Sê fiel até à morte | Atos 7.55-60

5º Domingo da Páscoa | ANO A

05/05/2023

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

“o sangue dos mártires é a semente da Igreja” afirmou Tertuliano de Cartago no segundo século da era cristã. Jesus já havia sido morto e já havia sido ressuscitado pelo Pai. A mensagem do Reino de Deus era anunciada aos quatro cantos do mundo com grande entusiasmo e alegria. Se nem mesmo a morte foi capaz de prender a Jesus, a que temeriam agora? Não havia nada a temer!

Após o envio do Espírito Santo, inicia-se a Igreja Primitiva. Surgem os primeiros cristãos que são os “pequenos cristos” no mundo. A poderosa mensagem do Evangelho já não poderia mais ficar retida: precisava ser espalhada por todos os lugares do mundo. E assim, quem antes vivia sozinho e isolado em suas lutas pessoais agora podia ser encontrado por uma maravilhosa novidade: a comunidade! Não precisavam mais estar sozinhos, mas poderiam viver a mesma fé com diferentes irmãos e irmãs. A comunidade supera o individualismo e faz a união de forças onde antes havia apenas solidão.

Dentre as primeiras comunidades estava Estêvão. Ele foi um dos primeiros diáconos da Igreja Primitiva, escolhido pelos apóstolos para auxiliar na distribuição de alimentos e no cuidado com os necessitados. Assim disseram os doze apóstolos: “ – Não é correto que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. Por isso, irmãos, escolham entre vocês sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, para os encarregarmos desse serviço. Quanto a nós, nos consagremos à oração e ao ministério da palavra. O parecer agradou a todos. Então elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram estes homens aos apóstolos, que, orando, lhes impuseram as mãos. A palavra de Deus crescia em Jerusalém, o número dos discípulos aumentava. Também um grande grupo de sacerdotes obedecia à fé.” (Atos 6.2-7). É interessante notar as características dos escolhidos à diaconia:

Homens de boa reputação (v. 3);

Cheios do Espírito e de sabedoria (v. 3);

Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo (v. 5).

 

Este grupo tinha como incumbência à diaconia. A explicação do problema social está no começo do capítulo 6: “Naqueles dias, aumentando o número de discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária”. (Atos 6.1-2). Os apóstolos estavam sobrecarregados. Não estavam dando conta do serviço. Por isso, levantaram sete homens que são sete diáconos encarregados das ações sociais a favor das viúvas que dependiam da solidariedade para sobreviverem.

Estêvão foi um irmão abençoado: “Estêvão, cheio de graça e de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo.” (Atos 6.8). Infelizmente, o testemunho de Estêvão começou a incomodar muitos que não eram cristãos, mas hebreus. Inclusive, tentaram discutir com Estêvão: “Mas eles não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito, pelo qual ele falava”. (Atos 6.10). Como não podiam “ganhar no debate”, então eles agem por baixo dos panos: “Então subornaram alguns homens para que dissessem: – Ouvimos este homem proferir blasfêmias contra Moisés e contra Deus”. (Atos 6.11). Eis o ser humano: quando não consegue vencer com a força do argumento, procura vencer com a força da violência! E assim, “atiçaram o povo, os anciãos e os escribas e, investindo contra Estêvão, o agarraram e o levaram ao Sinédrio. Apresentaram testemunhas falsas, que disseram: – Este homem não para de falar contra o lugar santo e contra a lei. Nós o ouvimos dizer que este Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes que Moisés nos deu.” (Atos 6.12-15). Se não podem vencer pelo argumento, procuram vencer a todo custo através da força! Sim! Sujam as mãos para fazer valer a sua vontade. Agem com poder para mostrar “com quem Estêvão está se metendo”.

