Superstição

01/12/2011

Superstição

P. em. Dr. Ingo Wulfhorst

Na minha infância os meus pais pediram para eu decorar a frase: Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará (Salmo 37.5). Foi fácil decorar, mas não foi tão fácil vivê-la. Eu tinha muitos questionamentos, como por exemplo: Onde está Deus para que eu possa ver para crer e confiar nele? Eu queria provas que valeria a pena confiar em Deus. Você se lembra de que discípulos de Jesus alegremente relataram ao discípulo Tomé que viram o Jesus ressuscitado? Tomé não acreditou. Ele pediu provas. Jesus o permitiu naquele momento e disse Bem aventurados os que não viram e creram (João 20.29).

Hoje, com meus 67 anos de idade, sou muito grato por ter aprendido a confiar, mesmo sem ter provas. Grato, pois em retrospecto reconheço como é maravilhoso confiar em Deus, sem ver Deus. Na vivência familiar e comunitária Deus se manifestou de forma muito real e concreta no seu amor presenteado em Jesus Cristo. Grato, pois com muitas pessoas aprendi a amar e confiar em Deus, no meu próximo e em mim mesmo. Alguém me decepcionou? Eu decepcionei alguém? Sim, mas houve perdão e nova chance. Prevalecem as inumeráveis e maravilhosas experiências na construção da confiança curadora em nossa família e na igreja. Por isso, a família e a igreja são espaços para dialogarmos e compartilharmos experiências e aprender em quem vale a pena confiar, quando procuramos soluções para problemas e dificuldades.

Mas, lamentavelmente há pessoas que em situações de dúvida ou desespero colocam sua confiança em superstições e crenças. Por exemplo, conhecemos a simples superstição que a gente deve bater imediatamente três vezes com o dedo numa madeira para assegurar que o mal mencionado na conversa não aconteça. Pois bem, nesta linha de superstição aconteceu que numa sexta-feira à tarde uma avó luterana solicitou ao pastor que no próximo dia batizasse o seu netinho de 14 dias de idade. Por que tão rápido? Para assegurar que na viagem dos pais com o seu filho no domingo não acontecesse qualquer acidente na viagem — uma superstição transmitida por gerações.

Ser supersticioso é crer que através de determinados rituais e muita fé a gente poderia evitar desgraças e/ou assegurar proteção e solução de problemas e até causar o mal para alguém. Nos rituais de magia as pessoas procuram influenciar e manipular as forças e os poderes do bem e do mal. Assim, no desespero uma pessoa supersticiosa procura ajuda junto a uma determinada pessoa. Atribui a ela poderes sobrenaturais e tem fé que através de determinados rituais e outras obrigações o objetivo seja concretizado: obter o bem (p. ex. a cura), impedir que um mal aconteça (exemplo da avó acima) e fazer o mal para uma pessoa. Sim, a esperança e o bem, o medo e o mal estão interligados na superstição. O psiquiatra e fundador da psicologia analítica, Carl G Jung, chegou à conclusão que a superstição é um arquétipo de experiência religiosa (arquétipos são modelos inatos aos seres humanos, servindo de matriz para o desenvolvimento da psique através de símbolos) e que sempre está relacionada ao medo, podendo também gerar neuroses. Sim, em diálogo com muitas pessoas supersticiosas ficou muito claro para mim que o medo e a esperança, o bem e o mal são inseparáveis. Isso não é motivo suficiente para nunca procurar soluções na superstição?

Um exemplo: O noivo inesperadamente declarou à noiva que não mais a ama e afastou-se definitivamente dela. No desespero, ela conseguiu descobrir que há muito tempo ele já estava namorando com outra jovem. Ela encomendou um trabalho bem forte para o noivo retornar para ela — para o bem dela e para o mal da outra. Mas, a outra encomendou um trabalho mais forte e por isso mais caro. As duas jovens ficaram sempre mais dependentes no círculo vicioso da superstição. Felizmente, a ex-noiva desistiu deste círculo vicioso da superstição e compartilhou a sua dor e esperanças com familiares e amigas. Ela também foi procurar ajuda junto à pastora e uma terapeuta cristã. Com este suporte e no convívio na igreja, ela conseguiu superar a dor da separação e da dependência. Hoje é uma pessoa feliz, confiando em Deus, em si mesma e naqueles que querem o bem dela.

