Isaías 60.1-6

Auxílio Homilético

06/01/1992

Prédica: Isaías 60.1-6
Leituras: Efésios 3.2-12 e Mateus 2.1-12
Autor: Friedrich Erich Dobberahn
Data Litúrgica: Dia da Epifania
Data da Pregação: 06/01/1992
Proclamar Libertação - Volume: XVII


VIMOS A SUA ESTRELA AMARELA NO ORIENTE

1. Nota introdutória

O texto previsto para a prédica — Is 60.1-6 — já foi trabalhado duas vezes: por E. S. Gerstenberger em PL V, 1979, pp. llss., e por A. Baeske em PL VIU, 1982, pp. 92ss. Não faltam, portanto, boas exegeses e reflexões hermenêuticas sobre Is 60.1-6. Como não pretendo repetir o que os meus dois antecessores já colocaram, gostaria de me aventurar em três meditações temáticas bastante soltas sobre o mau-rial associativo e simbólico do texto.

2. Meditação I

O rosto de Maria no texto

Estudando o texto da prédica e folheando nos comentários, tive a forte impressão de que Is 60.1-6 e outros textos a seu redor, originalmente, foram criados por mulheres. Tal autoria transparece na vista pelos imperativos e sufixos femininos nos vv. 1ss. e, sobretudo, pelos motivos e imagens de Is 52; 54 e 62. Para a prédica sobre Is 60.Iss. caem na vista três aspectos:

a) A antiga capital, Jerusalém, tinha antes da guerra de 589-586 a.C. a aparência de um dos Leões da História Mundial: era uma fortificação, uma guarnição de tropas de elite, a sede do alto comando do exército israelita, o centro do poder. Agora, Jerusalém não apresenta mais os aspectos de um guerreiro valente; tomou se uma mulher — uma mulher escravizada (Os 52.3), estéril (Is 54.1) e abandonada (Is 54.6; 62.4). E há mais um aspecto significativo a respeito de tudo isto: ao conda rio da antiga tradição da epifania de Javé (cf. Nm 24.17; Jz 5.4ss.; Sl 18.8ss.; Is 59.17ss.; Hb 3.3ss.) — faltam em Is 60.1-6 todos os aspectos de vingança, guerra e violência.

b) Jerusalém não defende mais os seus antigos interesses militares e imperialistas. Depois das deportações, da alienação, exploração e empobrecimento, a filha de Sião almeja pela libertação dos deportados e pela restituição dos tributos (vejo entre v. 4 e v. 5 um paralelismo). Ao que parece, os w. 6ss. antigamente não falavam de um enriquecimento capitalista (vv. 6b,9,16,17), nem de um culto sacrificial O substrato mais original do texto, aparentemente, falava da reanimação da natureza e do povo devastados (w. 4,6a,7a,8,13,15,22).

c) Assim sendo, as filhas de Sião que se aninhavam na sombra dos muros derrubados (Is 60.10) e sofriam as trevas de sua época (v. 2b), esperavam uma mudança radical: ansiaram por uma luz que não simplesmente iluminasse a escuridão ou invertesse a estrutura da sociedade, mas transformasse o mundo: à luz da epifania de Javé, os antigos inimigos e até os próprios exploradores (Is 62.8s.) vão chegar ao Sião e adorar o Deus da libertação dos escravos: por vontade própria! (Is 60.3,6).

Uso, a seguir, além de trechos bíblicos, passagens de um texto criado pela Turma do Sopão, um grupo de mulheres organizadas na Vila Duque, São Leopoldo/RS (Vale do Sinos, 01-02/12/1990). Este texto nos ajudará a tornar mais concreta a situação, para qual a luz epifânica é anunciada.

É noite ainda e falta luz...

— quando impera a fome (Is. 49.19; Ag 1.6ss.; 2.16ss.; Ml 3.11; Ne 5.3; 10.32) e as filhas de Sião adentram o recinto da sopa, trazendo em seus braços um filho magrela de barriga intumescida pelos vermes e a pele ressequida pela subnutrição. .. É noite ainda e falta luz, quando suas pernas ásperas e peludas com cicatrizes variadas e os pés calejados de tanto caminhar mal conseguem suportar tanto peso...

É noite ainda e falta a luz...

