentam, mas são contra a organização do povo empobrecido pelo capital por causa do medo e da alienação. Por isso a IECLB ainda não conseguiu viabilizar as pastorais que acolhem os desalentados de nossas comunidades e fora delas. Falta clareza teológica, que o povo nunca terá enquanto a igreja não iniciar um pro- cesso de formação permanente. A igreja ajuda a perpetuar a miséria de Jó pela sua omissão diante das chagas do seu próprio povo. A igreja vive a realidade de Jó em sua prática eclesial – não mostra e nem vive a esperança por medo da cruz. Não consegue deixar claro e tem medo de dizer que a origem do sofrimento do povo é o capital. O nosso povo também não quer ouvir isso, pois reproduz o sistema capitalista e quer perpetuá-lo achando que não há outro projeto de sociedade além do projeto capitalista. São as palavras de Jó na prática da vida – não há esperança e não há saída. Cabe a nós dizer que há saídas e que há esperança, pois somos servos libertos por Jesus Cristo que assumem a cruz na luta contra a opressão.

5. A liturgia

Versículo de entrada: Queremos iniciar nossa celebração com a palavra da Sagrada Escritura de 1 Co 4.5, que diz: “O Senhor não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações”.

Confissão de pecados: 1 Jo 1.8-9 diz: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. Por isso, agora em silêncio, cada um pode colocar diante de Deus os seus pecados bem pessoais. Confessamos, Senhor, que pedimos muito e agradecemos pouco por tudo o que diariamente recebemos de ti. Confessamos, Senhor, que ficamos indiferentes diante dos problemas e dificuldades de nossos semelhantes, como se eles não existissem. Confessamos, Senhor, que nos falta sempre de novo a humildade e paciência, principalmente em relação a pessoas exploradas, idosas, fracas e enfermas.


Absolvição: O onipotente e misericordioso Deus sempre teve compaixão de nós. Ele deixou que seu Filho unigênito fosse entregue à morte por nós na cruz, perdoa-nos de graça todo o pecado e nos dá a salvação por graça e fé em nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso anuncio o perdão dos teus pecados com a palavra de Deus do Sl 97.11-12, que diz: “A luz difunde-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração. Alegrai-vos no Senhor, ó justos, e dai louvores ao seu santo nome”.

Kyrie eleison: Diante desse gesto glorioso de Deus em nos absolver de todo pecado, nós temos que admitir que ainda continuamos vivendo neste mundo em meio a dores, sofrimentos, exclusões, injustiças e violências; essas dores do mundo nós queremos agora trazer perante Deus. Pela grande angústia e desespero que o desemprego está causando em nosso país. Pelo sucateamento do sistema de saúde que deixa o povo sem assistência e desamparado em sua doença e sofrimento.

Gloria in excelsis: Deus é fiel. Ele escuta o clamor do seu povo e vem a nós nos sacramentos e na sua palavra, como lei e evangelho. Por isso queremos anunciar a glória de Deus e declarar a sua vitória por meio de seu Filho Jesus Cristo, que ele ressuscitou. Deus Todo-Poderoso, te exaltamos pela saúde que temos, não apenas a nossa, mas de toda a nossa família. Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos pelo pão de cada dia que podemos desfrutar em nossa família. Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos pelos amigos e amigas que nos amparam e apóiam em todos os momentos. Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos por poder estar juntos e desfrutar de tua palavra.

Oração do dia: Esteja entre nós, Senhor, para que a nossa mente esteja aberta para a palavra que iremos ouvir agora. Que teu Santo Espírito esteja entre nós e nos fortaleça para que possamos viver essa palavra no dia-a-dia de nossas vidas. Que essa palavra nos anime a viver e proclamar a proposta do teu reino. Amém.

Oração geral da igreja: Queremos trazer agora perante Deus as nossas intercessões. Oremos: Senhor, intercedemos pelos dirigentes tanto do município como do estado e do país, para que tenham a tua sabedoria em suas decisões e para que trabalhem pelo bem de todo o povo e não somente para um pequeno grupo. Oramos, Senhor, pelos jovens para que não caiam nas tentações e ilusões que as drogas oferecem. Dê a pais e mães a sabedoria para que não sejam eles que tragam as drogas para os seus filhos por meio do seu consumo de bebidas alcoólicas e fumo. Oramos, Senhor, pelos casais para que possam fortalecer o seu amor e fidelidade constantemente. Oramos, Senhor, para que nós possamos trazer alento às pessoas que estão enlutadas, doentes, desempregadas, sem esperança e sem terra. Amém.


Bibliografia

BÍBLIA – Tradução Ecumênica (TEB). São Paulo: Edições Loyola, 1994. BÍBLIA VOZES. Petrópolis: Vozes, 1985.
EQUIPE DO CEBI-MG. A Impaciência de Jó. Encontros para círculos bíblicos e semanas bíblicas. In: A Palavra na Vida nº 101. São Leopoldo: CEBI, 1996.
PEGORINI, Nilson I. e OLIVEIRA, Paulo Quiquita de. Proposta de Roteiro para Estudo do
Livro de Jó. In: A Palavra na Vida nº 103. São Leopoldo: CEBI, 1996.


Autor(a): Günter Adolf Wolf
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Epifania
Testamento: Antigo / Livro: Jó / Capitulo: 7 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 7
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2005 / Volume: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23614
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