Igreja e Sociedade



ID: 2797

Entrevista com Eliana Rolemberg sobre Anistia

22/12/2008

Lembrando os 30 anos da Mensagem de Natal da IECLB que tinha como foco a mobilização pela anistia política no Brasil, o Portal Luteranos entrevistou Eliana Rolemberg, anistiada política, membro da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Salvador-BA e Diretora Executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) com sede em Salvador-BA.

Portal - O que levou você ao exílio?

Em fevereiro de 1970 fui presa em São Paulo, junto com jovens metodistas. Fui levada, inicialmente, à OBAN- Operação Bandeirantes, que era um órgão ilegal. Aí fui torturada durante 20 dias e só fui transferida para o DEOPS – organismo legalizado, após uma companheira de cela ter saído em seqüestro do Cônsul japonês e denunciar minha situação ao chegar ao México. Na ocasião, eu tinha minha filha de 09 meses, meu marido teve que se refugiar e, meu irmão que ficou com minha filha, não suportou as pressões, porque ameaçavam levar minha filha para torturar e, tendo a possibilidade de estudo na Noruega, levou-a consigo. Meu marido a recuperou e viveram na França durante os quase dois anos em que estive presa.

Ao ser libertada, após esse tempo, fui em busca de minha filha e meu marido, imaginando que poderia voltar, ao menos com ela. Porém, não consegui renovação do passaporte e, após muitas tentativas, fui orientada a pedir o estatuto de refugiada, pois havia novas ameaças que impediam meu regresso.

Portal - Onde passou o exílio? Quais as suas atividades neste período?

No exílio, vivi inicialmente em Avignon, na França e, em seguida, em Paris.

Inicialmente, fiz vários tipos de trabalho para sobreviver: babá, faxineira, responsável por lavar jaulas de ratos do College de France ... mas, depois consegui trabalho temporário na UNESCO, no setor de Juventude, assumindo a organização de um encontro da juventude no Peru. Trabalhei, também, com o setor da China, pela UNESCO, em projeto de alfabetização.

Finalmente, fui contratada pelo SCI- Serviço Civil Internacional, para coordenação do Setor Migrantes, atendendo a migrantes por razões econômicas e refugiados políticos. Era um trabalho na França, com relações com a Bélgica, a Suíça e a Alemanha.

Aproveitei, também, para estudos relacionados à questão agrária e a planificação econômica.

Portal - Como foi e qual a relação com o Brasil?

Durante o tempo em que vivi em Paris, tive grande envolvimento com um Coletivo de Apoio à Luta do Povo Brasileiro e com o Comitê Brasil Anistia. Nessa época, conheci os Pastores George Casalis e André Jacques, da Igreja Presbiteriana, que desenvolviam ações de solidariedade com a América Latina, principalmente Chile, Brasil, Uruguai e Argentina.

Participei, ainda, de uma equipe que publicava uma revista “Conjuntura Brasileira”, sendo eu responsável pela parte agrária.

Portal - Havia contato com outros exilados? Havia mais evangélicos/protestantes entre os exilados?

Na França, fomos milhares de exilados e, pelas atividades desenvolvidas, seja profissionalmente, seja nos estudos, seja na militância, as relações eram cotidianas.

Com o meio protestante, minhas relações foram principalmente através da CIMADE, organismo protestante que atendia, assim como o SCI, a refugiados brasileiros, chilenos, argentinos, entre outros. Desenvolvemos muitas ações em conjunto e, nessa época, através de pastores dessa instituição, tive alguma relação com o Conselho Mundial de Igrejas.

Por outro lado, mantive contato com Anivaldo Padilha, metodista, com quem fui presa e que se encontrava exilado nos Estados Unidos.

Portal - Acompanhou à distância o Movimento da Anistia ? Quais eram as expectativas?

No exílio, trabalhamos intensamente pela Anistia, em contato com o movimento que se desenvolvia no Brasil, chegando a participar de Congresso pela Anistia, realizado em Roma.

Portal - Quando e como foi a sua volta?

Poucos meses antes da Anistia, consegui mandado de segurança para voltar para o Brasil, com minha filha. Foi no dia 20 de julho de 1979. Chegamos pelo aeroporto de Viracopos. Fui interrogada na chegada, pois estava sendo aguardada pela polícia. Fazia frio, mas eu e minha filha sentíamos muito calor e estávamos muito nervosas. Pouco tempo depois descobrimos que ela pegou uma pneumonia.

Muitas pessoas amigas nos acolheram em São Paulo mas, desde que pude, parti para o Nordeste em busca de trabalho.

Portal - Sua atividade depois da sua volta

Após contatos na Bahia, em Pernambuco e na Paraíba, fui chamada pelo jesuíta Cláudio Perani, do CEAS – Centro de Estudos e Ação Social, para trabalhar na Bahia, em parte com o CEAS, na equipe de redação dos “Cadernos do CEAS”, na publicação de um folheto em linguagem popular “De olho na conjuntura” . Fui contratada pela CPT- Comissão Pastoral da Terra – Bahia e Sergipe, encarregada especialmente do trabalho junto aos assalariados e às assalariadas rurais do café e do cacau, e da formação de estagiários e estagiárias.

Por fim, mantive contatos com a CESE e, a partir de 1983 passei a integrar essa coordenadoria ecumênica.

