Hebreus 13.1-8

Auxílio homilético

17/09/1995

Prédica: Hebreus 13.1-8
Leituras: Zacarias 7.9b-10 e Lucas 14.1,7-14
Autor: Nestor Paulo Friedrich
Data Litúrgica: 15º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/09/1995
Proclamar Libertação - Volume: XX


1. Introdução

Conforme Hb 13.22, o objetivo da obra é ser uma palavra de exortação. Goppelt diz que não se trata de uma epístola, e sim de um logos parakleseos, um sermão de advertência, uma prédica (Goppelt, p. 497). A obra tem em vista leitores da segunda geração de cristãos. Como estão distantes dos fatos do evento original, tanto geográfica como temporalmente, precisam ser relembrados da mensagem. O objetivo da obra é, portanto, pastoral. Quer responder a questões bem concretas da comunidade. O texto alterna passagens doutrinárias e parenéticas. Goppelt propõe a seguinte divisão do texto: Os capítulos 7.1-10.18 constituem o auge da epístola. Seu tema é Jesus, o Sumo Sacerdote escatológico. Os capítulos 1-6 levam a esse clímax, caracterizando Jesus como o prodromos, o precursor que entrou no santuário celestial. O anticlímax é formado pela terceira parte, 10.19-12.29, que trazem as consequências parenéticas. O capítulo 13 se parece a um apêndice, que aplica as assertivas da epístola a questões concretas da igreja'' (Goppelt, p. 497-498).

2. Situação da Igreja

Hebreus reinterpreta o Êxodo. Também aqui a Igreja é como um povo que caminha pelo deserto na busca da terra prometida. Contudo, também aqui, a caminhada se mostra difícil. Há perigos, riscos, tentações. Para reorientar as comunidades, o autor busca ' 'resgatar a memória do povo de Deus, a história de Jesus e a história da própria comunidade como forma de animar os seus leitores cansados e atemorizados (Hoefelmann, p. 9).

Os textos que melhor refletem a realidade das comunidades são os parenéticos. Vejamos alguns exemplos:

a) Hb 2.1-4: Há uma supervalorização dos anjos como canais de revelação. A revelação mediada por Cristo é desprezada. A mensagem perdeu a força, o impacto inicial.

b) Hb 3.7-4.11: Temos aqui referência clara ao Êxodo. O passado quer iluminar o presente da comunidade para não incorrer nos mesmos erros, dureza de coração (3.8,13,15); revolta contra Deus (3.8); coração mau e incrédulo (3.13,19); desobediência (4.6-11).

c) Hb 5.11-6.20: Não houve progresso espiritual; necessitam novamente dos princípios elementares da doutrina de Cristo (6.1); as comunidades começaram com entusiasmo a caminhada de fé, mas agora estão dominadas pelo desânimo, pela indiferença, pela estagnação (Hoefelmann, p. 10-11).

d) Hb 10.19-39: Há pessoas abandonando as comunidades.

e) Hb 12.1-13.17: Este trecho parenético mostra que as comunidades passam por momentos difíceis; o testemunho acontece em meio às perseguições e ao sofrimento; a perspectiva de conflitos amedronta as comunidades, levando-as à letargia ou apatia da fé. Falta de confiança, medo diante dos sofrimentos são realidades que emperram a caminhada da comunidade. Em 13.7-17 alude-se também ao risco de doutrinas estranhas, proibições alimentares (Hoefelmann, p. 11).

Os textos refletem a decepção com o fato de o caminho para a terra prometida ser tão longo e penoso. Mais ainda, a igreja estranha o fato de que não se concretize visivelmente a glória prometida e, ao invés disso, aumentem as tribulações. A consequência é o cansaço, o conformar-se com a vida e valores da sociedade de então (13.13). Aqueles que foram chamados a serem cidadãos de um novo mundo acomodaram-se outra vez ao velho mundo (Goppelt, p. 498-499). Endurecem o coração, murmuram contra Deus. Qual é a saída? Como cair fora dessa situação? O autor mostra às comunidades que Cristo é a perfeita e definitiva revelação salvífíca de Deus, justamente por ter sido humilde neste mundo. Quem o abandona já não tem esperança de salvação (Goppelt, p. 499). O autor apóia-se também em exemplos da história passada para animá-los; 17 personagens são relembrados como exemplo de como neles a fé se tornou eficaz. Também a encarnação de Jesus e seu sofrimento solidário são mostrados como um gesto de solidariedade e compaixão (2.14-18) (Hoefelmann, p. 12-13). Lem¬bra-lhes sua própria história, como membros da comunidade lutaram, sofreram e nem por isso foram anulados, mas resistiram (At 16.19-40; 18.12-17; 19.32-40).

