Conselho de Missão entre Povos Indígenas - COMIN no Portal Luteranos



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Convite à Reflexão a partir da Ação e Revelação de Deus entre Diferentes Povos e Culturas

17/12/2005

CONVITE À REFLEXÃO 

A PARTIR DA AÇÃO E REVELAÇÃO DE DEUS
ENTRE DIFERENTES POVOS E CULTURAS

O Conselho de Missão entre Índios - COMIN da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB, no processo da formação continuada, esteve reunido para reflexão e debates referentes à realidade e às suas atividades entre os povos indígenas, na semana de 12 a 17 de dezembro de 2005, na Casa Matriz de Diaconisas, em São Leopoldo/RS. Buscando pelas bases bíblicas para o diálogo intercultural, nos damos conta de que o mandato para o diálogo inter-religioso é inegável na Bíblia e se reflete na própria forma de constituir-se.

O testemunho bíblico nos impele a conviver com o outro

No encontro de formação continuada, que acabamos de realizar, redescobrimos e reaprendemos que na Bíblia a interculturalidade e o diálogo inter-religioso são partes constituintes do testemunho de fé. A teologia bíblica foi se forjando a partir da diversidade de experiências e da ação de Deus entre diferentes povos (Oséias 11 e 14). Para falar de Deus, os relatos do Antigo Testamento se valem do testemunho de outros povos, de outras tradições religiosas. Estes textos mostram que a diversidade e a alteridade são arte e criação divina, que testemunham ser possível o convívio teológico com o vizinho, mesmo que totalmente diferente. Ilustram que o mundo é interativo. Exemplo disso é o Salmo 68 que traz à tona esta convivência, este diálogo inter-religioso, ao se valer de símbolos e conceitos de Deus de diferentes povos. Assim, também os livros de Sabedoria do Antigo Testamento, bem como as palavras de Sabedoria de Jesus, que pertencem às mais antigas fontes do Novo Testamento, abastecem-se em distintas ações divinas entre diferentes povos. Por isso, é importante resgatar a sabedoria bíblica e, seguindo o exemplo de nossos antepassados, ouvir e dialogar com a sabedoria de outros povos.

A interculturalidade marca fortemente a realidade dos tempos bíblicos e a de hoje. Dentro desse contexto está o diálogo inter-religioso como uma dimensão constante. No COMIN, podemos compreender que este diálogo acontece em diferentes momentos e atividades, não apenas quando estamos falando especificamente sobre religião. Toda cultura de um povo é permeada por sua religião. Isso significa que estamos bem dentro do diálogo inter-religioso quando trabalhamos com sustentabilidade, com saúde, com educação, com economia e com organização própria dos povos indígenas. Vimos que o testemunho bíblico nos impele à disposição em conhecer e dialogar com as culturas e tradições religiosas de outros povos a partir de uma visão de totalidade, da qual fazem parte os povos indígenas, como uma forma de descobrirmos e conhecermos mais facetas de Deus.

A Sabedoria de Deus excede todo o conhecimento

No decorrer de nosso estudo e reflexão, percebemos a diversidade cultural expressa através das culturas indígenas como muito rica em experiências de Deus. Porém, para poder percebê-las, é preciso desconstruir qualquer postura de pré-domínio cultural e religioso. Essa postura, lamentavelmente, nos acompanha desde a época de Constantino (325 d.C.), quando o cristianismo passou de comunidade de fé perseguida a religião oficial do estado. A partir daí o cristianismo foi, mais ou menos, aliado do poder de um Estado que devora vidas humanas, corrói a natureza, aniquila diferenças e reprime solidariedades para concentrar poder e domínio, tal como os antigos reinados já denunciados pelos profetas do Antigo Testamento. Partilhando desse poder, assumiu-se a lógica da conquista e da expansão pela catequese e passou-se a homogeneizar, civilizar, enquadrar... Mas, o dragão, que segundo Apocalipse 12, quer comer a criança, ainda dará muitas rabanadas por causa de sua sede de morte, e machucará muitas pessoas.