Outro exemplo da interligação entre o bem e o mal é a carta circular Pensamento positivo faz milagre. Nessa carta leio: Não guarde esta carta, ela deverá sair de suas mãos em 96 horas; deve enviar essa carta e mais 20 cópias para amigos/s. Por quê? A carta enuncia o nome de pessoas nos Estados Unidos que assim agiram e ficaram riquíssimas. Mas, a carta também ressalta que uma determinada pessoa guardou a carta e perdeu o emprego. Outra pessoa jogou fora a carta e perdeu tudo o que tinha e uma outra morreu por ter jogado a carta no lixo. Já recebi muitas cópias dessa carta e sempre joguei no lixo. Não, uma cópia eu guardei como material didático para minhas palestras. Quando a carta passa de mão em mão pelo público, percebi que várias pessoas expressavam medo e logo passaram adiante a carta. Mas, muitos confirmaram que receberam este tipo de carta e logo jogaram fora a carta ou deletaram o email, pois confiam somente no poder do Espírito Santo e não no poder que uma carta teria para concretizar promessas de enriquecimento imediato e ameaças de perder tudo e até morrer. Fico triste, quando pessoas se apegam a uma carta dessas e outros símbolos aos quais atribuem o poder para causar o bem e o mal. Objetos não causam danos - pessoas falecidas muito menos! Pessoas maldosas causam danos, isso sim! Também fico triste, quando no final da carta ainda é dada uma fundamentação bíblica para enganar pessoas: Onde um ou mais estiverem reunidos em meu nome, estarei no meio deles.

Confiar em Deus é muito mais do que pensar positivamente. Não me refiro ao pensamento positivo expresso na carta Quem quer, pode. Claro, atitudes firmes e assertivas nos ajudam a atingir nossos alvos, mas não tudo o que queremos. Isso é ilusão e falta de realismo de vida. Esse positivismo supersticioso é uma afronta e um desrespeito total, por exemplo, para com uma pessoa doente ou em dificuldades, que luta, mas muitas vezes fracassa e não obtém o que deseja. Deus não é um autômato de pronto-atendimentos, onde nós colocamos uma moeda, fazemos uma promessa ou um sacrifício —e a resposta que queremos surgiria de imediato!

A partir da fé em Deus manifesto em Jesus Cristo eu posso pensar e agir positivamente, porque Deus me ama de tal maneira que deu o seu Filho para a minha salvação e de toda a humanidade. Por isso, somos credenciados para sermos mensageiros da confiança no amor e na paz, na alegria e na esperança da vida plena prometida por Jesus. Isso é terapêutico e cura muitas feridas e vence medos e superstições.

Nosso corpo, nossa mente e nossos sentimentos estão interligados. Influenciam-se mutuamente. Se disser Sim a mim mesmo, meu corpo reage positivamente. Se não reprimo meus sentimentos, mas os aceito — o que não quer dizer que vou atuá-los sempre — estou em concordância comigo mesmo e isso pode proporcionar cura. Está comprovado que a nossa confiança e vontade positiva são fundamentais para obter a cura. Mais ou menos 70% das doenças tem um fundo psicossomático: a causa reside na esfera emocional, mental e espiritual, inclusive de pensamento e vivência negativa e, portanto, destruidora. Por isso é essencial uma postura íntegra de vida, que se sabe aceita por Deus, que nos perdoa e salva. Deus nos criou inteiros e nos salva integralmente: corpo, alma, mente e espírito. São dimensões diferentes de algo indivisível e bem complexo: o ser humano. Encontramos essa inter-relação das diversas dimensões do ser humano em expressões de sabedoria popular, como por exemplo, doente de raiva, febril de saudade e imobilizado pela dor.

Eu nunca consultei uma benzedeira e nunca o farei. Mas, eu dialoguei com várias benzedeiras que receitam chás medicinais do tesouro da sabedoria popular que hoje fazem parte da pastoral da saúde. Examinem tudo, fiquem como que é bom e evitem todo o tipo de mal (1 Ts 5.21). Isso me levou a entender alguns desafios importantes para a ação cuidadora e terapêutica. Crescente número de comunidades da IECLB está resgatando saberes populares na medicina alternativa, proveniente da boa criação de Deus. Se você desejar trabalhar neste sentido na missão curadora de Deus, informe-se junto a ministros/as da IECLB ou comigo sobre membros da IECLB que realizam cursos nesta área. Somos convidados a participar ativamente na missão curadora de Deus através de muitas maneiras, mas não através da superstição.

O autor é pastor emérito da IECLB
e atua na Assessoria Teológica na Diversidade Religiosa e reside em São Leopoldo/RS


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Autor(a): Ingo Wulfhorst
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2012 / Editora: Editora Otto Kuhr / Ano: 2011
Natureza do Texto: Artigo
ID: 31867
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