Lucas 7.11-17

Auxílio Homilético

18/09/1983

Prédica: Lucas 7.11-17
Autor: Rui Bernhard
Data Litúrgica: 16º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 18/09/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII


I — Considerações sobre o texto

O nosso texto faz parte do contexto maior de Lc 7.1-50, o qual ressalta a compaixão de Jesus para com os pequenos e fracos (7.28). A cura do servo do centurião é como uma introdução ao trecho 7.11-17. Aqui a compaixão de Jesus se torna evidente no fato de que ele não devolve apenas a vida ao jovem. Muito mais, sua ação se refere à mãe, pois a vida do rapaz significa vida para a mãe, que, como viúva e mulher, é marginalizada peia sociedade, e, sem o amparo do filho, não teria condições de sobreviver. Com o filho restituído ela recebe de volta, aquele que é legalmente responsável pelo seu amparo (Schmithals).

Além deste exemplo, podemos constatar mais dois casos de ressurreição de pessoas nos evangelhos: a ressurreição da filha de Jairo (sinóticos), e a ressurreição de Lázaro (Jo 11). Mas deve-se ressaltar que tais milagres não são colocados numa ordem de valores superior. Eles se apresentam em estreita ligação com outros sinais e milagres de Jesus (Lc 7.22; Mt 11.5). Todos os milagres estão lado a lado. como expressão da misericórdia de Deus e de seu senhorio sobre doença, sofrimento e morte. São expressão da preocupação de Jesus pelo homem, através do que ele quer estabelecer um novo relacionamento entre o homem e Deus. (Weingaertner)

V.11: Deparamos aqui com o Cristo a caminho. O inicio do v.11 indica claramente uma relação com o texto anterior. A marca da ação de Jesus é a sua compaixão (v.22). Por isso, a multidão o acompanhava, além dos discípulos. Sinais de amor e solidariedade eram coisa rara para este povo sofrido, que vivia sob o jugo da opressão.

V.12: Antes do portão da cidade, a comitiva da vida encontra a comitiva da morte. (Grundmann. p. 159) A morte causava impacto na sociedade, especialmente a morte de um jovem. Por isto uma grande multidão acompanhava o cortejo, em sinal de solidariedade.

V. 13: Versículo chave para a interpretação do texto. A maioria dos milagres de Jesus tem a marca de sua compaixão. Já nas tentações Jesus deixava claro que não tinha necessidade de se auto-afirmar diante da opinião pública, usando milagres para mostrar sua força. Mas a situação de sofrimento de pessoas leva-o a agir em favor delas.

Considerando que a morte se tornara o maior inimigo para esta mulher, Jesus se compadeceu dela. E a primeira coisa que faz é dar a ordem: Não chores! É o reconhecimento do poder da morte, que não se pode desprezar. Mas a ordem, por outro lado, indica que a morte não é poder absoluto.

V.14:0 KYRIOS entra em ação. Ele tem poder para transformar a situação de sofrimento em esperança. Este mesmo poder faz todo um cortejo fúnebre parar, para indicar um novo caminho para o mesmo: agora não mais em direção à morte (cemitério), mas em direção à vida. Isto se torna claro na ordem: Levanta-te! É o KYRIOS em ação. Só profetas tinham a autoridade de proferir tal ordem, quando mandados por Deus (ex.: 1Rs 17.8-24).

V.15: Sentar-se — mas principalmente falar — é uma prova evidente de vida. A vida, portanto, volta para aquela mulher, através da vida de seu filho. Isto significa perdão, vida e justificação para aquela mulher, diante do povo. Jesus coloca um sinal de seu poder absoluto sobre a morte, o que aqui tem como motivação a sua grande misericórdia. (Grundmann, p. 160)

Toda a ação de Jesus é iluminada a partir da Páscoa. Pois, não houvesse Jesus ressuscitado, esta história não seria nada mais que um milagre estranho, difícil de ser interpretado a partir da fé. Quando somos confrontados com sofrimento e morte, só Jesus tem o poder de dizer não chores!. E, a partir desta ordem, ele pode transformar o choro em alegria e esperança. A partir dai, os homens podem passar a viver e sentir o novo céu e a nova terra, o que é um privilégio de todos os que crêem no senhorio de Jesus.

V.16: Na ajuda misericordiosa de Jesus, Deus se encontra com o seu povo. (Schürmann, p. 403) Deus se torna hóspede de seu povo, através deste, que aqui é chamado de profeta. Torna-se realidade a promessa de Deus: Graças à misericórdia de Deus, pela qual nos visitará... para alumiar os que jazem nas trevas... (1.78s) Na ação de Deus se mostra a graça de Deus. Isto leva ao temor (respeito e reverência) e à glorificação a Deus. Pois não é só a transformação de uma situação material que aqui se quer ressaltar, mas a esperança da nossa ressurreição, juntamente com Jesus.