Movido por uma visão de conquista, centrada no mundo europeu, desde antes de 1500, durante séculos outros continentes são apossados, suas culturas e seus povos subjugados e tornados cativos. Somente nas terras, hoje brasileiras, cerca de 900 grupos étnicos nativos foram aniquilados, desde então. Subordinação, seguida de exclusão e negação de direitos à vida e à cultura persistem até nossos dias. Diferenças ainda desqualificam. Uma tragédia, entre outras tantas. Mas a Sabedoria de Deus, que excede todo entendimento, se realiza para além da fronteira do horizonte humano.

O amor de Deus revelado no clamor da vida que flui

Os relatos bíblicos são ricos em testemunhos de que a ação de Deus está enraizada na história de vida de cada povo. Apercebemo-nos disso quando reunimos fé e vida. Trata-se, portanto, de olhar para dentro dos relatos bíblicos com os olhos recheados da realidade intercultural e inter-religiosa cotidiana, ou olhar a realidade cotidiana com a perspectiva que Deus nos concede. Quando Deus escolhe o povo de Israel, não está escolhendo apenas um povo com uma cultura, mas está escolhendo as pessoas empobrecidas de todos os povos e culturas como cooperadoras do seu Reino. Se no Êxodo, Israel são os escravos, em Amós, os escravos são Israel. O Israel tribal é referência de vida, não o reinado. Israel só tem futuro no contexto da tradição tribal. Os escravos e as escravas são o símbolo de Israel. Nisso reside sua qualidade salvífica.

Nas histórias de Abraão, em Gênesis 12 a 25, por exemplo, a ação de Deus é em favor de Sara, Agar e Ismael que estão à margem do sistema patriarcal. Agar é estrangeira, tem outra cultura e é escrava. O silêncio, o que não é dito, é a marca fundamental, no caso da Sara.

Uma leitura comparativa das histórias ao redor de Moisés (Gn 26-36) e José (Gn 37-50) nos evidencia métodos diferenciados de lidar com o culturalmente diferente em se tratando de relações de poder: Moisés rompe com o poder e o povo se reorganiza a partir do deserto; já José ocupa espaços de poder junto ao Faraó e o povo se reorganiza neste contexto.

Para os profetas, pobre é o lavrador israelita empobrecido. Na linguagem apocalíptica dos profetas, pobres são os empobrecidos de todos os povos, conforme testemunhado em Amós.

As crianças recebem uma proteção toda especial de Deus: começando com Ismael, Isaque, Moisés, passando por uma verdadeira “creche messiânica”, no exemplo de Isaías, chegando a Jesus. As crianças de todos os povos precisam ser salvas da sanha do dragão.

No Novo Testamento sempre de novo é testemunhado que Jesus está com elas e nos pobres (Mateus 25).

Os primeiros cristãos empenharam-se com muita intensidade, em recolher as crianças enjeitadas e garantir a vida desses preferidos de Deus, inclusive sofrendo a acusação de consumirem crianças.

Os e as participantes dos eventos realizados, a saber: representantes indígenas, pastores sinodais, membros do Conselho do COMIN, membros dos grupos de apoio e obreiras e obreiros do COMIN experimentaram uma afirmação bíblica e teológica de sua ação missionária e diaconal junto aos povos indígenas, como povos que revelam a ação de Deus em favor da dignidade humana. Aprender a ouvi-los pode nos ajudar a experimentar e compreender melhor Deus.

São Leopoldo, 17 de dezembro de 2005.


Participantes da Assembléia do COMIN
 

Se reconhecemos as grandes e preciosas coisas que nos são dadas, logo se difunde, por meio do Espírito, em nossos corações, o amor, pelo qual agimos livres, alegres, onipotentes e vitoriosos sobre todas as tribulações, servos dos próximos e, assim mesmo, senhores de tudo.
Martim Lutero
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