— quando ainda imperam injustiça, violência e escravidão (Is 58.3s., 6s.; 59.3s., 14; 60.18,21; Zc 7.10; 8.10; Ml 3.5; Jó 7.1ss.; 20.19; 24.4ss.; 30.1ss.; 31.16ss.), e o parceiro momentâneo (Ml 2.13ss.), embriagado por causa disto tudo, chega e bate nelas, e as filhas de Sião, subservientemente, vão requentar a janta, muitas vezes chorando...

É noite ainda e falta luz...

— quando os poderosos tiram os .campos das mãos dos pequenos agricultores (Ez 33.24; Zc 5.3s.; 8.10) e os obrigam a pagar por projetos ambiciosos e faraônicos (Is 57.15; 66.Is.; Ne 4.4), e as filhas de Sião escutam os velhos discursos de velhos homens que, numa eterna cantilena, tornam as perspectivas ainda mais sombrias; e a situação toda tende a não sofrer grandes modificações (cf. Is 59.9ss.)...

É noite ainda e falta luz...

— quando os dominadores estrangeiros impõem um pesado sistema de impostos (cf. Ed 4.13; Ne 5.4; 9.37); e, por tanto sofrer, as vicissitudes da vida dura, afinal, tornam as pessoas insensíveis perante a dor do próximo, desaprendendo os sentimentos nobres da solidariedade...

Levando em conta todas estas observações, lembrei-me, de repente, de um versículo do Magnificat: Ele olhou para a humildade de Sua serva! Lc 1.48 tal como Is 60.1-6 qualificam a realidade social dos pobres como lugar teofânico.

Descobri em Is 60.1-3 alusões a Lc l,78s.; 2.32..., em Is 60.3-6 uma referência a Mt 2.11 eLc2.31..., em Is 60.4b,6a,7a,13,15,22 aspectos de Lc 1.13,31,36,42,57; 2.7,11...

Eu sou Maria/ a minha missão
é gerar o Cristo/ e fazer Igreja em cada coração.
(A. M. Galvão, p. 27.)

3. Meditação II

A divinização da energia e o brilho do capitalismo

O conceito da luz, hoje em dia, pertence mormente ao âmbito industrial da técnica e da factibilidade. A gente dispõe da luz, mede, produz e consome a mês ma. Vivemos numa época da secularização do céu azul e da divinização da energia:

* ano-luz, velocidade da luz, energia solar...

* luz elétrica, rede de luz, usinas hidrelétricas, energia nuclear, usinas nucleares..

3.1. A divinização da luz, isto é, da energia

Na luz, ou seja, na energia e, relacionado com isto, na velocidade (guerra-relâmpago, etc.), as modernas sociedades industriais encontram hoje sua salva cão. Expressão profética disto eram os dois Manifestos Futuristas de 1909 e 1916 do fascista italiano F. T. Marinetti. Cito, a seguir, os respectivos parágrafos que divinizam a energia e a velocidade (cf. E. Fromm, pp. 459s.):

Cantaremos o fervor noturno vibrante dos arsenais e dos estaleiros, chamejantes de candentes luas elétricas; as vorazes estações ferroviárias que devoram serpentes fumegantes, as fábricas, suspensas das nuvens pelos fios encurvados de sua fumaça; as pontes que, como atletas gigantes, saltam por cima dos rios, cintilando ao sol como se fossem o brilho de punhais; os navios aventureiros que, a pleno vapor, aspiram o horizonte; as loro motivas de amplo tórax que, refreadas por tubulações, marcham nos carris como cavalos de aço; e o voo suave dos aviões, cujas hélices chilreiam ao vento como estanciai lc'. e parecem aplaudir como uma multidão entusiástica (...).

Não é por acaso que Marinetti, levado por sua divinização brutal da energia, glorifica em outras passagens de seus manifestos a guerra como a única higiene que o mundo conhece, celebra militarismo e patriotismo como gestos destrutivos dos que trazem a liberdade, despreza a mulher e conclama à destruição de museus, bibliotecas e academias. Quanto à velocidade, Marinetti quer purificar o mundo todo da vagareza, estagnação e da exaustão no sentido mais amplo (!):

Os preguiçosos são eliminados e o mundo se torna assíduo,
os feios são eliminados e o mundo se torna bonito,
os doentes são eliminados e o mundo fica são,
os tristes são eliminados e o mundo se torna alegre,
os idosos são eliminados e o mundo fica jovem,
os inimigos são eliminados e o mundo se torna amigo,
os maus são eliminados e o mundo se torna bom...
(Erich Fried, poeta alemão contemporâneo, denunciando o holocausto).