Então, no capítulo 7 de Atos dos Apóstolos, nós encontramos a longa defesa de Estêvão. Em sua defesa, Estêvão faz um longo discurso no qual relembrou a história do povo de Israel e denunciou a resistência dos líderes religiosos à mensagem de Deus, que culminou na crucificação de Jesus Cristo. Estêvão termina sua defesa com palavras duras: “ – Homens teimosos e incircuncisos de coração e de ouvidos, vocês sempre resistem ao Espírito Santo. Vocês fazem exatamente o mesmo que fizeram os seus pais. Qual dos profetas os pais de vocês não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vocês agora se tornaram traidores e assassinos, vocês que receberam a lei por ministério de anjos e não a guardaram”. (Atos 7.51-53).

A defesa de Estêvão foi a “gota d’água” para os seus ouvintes: “Ao ouvirem isto, ficaram com o coração cheio de raiva e rangiam os dentes contra ele”. (Atos 7.54). O coração dos seus ouvintes foi inundado pela violência. A mensagem do Evangelho que para alguns significa a salvação e a libertação, para outros se traduz em ódio, raiva e violência. Eles já não podiam se conter. Avançariam sobre Estêvão como cães raivosos prontos para devorá-lo por inteiro.

E assim chegamos ao texto lido anteriormente que é o texto previsto para a pregação hoje, conforme Atos 7.55-60. Nestes seis versículos temos registrado os últimos momentos da vida desse servo de Deus, o primeiro mártir cristão. Para compreendermos melhor estas palavras, vamos dividir o momento em três partes:

 

1 A PRESENÇA DE DEUS EM MEIO À INJUSTIÇA (vs. 55-56)

 

Estêvão foi injustiçado. Os inimigos da fé cristã inventaram fatos e chegaram a subornar pessoas para testemunharem contra Estêvão. Todo o processo está manchado pela marca da injustiça. O ser humano faz de tudo para fazer valer a sua vontade, inclusive passando por cima da lei e inventando fatos inexistentes para conseguir aquilo que quer. Todo o processo contra Estêvão é um processo fraudado pela cobiça e pelo orgulho humano – tal qual se deu o próprio processo contra Jesus Cristo. E quantos inocentes morrem em nome de uma justiça falha e desonesta?

Mesmo assim, Estêvão pôde ver a presença da glória de Deus. Ele não estava sozinho em sua luta. Mesmo na iminência da morte, Estêvão não olha para baixo ou para os lados, mas para os céus. Sim! Ele ergue os seus olhos para as alturas onde contempla o próprio Senhor Jesus assentado à direita de Deus, o Pai. Estêvão será morto, mas ele contempla ao Senhor Jesus como sinal de esperança e de aprovação. Ele será morto, mas a mensagem pela qual ele será morto não pode ser morta. Jamais! É mensagem de vida, vida em abundância! É mensagem de libertação a todos os que também sofrem com a injustiça nos diferentes lugares deste mundo mau!

 

2 A TENTATIVA HUMANA DE SILENCIAR AO REINO DE DEUS (vs. 57-58)

 

Seus opositores, porém, estão raivosos. Seus ouvidos estão fechados para a mensagem do Evangelho. Mesmo que a mensagem do Evangelho seja uma mensagem sobre o amor de Deus pelo ser humano pecador, seus corações estão cheios de ódio e indiferença. E é com esse ódio que eles avançam para cima de Estêvão como cães raivosos.

Em nome de seus próprios conjuntos de ideias, acham justificativas para a violência. Querem silenciar o discordante. Não suportam a discórdia. Não suportam aquele que tem um pensamento diferente. Não suportam seus argumentos. Não suportam nem mesmo a sua existência. Querem eliminá-lo, cancelá-lo, excluí-lo, matá-lo. E agem com violência em nome de Deus! Acreditam que Deus estará do seu lado. Hipócritas!

A partir do Evangelho, porém, sabemos que Deus não age e não se identifica com a violência, a exclusão, a injustiça e a indiferença. Ali onde há violência, certamente não está a presença de Deus. Deus não quer a violência contra os povos indígenas; Deus não quer a violência contra outras pessoas por causa do seu gênero; Deus não quer a violência contra outras pessoas por causa da sua cor de pele; Deus não quer a violência contra outras pessoas por causa da sua religião; Deus não quer a violência contra a sua Criação. Tenhamos certeza de que onde há a violência, ali não está a presença de Deus!

