Vida Celebrativa - Ano Eclesiástico


ID: 2654

O Natal da Liberdade | Gálatas 4.4-7

Noite de Natal

22/12/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

há quase dois mil anos a Igreja Cristã comemora o nascimento de Jesus Cristo; obviamente que Jesus não nasceu no dia 25 de Dezembro literalmente. A data foi escolhida por ser – na cultura romana – o dia do Sol Invictus. Jesus, assim, é interpretado com um sol radiante que nasceu na pequena Belém para ser a Luz do Mundo e irradiar seu brilho pelos quatro cantos da terra. Entretanto, o natal ainda faz sentido para nós? Jesus ainda é lembrado no natal? O aniversariante tem lugar na festa?

Hoje vivemos aquilo que a mídia chama de “espírito de natal”. Parece-me que nesse tal de “espírito natalino” há espaço para tudo, menos para Jesus. Fala-se de paz, de amor, de solidariedade, de compaixão, de misericórdia... Mas de Jesus não se pode falar! Quer-se o natal, mas não se quer Jesus. Tantos enfeites, tantas luzes e tantos presentes parecem ofuscar a presença de Cristo no natal. Comemorar o Natal sem Jesus seria o mesmo que lembrar da Independência do Brasil sem a figura de Dom Pedro I.

Hoje, as pessoas se encantam facilmente por tantas coisas, mas deixam Jesus do lado de fora das suas casas, das suas vidas e também dos seus corações. Simplesmente não há espaço para Jesus. Isso se evidencia também nos cultos e nas missas. Aliás, parabéns para quem veio ao culto de Natal e para quem colocou Jesus e o ouvir da Palavra como prioridade, ou seja, como algo mais importante que a Ceia de Natal e até mais importante que a comunhão familiar. Jesus disse: “— Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de mim”. (Mateus 10.37). É realmente triste quando as pessoas batizadas não valorizam o culto de natal, tendo tempo para tantas preocupações em dezembro, mas deixando de lado aquilo que é o mais importante. Bem-aventurados/as aqueles/as que tem coragem de estar aqui presente nessa noite para comemorarmos o natal juntos, em comunidade, e celebrarmos o nascimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Felizes aqueles/as que não se deixaram seduzir pelo tal “espírito natalino”, mas que continuam a manter Jesus Cristo no centro da sua vida, da sua família e da sua fé.

Na sua carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo precisou lembrar aos/às irmãos/ãs sobre o natal. Havia na comunidade grupos que estavam exigindo dos membros várias coisas que não condiziam com o Evangelho, como o cumprimento rigoroso da Lei do Antigo Testamento. Em Atos 15, no primeiro Concílio dos Apóstolos, havia se decidido que a circuncisão e outras práticas judaicas não eram necessárias para que os cristãos fossem salvos. Entre os gálatas havia, porém, aqueles que trouxeram todo o peso da lei de volta – talvez para que ao serem parecidos com os judeus, não fossem tão perseguidos pelo implacável Império Romano.

Paulo, então, escreve uma carta aos cristãos da Galácia para que eles voltem à fé verdadeira. Essa carta de Paulo dará ênfase no amor de Jesus e na liberdade cristã. A carta de Paulo aos Gálatas é conhecida como “a carta da liberdade cristã”. Foi especial e essencial também na vida de Martinho Lutero, o reformador alemão. Nos seis capítulos da sua carta, o apóstolo Paulo quis retirar todo o peso da lei que havia sido colocado novamente nas costas daqueles irmãos e daquelas irmãs. Assim, importa aos gálatas servir a Deus por liberdade e espontaneidade e não por obrigação.

Para falar dessa liberdade cristã, Paulo lembra do nascimento de Jesus. Nós vamos olhar para o nosso texto bíblico em três pontos: 1) A revelação; 2) A filiação; 3) A liberdade.

1    A REVELAÇÃO

Para o apóstolo Paulo, o nascimento de Jesus não é obra do acaso, mas algo que já estava nos planos de Deus desde a eternidade. É como se “o tempo estivesse grávido”. Agora, chegou a hora de nascer o Messias não apenas de Israel, mas também dos gentios. Por isso, Paulo diz: “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei”. (Gálatas 4.4). O tempo estava pleno, completo! Toda a areia da ampulheta caiu, grão por grão; o tic tac disparou o alarme: estava na hora de nascer o Messias. E ele não veio descendo em uma grande escada celestial ou flutuando em uma nuvem; ao contrário, Deus decidiu nascer de uma mulher.

Esse que nasceu de Maria não é apenas um homem, mas o próprio Deus-Filho, a segunda Pessoa da Trindade. Maria não é apenas mãe de Jesus, mas ela é, de fato, mãe de Deus. E aqui Paulo demonstra a nós que Jesus Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Ele, enquanto Deus, foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu debaixo da Lei como todos os seres humanos.

Esta é uma maravilhosa revelação: Deus não veio ao mundo com uma espada na mão para julgar os pecadores e lançá-los no inferno; Deus não vem ao mundo para ameaçar o ser humano à condenação e morte; Deus não vem ao mundo para destruir a humanidade. Ao contrário, Deus decidiu vir ao mundo da mesma forma como todos nós viemos; Deus decidiu vir ao mundo do jeito humano, mas sem deixar de ser Deus.