Marinetti continua:

O tempo e o espaço morreram no dia de ontem. Já vivemos no absoluto, porque criamos a velocidade eterna, onipresente (...). Se oração significa comunicação com a divindade, a corrida em alta velocidade é uma oração. Sacralidade das rodas e das estradas de ferro! Deve-se cair de joelhos sobre os carris para orar à divina velocidade! Deve-se prostrar de joelhos perante a velocidade enorme de um giroscópio (...)! A embriaguez das altas velocidades nos automóveis não é outra coisa do que a êxtase de sentir-se fundido à divindade única (...). A destruição vindoura de casas e de cidades para criar espaço em benefício de grandes lugares de encontro de carros e aviões!


3.2. O capitalismo aureolado de estrelas...

Ao que parece, Is 60.2 descreve a vinda de Javé como surgimento de um astro (cf. Is 9.1; Mt 2.1-12) que até torna supérflua a luz do sol e da lua (Is 60.19). De maneira semelhante ao que ocorre com a secularização da luz e a divinização da energia, as estrelas viraram hoje símbolos de competência, do sucesso e do mérito capitalistas. Perverteram, afinal do mesmo modo, seu caráter da epifania. Agora, é por seu brilho que poder e capitalismo apresentam-se como eleitos e mediadores legítimos da salvação:

* A estrela da Mercedes-Benz...

* Se você tem o Cheque Estrela, faz tudo de um jeito 5 estrelas! Cliente Estrela aproveita muito mais...

* O hotel 5 estrelas o cliente também...

* Stars and stripes (a bandeira dos Estados Unidos)...

* O teatro de guerra no Golfo Pérsico tem uma nova estrela, o caça F-117A, o avião invisível...

* Um disco-voador desconhecido traz consigo o amor cósmico e rompe a blindagem espacial do ódio. Este se enfurece, disparando seu fogo infernal. Mas o Míssel do amor vencedor continua zunindo pelo mundo, eliminando as forças do mal... (Pop-Scene).

* Vocês são os responsáveis! Esta é a sua justiça! Esta é a civilização ocidental (...) como se fôssemos peles-vermelhas! Acham que isso é uma brincadeira? Não é não, não é! (Uma mulher iraquiana, denunciando os bombardeios de Bagdá pelos norte-americanos, cf. Zero Hora, 02/02/1991).

* Uma ficção científica vira realidade: a Guerra nas Estrelas...

* A estrela de um holocausto perfeito: a estrela amarela dos judeus no Terceiro Reich na Alemanha...

* Jesus Christ — Superstar — apenas uma estrela de Hollywood...?

3.3. Fazer brilhar NOSSA estrela...

Se existiram culturas que veneravam o caráter epifânico, ou seja, o aspecto escatológico da luz, são estas as culturas do Antigo Oriente. Elas desconheciam ainda a pasmosa mescla entre energia, técnica e necrofïlia, se bem que os poderosos se considerassem os eleitos e privilegiados da luz solar:

Ó sol fecundo que produzes
o dia com (teu) carro brilhante (...)!
Oxalá nada possa contemplar maior
que a cidade de Roma!
(Horácio, poeta Latino, 68-8 a.C., carmen saeculare).

Assim sendo, existem diferenças gradativas no que diz respeito à mediação religiosa da luz. O anúncio da luz em Is 60.1-6 me parece bastante próximo da declaração revolucionária do rei egípcio Akhenaton (Amenófis IV, 1364-1347 a.C.). Ele proclamou Aton, o disco solar, visto por todos, como o único Deus: São seus braços (raios) que comunicam a salvação sem a mediação de ninguém à humanidade toda. Em outras palavras: Segundo esta proclamação, não se precisava mais de uma mediação institucionalizada para ser salvo. Basta citar aqui uma oração, feita ao disco solar na época do rei Akhenaton (cf. Chr. Jacq, pp. 128s.):

Eu respiro o doce sopro que sai da Tua boca.
Eu vejo tua beleza, todo dia.
É meu desejo ouvir a Tua doce voz
semelhante ao vento do norte,
de sentir meus membros revigorados pela vida, graças a Ti.
Dá-me Tuas mãos que seguram Teu espírito
que eu possa receber, viver por meio dele.
Lembra-Te do meu nome na eternidade
e ele não perecerá jamais.