Mesmo que as autoridades religiosas que avançaram contra Estêvão agissem em nome de Deus, vemos claramente que Deus não estava com eles. Ao contrário, Deus estava com Estêvão, o violentado, o oprimido, o assassinado. Deus não está do lado dos assassinos, mas Deus está do lado dos assassinados; Deus não está do lado dos opressores, mas Deus está do lado dos oprimidos; Deus não está do lado dos poderosos, mas Deus está do lado dos mais fracos.

Nunca coloquemos Deus ao lado da violência; nunca coloquemos Deus ao lado de discursos de ódio e de cancelamento; nunca coloquemos Deus ao lado da exploração predatória da sua boa Criação – que não pecou, mas que sofre por causas dos nossos pecados; nunca coloquemos Deus ao lado daquilo que traz a injustiça, a dor, a exclusão e a morte. Deus é Deus de vida e vida em abundância. Deus não quer a morte! Deus quer a vida e que todos vivam com dignidade! Esse é o projeto do Reino de Deus.

 

3 O MARTÍRIO E A FIDELIDADE DE ESTÊVÃO (vs. 59-60)

 

“E enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: – Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. (Atos 7.59). Estêvão foi morto! Qual foi o seu crime? Viver e pregar o Evangelho. Seu crime foi ser um diácono! Seu crime foi renunciar à própria vida para viver para o próximo. Esse foi seu crime!

O mundo se incomoda tanto com esse tipo de ação... Estêvão foi fiel ao projeto libertador do Reino de Deus. Não é um Reino de opressão, miséria e dor, mas da partilha, do amor ao próximo e da aceitação. Porém, é um Reino que incomoda, pois mexe e balança em estruturas poderosas...

E é por isso que tantos “Estêvãos” continuaram sendo perseguidos e mortos em toda a História da Igreja. É por isso que Tertuliano disse: “o sangue dos mártires é a semente da Igreja”. Quanto mais os poderosos matavam os cristãos, mais a Igreja crescia e aumentava! Isso se chama resistência e resiliência. É preciso resistir, mesmo que ameacem a nossa própria vida. Como diria Darcy Ribeiro, “meus fracassos são as minhas vitórias; eu detestaria estar do lado de quem me venceu”. Exato! Dependendo do ponto de vista, é melhor fracassar que vencer! É melhor estar do lado do Estêvão em seu fracasso de morte que ao lado dos vitoriosos assassinos!

E Estêvão morre orando: “Então, ajoelhando-se, gritou bem alto: - Senhor, não os condenes por causa deste pecado!” (Atos 7.60). É muito interessante! A pessoa fiel a Deus morre não doando mais violência, ódio ou vingança; ao contrário, morre doando misericórdia – como fez Jesus! Morre deixando uma mensagem de esperança e não uma mensagem de vingança! Estêvão não disse “esperem, o de vocês está guardado”, mas “não os condenes por causa deste pecado”.

Que a vida e a morte de Estêvão sirvam de inspiração a todos nós para que sejamos resistentes e resilientes em nossa vida cristã. Que hajamos por libertação mesmo que a ação possa colocar em risco o nosso próprio pescoço. Sejamos cristãos na prática! Assim como Estêvão, assumamos a diaconia como um projeto de vida que quer causar verdadeiras mudanças nas estruturas da sociedade – em favor dos que mais precisam.

Tenhamos coragem, como teve Estêvão. Amém.

 

5º DOMINGO DA PÁSCOA | BRANCO | CICLO DA PÁSCOA | ANO A

07 de Maio de 2023

 

P. William Felipe Zacarias


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 7 / Versículo Inicial: 55 / Versículo Final: 60
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 70275
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Salmo 33.11
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