O louvor do povo que entende esta verdade deve conquistar o seu lugar no culto da comunidade de Jesus Cristo. Quando Deus está presente, sua comunidade passa a louvá-lo.

V.17: Este versículo deve fazer parte da perícope, para mostrar que a ação de Jesus deve ser transmitida adiante. Sua ação rompe as fronteiras deste mundo e se espalha. Assim é Deus. Ninguém pode segurar, esconder ou deturpar a sua verdade e misericórdia.

II — A caminho da prédica

Considerando os milagres de Jesus, muitas pessoas perguntam por que não acontecem da mesma maneira hoje. Por outro lado, porém, podemos ver, frequentemente, pessoas que dizem ter dons especiais de cura. Os mesmos são propagados pelo mundo afora. Podemos ver, especialmente na televisão, o grande espaço que recebe a religiosidade popular. A intenção que se tem com isto é, em primeiro lugar, o IBOPE. Mas também se quer alimentar um povo sofrido com falsas ilusões e esperanças, e desta forma mantê-lo satisfeito e ocupado, para não ter tempo de refletir sobre sua situação de marginalizado. Futebol, carnaval, e outras artimanhas e manobras se enquadram muito bem aqui.

Neste ponto precisamos perguntar: Por que pessoas apelam para os expedientes de milagres e para o sobrenatural? Isso geralmente acontece, quando existe o sofrimento, que é incômodo. O homem não consegue carregar esse fardo. Por isso, procura libertar-se do mesmo, de qualquer maneira. Milagres passam, então, a ser uma exigência de pessoas que têm uma fé popular. Parte-se dos milagres de Jesus, o que parece que dá direitos ao crente de poder exigir o mesmo tratamento.

A ação de Jesus, no entanto, não nos dá direitos, pois é motivada por sua compaixão. O milagre acontece por graça de Deus, por amor aos homens. Nenhuma ação humana, nem a nossa fé, justifica qualquer ação de Deus. Junto a ele, sempre permaneceremos aqueles que necessitam de perdão. Não somos merecedores de mais nada. Assim, também a ressurreição de Jesus não é apenas um golpe de sorte, na qual ele apostou, mas resultado de sua obediência ao Pai. Não houve preocupação por recompensa, mas simplesmente obediência em amor.

Partindo destas considerações, podemos localizar a compaixão de Jesus em nossa perícope, conforme nos mostra o próprio esquema:

1. 'Em primeiro lugar, é ressaltada a gravidade da situação: o cortejo fúnebre se dirige ao cemitério, para o enterro do filho único de uma viúva Não é a morte propriamente dita que está no centro das atenções, mas, acima de tudo a situação daquela mulher, que, com a morte de seu filho único, está ao desamparo. Jesus não fica insensível a esta situação e pára.

Em nossos dias também temos exemplos de pessoa que estão ao desamparo e esperam por uma ação de amor de Deus, através de irmãos, com quem vivem: são as pessoas idosas, que esperam pela ressurreição do amor de seus filhos, que os marginalizaram e simplesmente os estocaram nos asilos; são os menores abandonados, que esperam pela ressurreição do amor daqueles que deviam sentir-se compadecidos, por causa de sua situação, mas, por não sentirem este amor, só encontram uma saída: a delinquência.

Todos os marginalizados das favelas, nas cidades, estão à espera da ressurreição de leis justas que sejam cumpridas e que procurem não apenas continuar a dar-lhes esmolas, mas que se preocupem, de fato, em analisar os fatores que os mantêm marginalizados, e de que, a partir dai, se procure transformar toda a situação em que vivem.

Poderíamos citar muitos outros exemplos, de acordo com as situações diferentes de cada um, onde se espera sinais de amor através de nós, os instrumentos de Deus.

2. Jesus vê a situação de sofrimento da pessoa e sente compaixão. Ele não passa de largo, mas caminha pelo mundo, com os olhos voltados para as pessoas e as situações em que se encontram. E, em todos os lugares, onde pessoas estão em sofrimento, ele pára. Não faz isto por ser um bom político, mas porque se interessa pelas pessoas.

Vemos que em nosso meio os milagreiros transformam o seu suposto dom de curar em profissão. Para tanto, abusam dos exemplos de cura de Jesus, usando os mesmos como fachada, apenas.

Jesus, ao contrário, procura as pessoas. Por isso, pára junto ao sofredor. Enxergar a situação de sofrimento e ter sensibilidade para a situação da pessoa ao lado não depende de dons especiais ou carismas. Tudo isso depende unicamente de nossa fé. que entende o amor de Deus. Então os atos de amor serão apenas uma consequência normal.