3. Texto

O texto previsto para a pregação traz uma série de exortações que são uma consequência de tudo aquilo que foi dito nos caps. 1-12. Essas exortações abrangem a vida como um todo.

V. 1: Exortação ao amor fraternal (philadelphia).

V. 2: Exortação à prática da hospitalidade (philoxeniâ).

Conforme John Elliot, entre amor fraterno e hospitalidade existe uma relação social da mesma forma como linguística. Como o amor, a hospitalidade cria laços sociais. A hospitalidade era o laço principal a dar às igrejas um senso de unidade. Hospitalidade cristã primitiva era um empreendimento de família para família. A hospitalidade foi uma condição da missão e expansão da Igreja primitiva (Elliot, p. 136-137).

V. 3: Lembrai-vos dos encarcerados. Pensa-se aqui em cristãos que foram perseguidos pela sua fé. A exortação de lembrar-se visa muito mais do que apenas trazer à lembrança; visa também à identificação.

V. 4: Exortação ao casamento sem mácula.

V. 5: Exortação contra a avareza.

V. 7: Exortação para se lembrar dos guias. Aqui a comunidade é lembrada de sua própria história, daqueles que já morreram, deixaram seu exemplo, talvez até tenham sofrido o martírio.

V. 8: Exaltação de Jesus. Os ouvintes são confrontados com Jesus como o preexistente (ontem), como o histórico (hoje) e como aquele que vive eternamente (sempre).

O objetivo de Hb 13 é reforçar a solidariedade interna da comunidade.

4. Como Jesus queria as comunidades?

Ao estudar Hb 13.1-8 lembrei-me do livro que tem por título a pergunta acima. O autor do livro é Gerhard Lohfínk. O livro trata da dimensão social da fé cristã. Na introdução do livro Lohfink cita um dos mais influentes teólogos protestantes, Adolf von Harnack, segundo o qual individualismo religioso e subjetivismo são dois conceitos que descrevem corretamente a pregação de Jesus. O reino de Deus vem, aborda os indivíduos, instalando-se em suas almas, e eles o captam. O reino de Deus não vem a uma comunidade; ele vem ao indivíduo. O evangelho está acima das questões das evoluções terrestres; ele não se preocupa com as coisas, mas com as almas das pessoas. Deus e alma, alma e Deus, é o refrão de Harnack.

Harnack não está sozinho com essa imagem individualista de Igreja e redenção. Conforme Lohfink, a ideia de que o Reino de Deus podia vir somente ao indivíduo, que ele era algo profundamente interior, e, que, por isso, a Igreja devia ser, em primeiro lugar, uma sociedade espiritual, estava bem difundida na teologia protestante daquele tempo (Lohfink, p. 12). Somente naquele tempo? A posição individualista da teologia liberal, como se apresenta em Harnack, ainda hoje é ativa em muitas ramificações e metamorfoses. Lohfink cita um exemplo que apareceu em notícia de jornal sobre um posto volante da parte da Igreja: um carro aparelhado com rádio, no qual um padre, um médico e um psicólogo poderiam ser chamados imediatamente, dia e noite. Na realidade, esse posto volante é um símbolo altamente problemático daquilo que a Igreja se tomou, em larga escala, dentro da nossa sociedade moderna: uma Igreja que cuida do indivíduo; uma instituição de fazer ofertas livres a uma quantidade de indivíduos. Isso corresponde exatamente à situação da nossa sociedade de consumo.