É pelas mãos do sol que a luz da salvação desce sobre todos os seres. O povo egípcio, quando celebrava os ritos em honra de Aton, estava autorizado a percorrer todas as salas do templo e tornava-se conviva privilegiado no banquete divino. Por causa desta não-mediação da salvação, caiu o monopólio das elites dirigentes de transmitir e administrar a salvação a favor de seus próprios interesses. É esta também a utopia de Is 60.1-6: Cada crente torna-se um eleito de Deus e de Sua providência até bem material (cf. Is 60.4ss.!). Com os raios da salvação, a mesma chega aos seres humanos de maneira direta, não sendo mais aprisionada dentro das partes secretas dos santuários ou desmaterializada pela ideologia das castas dominantes. ('a be lembrar aqui o fato de que a reforma religiosa de Akhenaton desencadeou uma revolta social contra o sistema esclerosado de Amon-Rê (cf. Chr. Jacq, pp. 109ss.; 139ss.) e que, segundo Is 66.1ss. (cf. também Is 57.15; 65.17ss.), o povo israelita, na situação pós-exílica de Is 60.1ss., opôs-se aos planos ambiciosos da reconstrução do templo em Jerusalém (cf. J. Pixley, pp. 93s.).

Luz, quero luz!
Sei que além das cortinas/ são palcos azuis
E infinitas cortinas/ com palcos atrás
Arranca, vida/ estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa/ pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais...
(Chico Buarque, Vida, minha vida...)

3.4. Tudo isto me leva à seguinte reflexão:

É verdade: apesar de inúmeros fracassos — Plano Cruzado, Plano Verão, Pia no Collor I — a nossa sociedade promove ainda a ideologia futurista de Marinetti: a eficiência, a produtividade e a perfeita factibilidade. Expressão nítida disto é, não por último, a política energética, a instalação de usinas nucleares, a produção e exportação de armas, a discriminação da mulher, a marginalização dos fracos e exaustos, a destruição do meio ambiente em benefício de auto-estradas e aeroportos...

Já temos constatado acima que o moderno poder industrial sobre a luz acabou em uma secularização capitalista da estrela de Belém e em uma divinização da técnica energética. E esta ideologia futurista levou a uma sensação teológica bem parecida: à ideia branca, rica e masculina de ser capaz de dominar, medir, produzir, industrializar e mediar até a luz da salvação.

O meu colega na EST, Gerhard Tiel, contou de uma experiência chocante que teve por ocasião de um culto na Igreja Pentecostal Deus é Amor, no centro de São Paulo. Este exemplo mostra bem que tipo de salvação, afinal, nosso capitalismo aureolado de estrelas consegue passar para os pobres:

Quem é um vencedor em Jesus?, grita a voz de um dos pregadores. Mais ou menos a metade dos participantes do culto — gente pobre que mal sabe o que vai comer amanhã — levanta-se, respondendo: Eu!, agitando freneticamente um tipo de cartão ou certificado. Ouve-se outra vez a voz do pregador: Quem quer ser também um vencedor em Jesus? Levanta-se, agora, a outra metade de suas cadeiras, fazendo o mesmo barulho de júbilo. Cerca de 30 ou 40 assistentes percorrem a sala, distribuindo cartões em três diferentes cores. Os cartões revelam-se, de fato, como certificados para os vencedores. Quem se compromete a realizar um jejum (!) de cinco, dez ou quinze dias, acompanhado por uma oração de 30 minutos por dia, é declarado como vencedor em Jesus e ganha um documento de uma, três ou cinco estrelas (como um xerife ou general). Segundo este sistema norte-americano de emagrecimento cristão, tal vencedor se torna um fazedor de sua própria salvação... É noite ainda e falta luz...!

4. Meditação III

Vimos a sua estrela amarela no Oriente

O escritor alemão Geno Hartlaub nos relata sobre uma meditação sua, feita durante a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, numa capela perto do front. Preocupado com a deportação dos judeus para os campos de concentração, ele leu o texto de Mt 2.1-12, alterando acidentalmente o sentido do versículo 2: Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela amarela no Oriente, e viemos para adorá-lo... (segundo H. Schröer, p. 101).