3. Deus se compadece e age, como consequência do seu amor pêlos homens. Não existe apenas uma compaixão contemplativa, que se perde na oração em favor dos que sofrem. Sua ação é concreta, pois esta é a única ação que de fato pode transformar a situação. Desta forma, a ação de Deus dá esperança — como aqui, à mãe, que ficara ao desamparo.

Os milagreiros que atuam por ai talvez tenham de fato um carisma de poderem, em certas circunstâncias, ajudar. Podem, talvez, ajudar a transformar situações de doenças. Mas ninguém deles tem a força de dar aos homens aquela esperança de um novo céu e uma nova terra. Esta esperança que não ilude, nós a temos a partir da ressurreição de Jesus, e só a partir daí podemos alimentá-la.

E a consequência desta verdade, o resultado de tudo isso, vai ser o nosso louvor. Pois os milagres de Jesus são sinais, através dos quais podemos sentir que o poder de Deus está acima de doença, sofrimento e morte, e apontam para o seu Reino.

Pontos que poderiam servir de orientação para a prédica:

— Jesus está a caminho e vê a situação de sofrimento das pessoas. Onde esta verdade nos põe a caminho, também, em direção aos sofredores ao nosso redor?

— Jesus vê o sofrimento e pára, por amor aos homens que não quer ver sofrendo. Por que nós insistimos em passar adiante? Passar de largo? Por que insistimos em pensar que o assunto não nos diz respeito? Por que insistimos em manter o nosso amor calculado e interesseiro?

— Por ser Senhor sobre vida e morte, Jesus transforma a situação de sofrimento em esperança. Por que nós insistimos em fazer de conta que somos os nossos próprios senhores e manipulamos a vontade de Deus, conforme ela nos convém? Por um lado, dizemos ser cristãos; por outro, temos medo de sujar as mãos na luta por justiça!

— Diante do milagre de Jesus, ao dar esperança aos homens, pessoas louvam a Deus e falam com coragem de seu amor. Por que nós ficamos calados e passivos?

III — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, tu és o doador da vida. Tu manténs nossa vida. Mas nós preferimos viver como se não precisássemos de ti, como se pudéssemos viver nossa própria vida. Nisto pecamos contra ti. Transforma-nos, Senhor. Faze com que, de pecadores, nos transformemos em teus seguidores. Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Tua Palavra nos reúne em tua casa, Senhor. Queremos louvar-te, porque sabemos que teu amor está acima de nossas falhas e preconceitos. Usamos tua Palavra, conforme nos convém. Muda esta situação. Dá que passemos a ouvir, onde falamos demais, e que falemos e ajamos mais, onde ficamos calados. Transforma-nos em agentes de teu amor neste mundo, para que muito mais pessoas possam sentir o que nós sentimos. Abençoa-nos com o teu Espirito nesta hora, para que possamos compreender tua Palavra.

3. Assuntos para intercessão final: Nós caminhamos pelo mundo e não te vemos caminhando ao nosso lado. Nós sofremos por causa de multas coisas e não te vemos ao nosso lado, estendendo a tua mão para aliviar nosso sofrimento. Nós tentamos superar dificuldades em nossa vida e o fazemos sem olhar para ti, que nos ofereces maneiras de como superá-las. Continuamos a ter compaixão de nós mesmos, e não vemos que tu já te compadeceste de nós, morrendo e ressuscitando por nós. Senhor, teu Filho nos indicou caminhos do amor, da compaixão, da misericórdia. Dá-nos sabedoria para entender-te e um coração puro para amar. Transforma-nos em agentes de teu amor: onde há falta de amor, dá que coloquemos sinais do teu amor; onde há sofrimento, dá que saibamos levar uma palavra de conforto; onde a morte estiver presente na vida de pessoas, dá que saibamos indicar os teus caminhos que levam para a vida. Dá, Senhor, que a tua vitória sobre a morte se transforme em nossa vitória, a partir do momento em que estivermos dispostos a aceitar também os caminhos do sofrimento e do sacrifício.

IV — Bibliografia

- GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Lukas. In: Theologischer Handkommentar zum NT. Vol. 3. 6. ed. Berlin, 1971.
- SCHMITHALS, W. Das Evangelium nach Lukas. Zürich, 1980.
-— SCHÜRMANN, H. Das Lukasevangelium Vol. 1. Freiburg l.B., 1969.
- STAEHLIN, W. Meditação sobre Lucas 7.11-17. In: _. Predigthilfen über die altkirchlichen Evangelien. 2. ed. Kassel, 1954.
- WEINGAERTNER, L. Adão, onde estás? São Leopoldo, 1977.


Autor(a): Rui Bernhard
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 17º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 7 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 17
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18225
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