A partir dessas questões, Lohfink pergunta: como é que Jesus quis as comunidades? Ele defende a ideia da Igreja como uma sociedade de contraste. Na Bíblia, o povo de Deus sempre foi compreendido como sociedade de contras¬te. Povo de Deus é algo diferente da configuração nacional do tempo de Salomão ou dos asmoneus. Povo de Deus não significa Estado de Israel. Também não é apenas a comunidade espiritual dos devotos que, sendo os mansos na terra, esperam a salvação. Povo de Deus é aquele Israel que tem consciência de ser eleito e chamado por Deus, com toda a sua experiência, o que quer dizer também em toda a sua dimensão social. Povo de Deus é aquele Israel que, segundo a vontade de Deus, se deve distinguir de todas as nações da terra (Dt 7.6-8). À ação libertadora de Deus, que elegeu Israel dentre todos os povos e o salvou do Egito, deve corresponder a conduta do povo de Deus. Deve ser um povo santo com uma ordem social que o distinga das outras nações (p. 169-170). Mais adiante Lohfink diz:

Aqueles que são santificados por Cristo e vivem na sua verdade, distinguem-se assim da forma mais radical da sociedade restante: de sua mentira, de sua não-verdade institucionalizada. Eles são odiados pelos homens, porque desmascaram a sua construção social da realidade como mentira. Pois o mundo se ajeitou de tal maneira que, na sua interpretação da realidade, o verdadeiro Deus não aparece mais. No momento, porém, em que Cristo e, em seu seguimento, a comunidade dos discípulos vive a verdadeira construção da realidade vinda de Deus, a mentira do mundo cai por terra. (P. 179.)

Lohfink escreve de uma forma muito interessante o seguinte:

O que se tem em mente não é uma igreja em que não haja culpa, mas uma igreja na qual da culpa perdoada cresce esperança infinita. O que se tem em mente não é uma igreja em que não haja divisões, mas uma igreja que encontra reconciliação por cima dos seus abismos. O que se tem em mente não é uma igreja em que não haja conflitos, mas uma igreja que resolve os conflitos de maneira diferente da sociedade restante. O que se tem em mente, por fim, não é uma igreja em que não haja cruz nem histórias de sofrimento, mas uma igreja que constantemente pode festejar a Páscoa, porque ela morre, na verdade, com Cristo, mas também ressuscita com Ele. (P. 202.)

5. Pistas para a prédica

Como Jesus quer a nossa comunidade? Acredito que esta pergunta seja um bom ponto de partida! As exortações de Hb 13.1-8 são abrangentes, atingem praticamente todas as esferas de nossas vidas. As questões são bem práticas!

Comunidade = sociedade de contraste! O que distingue a comunidade da sociedade restante? A prática da comunidade chega a questionar/denunciar os valores da sociedade em que vivemos com sua cultura individualista, consumista, espiritualista; com sua ética de morte e mentira?
Onde percebemos sinais daquilo que Hb 13.1-8 pede? Qual dessas exortações é mais importante no momento em que vivemos? Temos experiências /exemplos que poderiam ser compartilhados e desta forma servir de motivação, sinal de que vale a pena lutar, integrar-se na caminhada da comunidade? Lembro que na obra de Hebreus são arrolados 17 personagens para motivar a comunidade. Não seria interessante fazer uma retrospectiva da história da comunidade e arrolar os momentos de crise vencida pela teimosia da fé, pela garra, pelo envolvimento? Lembrar fatos onde o evangelho agiu na vida de pessoas, famílias, casais, jovens? Onde a fé provocou mudanças, abriu horizontes? Aquelas pessoas que estão envolvidas com o trabalho do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor não teriam uma experiência para compartilhar? E os casais reencontristas? Aquelas pessoas que integram equipes de liturgia, presbitérios, grupos de JE? Não há nada para contar? E a experiência em sindicatos, cooperativas, ela não é importante? Não nos traz mais informações, orientações? Todas essas experiências não ajudam a comunidade a ter um senso maior de unidade, força, resistência diante das adversidades? Não é uma forma de desmascarar a realidade de morte, mentira, injustiça em que vivemos?

Penso que a prédica não deve ser um Aqui e Agora que enterre as pessoas mais do que já estão, mas deve resgatar experiências, animar, convidar a uma prática de fé que vê possibilidades apesar dos pesares!

6. Bibliografia

ELLIOT, John J. Um Lar para quem não Têm Casa. São Paulo, Paulinas, 1985.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. São Leopoldo, Sinodal; Petrópolis, Vozes, 1982. v. II.
HOEFELMANN, Verner. Alento para os Cansados e Atemorizados. In: WEGNER, Uwe, comp. Estudos Bíblicos. Petrópolis, Vozes; São Leopoldo, Sinodal, 1992. v. 34, p. 9-14.


Autor(a): Nestor Paulo Friedrich
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 15º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Hebreus / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1994 / Volume: 20
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13056
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