O Evangelho é dinamite, testemunha Lindolfo Weingärtner

01/12/2000

O Evangelho é dinamite, testemunha Lindolfo Weingärtner

Eu gostaria de ter 70 anos de novo, aí seria tudo diferente! Esta frase do pastor emérito Doutor Lindolfo Weingärtner mostra bastante deste 'jovem de 77 anos, sorridente e cheio de vitalidade e carinho, cuja história de vida se confunde com a da própria igreja luterana brasileira. Nascido em Santa Isabel, hoje município de Águas Mornas (na época Palhoça), na Serra do Mar, Lindolfo Weingärtner é descendente de imigrantes alemães que ajudaram a fundar o lugar em 1846. O pastor, que antes de cursar Teologia, aprendeu a pregar com a própria comunidade, conforme ele conta, também se mostrou um autodidata: Aprendi hebraico por mim mesmo, uma façanha — comenta, rindo — justamente o hebraico. Conhecido também pelas letras de hinos que compôs e por dezenas de livros que escreveu, Lindolfo foi ouvido pelo Anuário Evangélico e falou sobre sua vida, seu futuro, sobre a IECLB e a respeito dos jovens abandonados.


AE: Como o senhor se tornou pastor?

Lindolfo: Eu optei por ser pastor quando criança. Essa coisa infantil precisou passar por um processo decisório muito sério. Só tive a certeza de que queria ser pastor durante os anos de guerra.

AE: Como foram os anos de guerra?

Lindolfo: Durante os anos de guerra, o pastor Hermann Dohms enfrentou, com a igreja toda, talvez a maior crise que esta já passou. Éramos uma igreja de pastores, que sem pastores não funcionava. De repente, por causa da situação política de então, em 1942, uns 30, 40 pastores foram, simultaneamente, tirados de circulação e proibidos de trabalhar, de atuar. E as comunidades ficaram órfãs. Então Dohms tomou a decisão, quase desesperada, de mandar rapazes de 18 e 19 anos para tomarem conta das comunidades. Com um cursinho de três semanas de preparação. Eu fui um deles.

AE: Quais foram as dificuldades desses anos de guerra?

Lindolfo: Depois de cursar o Instituto Pré-Teológico, que era um colégio humanístico, germânico, com muito grego e latim, mas não tínhamos preparo teológico especial para o ministério, eu me virei, aprendendo a pregar com a própria comunidade. A comunidade foi meu curso de pastorado. A comunidade e a Bíblia. Aprendi hebraico, naquele tempo, por mim mesmo, um autodidata, uma façanha (rindo), justamente o hebraico. Quando fui estudar Teologia, que havia sido instalada, entrementes, em 1946, em São Leopoldo, eu já tinha um preparo teológico razoável.

AE: Seu trabalho na IECLB passou por várias etapas. Fale-nos das principais.

Lindolfo: Eu convivi com aqueles que tentaram unir os sínodos para formar uma igreja comum. Não foi tão fácil como hoje talvez pareça. Havia resistências, os que não queriam uma unidade organizada. Teriam gostado de continuar com aquela liberdade, uma ligação mais solta de um sínodo ao outro. E nós nos batíamos por uma igreja que tivesse realmente um centro comum, uma história comum. Participei de todas aquelas tentativas de construir uma igreja que fosse brasileira, que fosse nossa, que tivesse suas instituições próprias, formação de pastores, etc. Depois de servir alguns anos em várias comunidades, fui chamado para ser professor na Faculdade. Eu fui o primeiro professor brasileiro de tempo integral. Em S. Leopoldo permaneci 11 anos, como docente de teologia prática ou aplicada, e também quatro anos como reitor da Faculdade. Foi um outro ângulo do qual se viam as coisas da Igreja. Foi muito importante. Foi nesse tempo, também, que fiz meu doutorado em Erlangen. Escrevi minha tese aqui no Brasil, enquanto trabalhava como docente e, durante um período de licença e férias de meio ano, me inscrevi em Erlangen como estudante.

AE: Sua vida na igreja luterana brasileira se confunde com a própria história da IECLB. Conte-nos, na sua visão, como se solidificou a IECLB e como o senhor prevê o futuro da Igreja, com essa nova estrutura, recém criada?

Lindolfo: Ao longo de minha própria biografia, a igreja se foi aglutinando em torno da pessoa de Hermann Dohms. Eu fui um pupilo de Dohms. Quisesse ou não, eu era parte do processo de formação da igreja. Vejo uma linha na evolução da igreja. Partimos de um particularismo, de comunidades e sínodos onde cada comunidade e cada sínodo queria a sua própria coisa e não se interessava pela causa de um evangelismo brasileiro, que tinha a missão de trabalhar, de evangelizar de dentro para fora. Isto me parece muito claro hoje: tanto a partir da própria direção da IECLB, que vê a função missionária da igreja, como também de movimentos dentro da igreja e das próprias comunidades, me parece assegurada que a dimensão missionária da igreja foi descoberta e redescoberta e não desaparecerá mais da história. O fato de o Brasil ser um país de dimensões continentais oferece oportunidades, mas também tremendas dificuldades. Penso que a divisão do Brasil em sínodos, comunidades e paróquias — essa estrutura antiga da paróquia —não se adapta, por exemplo, ao norte do país, onde uma paróquia, às vezes, tem a dimensão de um estado. Entendo que aí se oferecem outras possibilidades: pastores que viajam, que deixam uma equipe local, preparada para gerir a comunidade em todos os sentidos, por exemplo.