Roger Scruton, um falecido filósofo inglês, fala do nascimento de Jesus com belas e poéticas palavras no seu romance As Memórias de Underground, onde ele diz:

Deus só poderia estar presente entre nós se primeiro se despojasse de poder. Entrar nesse mundo investido do poder que o criou seria ameaçar todos nós de destruição. Por isso, Deus entra em segredo. Ele é o verdadeiro impotente, cujo papel é sofrer e perdoar. Esse é o sentido do sacrifício, em que o corpo e o sangue do Redentor são compartilhados entre seus assassinos.1

Se Deus entrasse no mundo com todo o seu poder, certamente que toda a humanidade e toda a Criação estariam destruídas. Não sobraria nada. Por isso, Deus decidiu entrar no mundo como uma criança recém-nascida. É assim que Deus vem a nós. Paulo falou disso também aos filipenses: “Jesus Cristo que, mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo. Pelo contrário, ele se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos. E, reconhecido em figura humana”. (Filipenses 2.5-7).

Este é aquele que nasceu no “paiol” no interior da cidade de Belém! É o próprio Deus encarnado no homem de Jesus. Verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Em tudo igual a nós, exceto no pecado!

A revelação do nascimento do Deus-Filho revela a nós também o valor da humildade. Deus poderia entrar no mundo investido de poder e ameaçando a humanidade pecadora de destruição; mas, ele decidiu vir a nós no choro de uma criança que estava deitada no coxo onde os animais comem – entre fezes e urina. É assim que Deus vem a nós.

2    A FILIAÇÃO

Ao ser o Deus que se faz homem, Jesus faz com que seu Pai se torne também o nosso Pai. Jesus é o nosso irmão; se Jesus é o nosso irmão, então o Pai dele é nosso Pai também. E essa filiação não é recebida através das nossas obras ou dos nossos méritos, mas somente através da graça divina. Não podemos fazer nada para sermos filhos de Deus; basta apenas que recebamos essa filiação através do dom da fé.

Assim nos diz João 1.11-12: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome”. Somos todos/as filhos/as de Deus se crermos em Jesus. E crer significa confiar na honestidade das suas promessas! Crer significa viver o nosso batismo no dia a dia, com ações que buscam a transformação da sociedade para uma vida mais digna, justa e coerente com os valores do Evangelho. Jesus nasceu para os judeus; como, porém, eles não o receberam, agora ele está disponível a todos os povos.

Basta crer! É preciso confessar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Isso não é um peso, mas um alívio. Viver com Jesus não significa uma vida amarrada, mas livre. Por isso, vamos ao nosso último ponto:

3    A LIBERDADE

Seguir e viver com o Jesus nascido em Belém é uma bênção. Ele morreu na cruz e assumiu a nossa escravidão para que sejamos verdadeiramente livres. Mas, livres do quê? Livres do pecado, do egoísmo e da cobiça; livres para amar, cuidar, proteger; livres para ajudar, amparar e socorrer; livres de certezas pessoais; livres do peso de cuidar da vida dos outros; livres do estresse de querer agradar a todo custo; livres de viver de seguidores, curtidas e comentários nas redes sociais. Livres! E só quem descobriu a liberdade trazida pelo Evangelho é que poderá testemunhar o quanto a vida evangélica é, de fato, libertadora! Acabaram-se as regras opressoras! Agora, vive-se somente pela fé! E pela fé podemos aceitar o/a outro/a tal qual Deus o/a aceita!

Por isso, Paulo nos diz: “Assim, você já não é mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também é herdeiro por Deus”. (Gálatas 4.7). Em Jesus, fomos transformados de escravos em pessoas livres. Mais que isso: fomos transformados em filhos/as de Deus – se cremos em Jesus. Por sermos filhos/as de Deus, temos direito à herança da vida eterna – não por méritos próprios, mas direito através da graça divina.

Na mesma carta aos Gálatas, Paulo diz: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Por isso, permaneçam firmes e não se submetam de novo, a jugo de escravidão”. (Gálatas 5.1). Esse versículo sempre me lembra uma matéria que li uma vez na revista National Geografic que tinha como tema O Cérebro e os vícios. Em uma matéria sobre a Cracolândia em São Paulo/SP, Marivalter de Oliveira, pessoa dependente do crack, disse à entrevistadora Gabriela Di Bella: “A coisa mais cara que eu vendi um dia na Cracolândia foi a minha liberdade”2.

A escravidão de Marivalter é o crack; qual é a sua escravidão? O que está deixando você preso? Quais são as suas correntes? Onde estão as suas algemas? Quais são os teus vícios? O que tem te oprimido e tirado a tua paz? O que tem lhe angustiado? O que tem roubado a sua alegria de viver? O que tem ceifado o sentido da sua vida?

Amados irmãos, amadas irmãs,

Jesus quer nos tornar livres. E que esse seja o natal da liberdade! 2023 está às portas. Quem sabe seja a hora de deixar o Evangelho mudar a sua vida. Isso não significa que será fácil. As forças deste mundo lutarão contra você continuamente e certamente haverá momentos em que você vai fracassar. Porém, não desista! Insista!

Jesus nasceu. Ele morreu e ressuscitou. Ele subiu aos céus. Ele voltará para trazer aquilo que sempre pedimos na oração do Pai-nosso: “Venha o teu Reino”. Tenhamos, todos nós, o natal da liberdade cristã. Celebremos com alegria a oportunidade de sermos filhos de Deus por causa de Cristo. Que neste natal, Jesus tenha espaço em nosso lar, em nossa família e em nossos corações. Amém.


NOITE DE NATAL | BRANCO | CICLO DO NATAL | ANO A

24 de Dezembro de 2022


P. William Felipe Zacarias


SCRUTON, Roger. As memórias de Underground. São Paulo: É Realizações, 2019. p. 120.

DI BELLA, Gabriela. “Uma nova chance”. in: RIBEIRO, Ronaldo (ed.). O cérebro e os vícios. Revista National Geografic Brasil. nº 210. Ano 18. São Paulo: National Geografic Brasil, Ano 18, setembro de 2017.

 

 


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal / Organismo: Capela Luterana
Testamento: Novo / Livro: Gálatas / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 69233

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