Igreja e Sociedade



ID: 2797

Sobre o exílio - Um testemunho do Pastor Mozart João de Noronha Melo

22/12/2008


Há 30 anos atrás a IECLB em sua Mensagem de Natal conclamou as comunidades para a oração e engajamento pelo movimento da anistia.

O Portal Luteranos ouviu o Pastor Mozart João de Noronha Melo da Paróquia Bom Samaritano de Ipanema-Rio de Janeiro sobre a sua experiência de vida antes, durante e após o exílio.

Veja a seguir o seu testemunho:


Tomei parte ativa no processo de resistência à ditadura que a ide dominante impôs ao país em 1964. Participei do Movimento Estudantil em Alagoas e Pernambuco. Atuei, em Recife, no movimento Ação, Justiça e Paz liderado por Dom Helder Câmara e fui para as ruas em passeatas de protestos contra a repressão militar.

Em plena vigência do Ato Institucional n° 5, que foi promulgado em 1968, migrei para São Paulo. O AI 5 foi um golpe dentro do golpe que suspendeu todos os direitos individuais e o arbítrio tomou forma de lei.

Em São Paulo concluí os cursos de Teologia e Filosofia. Atuei como Pastor na capital e no interior. Fui professor de História e de Filosofia na rede pública e privada.

No exercício de minhas atividades conheci pessoas engajadas em organizações de resistência ao regime e me posicionei ao lado delas. Éramos todos muito jovens e nos sentíamos responsáveis pelas mudanças que se faziam necessárias para o resgate da dignidade humana e do Estado de Direito.

A ditadura se tornava cada vez mais cruel. O “anjo da morte” adentrava impiedosamente nos porões de quartéis e nos órgãos oficiais da tirania como os famigerados departamentos de ordem políticas e sociais onde a tortura era coisa de rotina e de onde muitas pessoas desapareciam.

Na minha situação, em particular, entrei em contato com pessoas de diversas organizações de resistência. Na condição de pastor, na medida do possível, procurei apoiá-las. Mas, minha principal atuação era junto à Igreja da Resistência e, também, atuei como simpatizante e apoio da organização Ação Popular.

Descoberto pelos agentes da repressão, tive que abandonar a residência onde morava e também a escola pública. Ingressei na clandestinidade. Passei a viver ora em “vagas“, ora em “repúblicas de estudantes“. Colaborei com a imprensa clandestina e participei de panfletagens de denúncias.

A Igreja para mim era de uma grande importância. A fé e a ideologia se consubstanciavam. Jesus Cristo e o Evangelho eram as principais fontes de inspiração naquela conjuntura. Aprendi que Jesus Cristo também tinha feito parte da resistência e tinha se tornado um militante político na luta contra o poder estabelecido. Convivi com vários padres, pastores e leigos que estavam na mesma luta.

Consegui escapar da prisão diversas vezes, mas inúmeros companheiros e companheiras foram presos e torturados.

Em 1973 a resistência esboçava sinais de cansaço. Os órgãos repressivos tinham destruído quase todos os focos de resistência. Restava como alternativa o exílio. Para alguns o exílio no exterior e para muitos o exílio no próprio país. A palavra de ordem era “salve-se quem puder”.

No meu caso, com o apoio de amigos consegui uma bolsa do Conselho Mundial de Igrejas e parti para a Suíça e depois para Portugal. O consulado brasileiro se recusou fazer a renovação do meu passaporte. Sem documentos fui preso no Alentejo e conduzido para Lisboa afim de ser repatriado. Felizmente contei com o apoio da Igreja Presbiteriana de Portugal e com a interferência de um Pastor presbiteriano, deputado pelo Partido Socialista consegui um salvo conduto e posterior residência no país.

Em Portugal atuei como pastor. Servi no Alentejo, na Ilha da Madeira, onde organizei um Comitê pela Anistia. Augusto Boal e Cecília estiveram hospedados em minha residência e participaram da organização deste evento. Também fui pastor no Arquipélago dos Açores.

No continente, além da família Boal, participei integralmente da colônia de exilados. Foi um período de muita reflexão e de solidariedade. Nesta colônia fiz grandes amizades que permanecem até hoje. Lembro-me com saudade de Thiago de Mello, Fernando Batinga, Clóvis Brigagão, Moema Santiago, Pedro Celso Uchôa Cavalcanti, Tetê Morais e muitos outros.

Retornei ao Brasil em 1978. Não havia processo formal contra mim. Eu não estava entre as pessoas mais perigosas, embora uma revista do Centro de Informação da Aeronáutica tenha publicado três fotos minhas me colocando entre os perigosos que voltaram do exílio.

De volta ao Brasil vim para o Rio de Janeiro. Exerci o ministério pastoral na Igreja Cristã de Ipanema, uma comunidade de tradição presbiteriana e fui professor da Faculdade de Serviço Social do Rio de Janeiro, e posteriormente, ingressei na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, onde, além de pároco, fui Pastor Distrital e Vice-Pastor Sinodal.

Quanto à Mensagem de Natal da IECLB de 1978 não tomei conhecimento. Acho um documento de grande significado. Foi um posicionamento corajoso e contundente que deve ser lembrado.

Com o amadurecimento do ministério pastoral fui aprendendo a separar a fé da ideologia. Com esse espírito fui Pastor do General Ernesto Geisel e de sua família. Visitei o General no hospital e oficiei o seu sepultamento. Toda a imprensa da época ressaltou o fato de um ex-exilado dar assistência espiritual a um dos líderes do regime militar. A minha resposta aos jornalistas é que o pastor é de todos e que a fé está acima da ideologia.

Sobre imprescritibilidade dos crimes de tortura, para mim, é claro: são crimes imprescritíveis. A tortura é um crime hediondo. Um crime lesa-humanidade. Injustificável em qualquer regime político. Fere a dignidade humana. Não pode ser justificada como crime político.

Para concluir quero manifestar a minha esperança no Brasil. Evidentemente existem inúmeros problemas de ordem econômica, política, social e ecológica. A corrupção é coisa de rotina. Os desmatamentos são imensuráveis. Portanto as Igrejas continuam com um papel fundamental: denunciar, organizar e mobilizar pessoas para a construção de um novo céu e uma nova terra. Particularmente tenho grande esperança na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em que tenho servido durante os meus últimos vinte anos. Não me refiro a esta Igreja como Instituição, mas como a soma de experiências vividas e sofridas em comunidades locais, onde se prega a Palavra de Deus e se celebram os sacramentos.

 


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