Portal - Sua relação com os exilados e anistiados depois da volta

A maioria dos exilados brasileiros que conheci, voltaram para o Brasil, logo após a Anistia e segui em contato com várias dessas pessoas, encontrando-nos em distintas ocasiões, principalmente nos movimentos sociais e no movimento ecumênico. Uma ocasião, também, é o Fórum Social Mundial, que possibilita encontrar pessoas que regressaram e outras que ficaram por lá, mas participam dos Fóruns.

Portal - Soube da carta – Mensagem de Natal da IECLB de 1978?

Naquela ocasião, infelizmente, eu não tive a oportunidade de conhecer.

Portal - Qual a sua reação ao tomar conhecimento desta Mensagem 30 anos depois?

Fiquei emocionada e muito feliz pelo posicionamento claro, de compromisso e solidariedade. Considero que ela deveria ser retomada e divulgada em nossas paróquias pois não perdeu a atualidade e pode provocar boas discussões, principalmente com pessoas que não viveram esse período e não sabem do significado das lutas desenvolvidas contra o regime ditatorial. Algumas questões vêm sendo abordadas atualmente pela imprensa, muitas vezes de forma equivocada.

Portal - Em ato no mês de setembro deste ano você foi indenizada pelo governo brasileiro. É possível dizer que foi um gesto de pacificação (reconciliação conforme a mensagem de Natal)?

Na realidade, é preciso ter claro o que se entende por reconciliação. Quando o texto fala na vinda de Cristo para “reconciliar o mundo consigo mesmo”, não entendo como “pacificação” e sim a busca da verdade, para realização da justiça, reconhecimento dos direitos e, só então será possível alcançar a paz!

Acredito que esse julgamento de setembro foi fundamental, pelo reconhecimento, por parte do Estado, da injustiça cometida e pela qual o presidente da Comissão de Anistia, em nome desse Estado, pediu perdão. Porém, como também afirma a mensagem “Empenhemo-nos, pois, por esta anistia que somente será completa se acompanhada da realização de outros anseios nacionais, tais como a revogação plena das leis de exceção, a restituição integral da liberdade e autonomia de ação aos poderes legislativo e judiciário, a observância dos direitos humanos e o restabelecimento do estado de direito”.

Para mim, esse reconhecimento por parte do Estado brasileiro, teve um significado muito particular. Minha filha, que viveu 10 anos de sua vida na França, tendo sido separada de mim em função da repressão da ditadura no Brasil, passou todos esses anos em busca de sua real identidade e, somente depois desse julgamento, ainda chorando, ela disse sentir que talvez agora pudesse ser brasileira. Disse como se sentia, em todo esse tempo, pois o país de uma criança é a terra da mãe e, como poderia reconhecer esse país que havia feito sua mãe sofrer tantas coisas e a separado dela?

Portal - Como vê a discussão atual sobre a revisão dos crimes de tortura (sua imprescritibilidade)?

Lamentavelmente, as leis não correspondem às exigências de justas punições. A tortura é crime e sua prática não pode ser tolerada. Temos assistido pronunciamentos de torturadores, reconhecendo seus atos com requintes de crueldade extrema e se valorizando por eles, como nos mostrou recentemente reportagem da Isto É. Esses criminosos continuam defendendo a tortura, afirmando ser ela necessária para se conseguir “confissões” e ameaçando inclusive autoridades do Estado. E... exigem anistia.

Vejo com dificuldade a parte da Mensagem de Natal, quando diz: “ Pela criança de Belém somos chamados à paz, ao amor e à reconciliação com nosso inimigo, também com tais que de nós discordam ou nos são incômodos. Por esta razão, sentimo-nos impelidos a convidar todos os membros de nossa Igreja e da família brasileira que reconheçam na reconciliação oferecida por Deus o compromisso de reiniciar uma vida baseada no perdão e no respeito”. É preciso debater esse trecho para identificar os limites dessa reconciliação, pois ela, a meu ver, pressupõe o respeito e a não agressão.

Portal - Como vê o Brasil hoje e a atuação das Igrejas 30/40 anos depois?

Não chegamos a esse novo momento. É necessária uma profunda transformação de nossa sociedade, para que possamos chegar a um “outro Brasil possível”. Torturas continuam sendo cometidas, assassinatos são cotidianos. Vivemos em um Brasil violento e somos chamados a seguir na luta pela afirmação dos direitos em todas as suas dimensões: civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Somos chamados a persistir na luta contra as crises integradas que nos atingem hoje, de modo especial: alimentar, climática, energética e financeira.

Somos chamados a resgatar a dignidade e o sentido de humanidade contra a intolerância, inclusive religiosa.

Nossas igrejas têm setores muito comprometidos com esses chamados e vêm dando mostrar efetivas, principalmente no envolvimento com os movimentos sociais. A própria Caravana da Anistia, realizada em setembro nas dependências da CNBB – no Memorial D. Hélder Câmara -, foi uma ocasião em que várias representações de igrejas se pronunciaram contra os desmandos da ditadura e afirmando a necessidade da afirmação dos direitos humanos. Uniram-se CNBB, Igreja Metodista, CONIC, CESE, Comissão Justiça e Paz.

Infelizmente, noto que uma parte das igrejas tende a voltar-se para dentro, deixando em segundo plano a ação social. A justa relação e complementaridade entre missão e diaconia ainda é um desafio que persiste.

Veja também: IECLB se solidariza com religiosos anistiados


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