AE: Como trabalhar a resistência que existe em algumas comunidades que procuram o isolamento em vez da unidade?

Lindolfo: Existe um particularismo em comunidades e, de alguma forma, sempre vai existir. Essa é a nossa carne, mas o espírito é outro. Para superar essa mentalidade, não adianta tentar vender àquelas pessoas de visão mais particular, mais estreita, a ideia de uma super-igreja, mas antes de uma igreja que se gera diretamente através do evangelho de Jesus Cristo. O evangelho é dinamite. Ele realmente explode a visão estreita de igreja. Ele, por sua própria natureza, quer penetrar em todo o mundo, também no mundo brasileiro.

AE: Sua contribuição é expressiva e ficará para a história da igreja na composição de letras de hinos que compõem o hinário da IECLB. Como o senhor desenvolveu esse dom que recebeu de Deus? Quantos hinos compôs?

Lindolfo: Já quando criança tinha esse dom e compus poemas com 10 anos, coisa de criança, é claro. Mais tarde, esse dom natural foi desenvolvido. Eu ajudei, já no final dos anos 50, equipes a retraduzirem os hinos do antigo hinário. Com a edição do novo hinário fiz uma série de traduções do alemão (30 ou 40) e do inglês ao português. Criei coragem para também criar letras próprias. Não pensei em hinos. Foram poemas cristãos, que depois foram descobertos por músicos e pessoas que tinham o dom de criar melodias novas e foram transformados em hinos. A mesma coisa aconteceu com publicações minhas na Alemanha. Aqui no Brasil, acho que 14 letras minhas foram se transformando em hinos. Estão no hinário Hinos do Povo de Deus, que nós usamos em nossos cultos.

AE: Também na literatura foram muitas publicações. O que devemos destacar nesta área?

Lindolfo: Eu mesmo valorizo muito um sermonário, uma coleção de sermões que acompanham o ano eclesiástico, no qual depus um pouco a minha linha teológica. Procurei ser fiel aos textos bíblicos e passar a mensagem do evangelho para leitores simples, pensando também nas pessoas que querem servir na comunidade, para elas usarem o livro como auxílio para crescer e eles mesmos se tornarem mensageiros da palavra. Os sermões foram de fato lidos em cultos dirigidos por leigos. Com isto, estes aprenderam a lidar com a palavra pregada e foram se encorajando a formular suas próprias pregações. Publicado em 79 e reeditado 14 anos depois, continua sendo atual. Depois destaco o livrinho O que eu creio, que é mais dogmático, mais um catecismo, pequeno, mas serve também para formular o dogma cristão nas comunidades, com pessoas simples que querem descobrir a essência da fé cristã. No total foram mais de 20 publicações, a maioria brasileiras e cinco alemãs.

AE: Se o senhor pudesse resolver um dos grandes problemas do Brasil de hoje, qual resolveria?

Lindolfo: Os jovens jogados nas ruas. Não só nas favelas, mas também jovens com pais que possuem recursos. Muitos pais não têm tempo para os filhos. Dão algum dinheirinho para eles gastarem e são jogados no mundo — são meninos e meninas de rua também. Se pudesse resolver esse problema, eu o faria. Como fazer eu não tenho receita. Para isso mudar, é preciso o envolvimento de toda a sociedade. Se a sociedade não mudar, o problema dos jovens e crianças abandonadas também não vai mudar. Mas, em última análise, minha solução é sempre o evangelho, falado, produzido, vivido em meio ao mundo que não o tem. O evangelho, sim, poderá mudar a sociedade.

AE: Onde e como vive Lindolfo Weingärtner hoje?

Lindolfo: Vivo uma vida bem tranquila, às vezes até demais, numa pequena chácara, em companhia de minha esposa. Ainda faço visitas a pessoas idosas e doentes, aceito convites para conferências, ministro cultos em alemão em Blumenau e Brusque. Escrevo ainda. Não num ritmo forte. Nos últimos meses, elaborei uma coisa — quase incrível: uma paráfrase do Evangelho de Lucas em versos (risos)... Ainda não sei se vou publicar... Me deu muito prazer, e acho que vai ser uma ajuda para catequistas, para pessoas que lidam com jovens e crianças. É difícil que um gato deixe de pegar camundongos (risos). Eu gostaria de ter 70 anos de novo, aí seria tudo diferente (risos) —Agora tenho quase 77.


A entrevista foi realizada por Marcos Ramos do Nascimento, jornalista de O Caminho, Blumenau, SC


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Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2001 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000
ID: 32970
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