Por este incidente, G. Hartlaub foi levado a anunciar a verdadeira luz de Deus como vindo dos campos de extermínio; chamou a seus camaradas a adorar um Deus discriminado, perseguido, torturado, enforcado ou fuzilado.

Todo o Terceiro Mundo está coberto por um gigantesco arquipélago de lugares que se distinguem de Bergen-Belsen (campo de concentração) unicamente pelo fato de que não têm arame farpado em volta. (F. Hinkelammert, p. 241).

A verdadelra epifania de Cristo permanece a epifania da estrela amarela. Na escuridão da Sexta-Feira-Santa a' 'estrela de Belém transforma o mundo (2 Tm l. 10).

Lembro-me aqui de vários testemunhos de pessoas que tiveram experiências com uma epifania, o que acabou sendo uma vocação entre portadores da estrela amarela:

Ezequiel em meio aos exilados, conforme Ez 1.4ss.; Paulo a caminho de Damasco, conforme At 9. Iss.; João, exilado na ilha de Patmos, conforme Ap l. 12ss., etc.

O místico muçulmano Al-Husayn ibn Mansur al-Hallag vivenciou as revoltas de escravos negros ao sul do Iraque, no século IX d.C. Estes escravos haviam sido deportados do leste da África para os desertos do Iraque, onde tinham de retirar a crosta salinizada do solo. Concentrados em grandes grupos viviam em miséria absoluta. Afinal, rebelaram-se em 869 d.C., chegando até a instalar uma república própria que, em 883 d.C., foi extinta com a máxima crueldade. Tendo assistido a estes acontecimentos, al-Hallag ocupou-se com a pergunta pelo verdadeiro caráter de Deus. A partir de uma visão de luzes, na qual ele se teria unido com Deus, al-Hallag chegou a uma proclamação libertadora de Deus, em que idelas místicas mesclavam-se com doutrinas sociais. Em 922 d.C., al-Hallag foi executado, em Bagdá, como herege. É dele o seguinte poema sobre a luz do sol:

Nunca o sol nasce/ nunca seu brilho se põe,

sem que meu espírito/ procurasse a ti!

Nunca estou sentado/ falo com meus amigos,

sem que fosses, enfim,/ tu a minha palavra!


Nunca eu tomei/ sedento um copo d'água,

Sem que visse nele/ a tua santa imagem!

Nunca eu respiro/ seja em luto ou alegria,

sem que com meu hálito/ me lembrasse de ti!

 

Jacques Lusseyran, cego desde o nono ano de sua vida e confinado ao campo de concentração de Buchenwald por seu envolvimento na resistência francesa contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, relata sobre uma experiência parecida que teve, em meio ao inferno e às torturas da SS (p. 219):

A vida tornou-se substância dentro de mim. Com uma força mil vezes mais forte do que eu invadiu minha cela. Ela não consistiu de carne e osso, certamente não! Nem de ideias. Veio para dentro de mim como uma onda de grande esplendor, como uma carícia da luz. Experimentei-a além dos meus olhos, da minha testa... Ondas desta luz tocaram em mim, vieram em cima de mim; deixei-me carregar por elas... Da profundeza de minha estupefação gaguejava nomes. Não, certamente não fui eu quem os falava. Retiniam sozinhos: Providência, Anjo da guarda, Jesus Cristo (...). Bebi des¬ta fonte, bebi e bebi. Não quis mais deixar deste rio (...), da vida plena que protegeu a minha vida.

André Frossard, ateísta, jornalista francês, entra no dia 8 de julho de 1935 numa capela na Rua d'Ulm em Paris, à espera de uma amigo seu. São exatamente 17.10 h da tarde. Frossard, um pouco impaciente, coloca-se perto da saída, procurando por seu amigo que, entre os ajoelhados em frente do altar, se atrasa. Seu olhar vagueia de um objeto para o outro, da custódia com a hóstia para um grupo de religiosas, e fixa-se, de repente, sem saber por que, em uma vela acesa sobre o altar, à esquerda da cruz. É neste instante que irrompe uma onda de milagres. Ele vê como o céu se abre e cai em cima dele com força de uma tempestade, de uma avalancha de luz. Frossard percebe uma luz cristalina de claridade infinita, um mundo de esplendor inesgotável. O universo lhe desvela a sua verdade: a nítida evidência e plenitude de Deus (pp. 132ss.).

Uma boa resenha de trechos bíblicos que dão resposta à pergunta como se age como iluminado, apresenta o volume IV, 3 (2) da Dogmática de Karl Barth (pp. 584ss.), onde se fala da vocação. Coloco, a seguir, um sucinto resumo:

É nada menos do que a luz maravilhosa de Deus, para a qual a pessoa cristã é chamada para fora das trevas (l Pe 2.9). É a luz do Cristo Ressuscitado que lhe resplandece e a ilumina com a dádiva de uma vida nova. Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará!, diz-se a ela em Ef 5.14 (...) Os cristãos são aqueles que, uma vez por todas, foram iluminados (Hb 6.4; cf. 10.32). É este o seu consolo firme, mas também sua imensa responsabilidade (...). O cristão torna-se, longe de ser um simples espectador da luz, um filho/uma li lha de luz (Jo 12.36; l Ts 5.5; Lc 16.8). Daí, ele/ela (...) é tirado/a da escuridão (Jo 8.12; 12.46) (...). A sua comunhão com Deus, que é luz e não escuridão( 1 Jo 1.5), torna-se visível dentro e fora de sua comunidade (Mt 5.14ss.; Jo 3.21; Fl 2.15; 1 pe 2.9).

Um velho rabino perguntou certa vez aos seus discípulos: Como é que se reconhece a hora em que termina a noite e começa o dia? Um deles respondeu: É quando se distingue, de longe, um cachorro de uma ovelha? — Não!, disse o rabino. É quando se distingue, de longe, uma tamareira de uma figueira?, perguntou um outro. Novamente, o rabino sacudiu a cabeça. Mas, rabbi, é quando? perguntaram os discípulos. O rabino respondeu, É quando tu olhas para o rosto de uma pessoa qualquer e vês nela teu irmão e a tua irmã. Enquanto não acontecer isto conosco, é noite ainda e falta luz...

5. Subsídios litúrgicos

1. Hino inicial: HPD n° 38

2. Intróito: SI 36.10 (Na Tua luz vemos a Luz!)

3. Confissão de culpa: 2 Co 4.3-6

4. Anúncio da graça: Cl 1.12-14

5. Oração de coleta: Ef 1.17-20

6. Credo Niceno: (Deus de Deus, Luz de Luz...)

7. Hino antes da prédica: HPD n° 39

8. Hino depois da prédica: HPD n° 41

9. Oração final: Ef 5.8-17

10. Hino final: HPD n° 40, estrofe 7.

6. Bibliografia

BARTH, K. Die Kirchliche Dogmaük. Vol. IV, 3 (2), Zürich, Evangelischer Verlag AG., 1959.
FROMM, E. Anatomia da destrutividade Humana. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.
FROSSARD, A. Gott exístiert — Ich bin ihm begegnet. Freiburg/Basel/Wien Her-der, 1970.
GALVÃO, A. M. Magnificat — O Evangelho segundo Maria. Petrópolis, Vozes, 1987.

HINKELAMMERT, F., in: VV.AA. A Luta dos Deuses. São Paulo, Paulinas, 1985. 

JACQ, Chr. Akhenaton e Nefertiti — o casal solar. São Paulo, Hemus, 1978.
LUSSEYRAN, J. Das wiedergefundene Licht. Stuttgart, dtv/klett-Cotta, 1989.
PIXLEY, J. A história de Israel a partir dos pobres. Petrópolis, Vozes, 1989.
SCHRÖER, H. Meditação sobre Mt 2.1-12. In: Predigt-Studien. Vol. I, 1. Stuttgart/Berlin, Kreuz Verlag, 1984, pp. 100-104.


Autor(a): Friedrich Erich Dobbernahn
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania

Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 60 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1991 / Volume: 17
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17970
REDE DE RECURSOS
+
É isto que significa reconhecer Deus de forma apropriada: apreendê-lo não pelo seu poder ou por sua sabedoria, mas pela bondade e pelo amor. Então, a fé e a confiança podem subsistir e, então, a pessoa é verdadeiramente renascida em Deus.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br