Declaração conjunta da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica Romana sobre a doutrina da justificação

Declaração conjunta Católica Romana-Evangélica Luterana - Porto Alegre - 1998

14/11/1996

Declaração conjunta da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica Romana sobre a doutrina da justificação

Cardeal Dom Aloísio  Lorscheider*

1. Alegria 

O primeiro sentimento diante deste projeto de Declaração Conjunta (DC) é de alegria. Após tantos anos de controvérsias, suspeitas, reservas, com um trabalho de pessoas de alto gabarito, trabalhando lado a lado, por que não dizer ombro a ombro, com a graça de Deus, chega-se a divisar um resultado que abre perspectivas para a unidade em Cristo para ambas as Igrejas, oportunizando a seu tempo a intercomunhão tão suspirada por todos. 

Esta Declaração toca o problema central da divergência. Vê-se que a convergência, a compreensão mútua e a aceitação doutrinal de parte a parte do que constitui a raiz da divisão, está para se alcançar. 

Chegados a um consentimento sobre a doutrina da justificação, católicos e luteranos poderão dar-se as mãos. Ulteriores questões concernentes à Igreja, aos sacramentos, de modo particular à Eucaristia e ao Ministério ordenado, poderão ter solução mais fácil e até mais rápida. Posto o fundamento, as deduções serão bem mais inteligíveis. Na realidade é a graça do Espírito Santo que está levando a este êxito feliz. 

Entretanto, o Espírito Santo serviu-se desses diálogos entre as duas partes, diálogos baseados na ciência e investigação bíblica, histórica e sistemática, destas últimas décadas, para chegar a um alto grau de convergência na abordagem e nas conclusões da doutrina da justificação. 

O projeto que ora é apresentado para estudo e possível aperfeiçoamento, tem por finalidade dar a cada um a possibilidade de se expressar e colaborar na elaboração final do mesmo. É o espírito de comunhão e participação que hoje perpassa nossas Igrejas. Deus seja bendito! 

É preciso ficar bem claro que esta DC tem a convicção de que uma superação de questões controversas e de condenações doutrinárias até agora vigentes não minimiza as divisões e condenações nem desautoriza o passado da própria Igreja. Repousa, porém, sobre a convicção de que no decorrer da história nossas igrejas chegam a novas percepções e de que ocorrem desdobramentos que não só lhes permitem, mas ao mesmo tempo também exigem que as questões e condenações divisoras sejam examinadas e vistas a uma nova luz. 

2. A Bíblia e a justificação 

Há dois textos das Cartas de São Paulo que poderiam ser mais sublinhadas: um é Rm 3,21-31; o outro é Filip 3,9, que apresenta diversos pontos de contato com Rm 3,21-31 (cf. também Ef 2,8-10). 

2.1. Rom 3,21-31. É um texto fundamental para compreender a doutrina paulina sobre a justiça de Deus e a justificação. Ao tema da justiça de Deus são dedicados os vv. 21-26. É a revelação da justiça de Deus e a possibilidade de acesso a ela por parte de quem crê: Mas, agora, independentemente da lei, a justiça de Deus foi manifestada; a lei e os profetas lhe prestam testemunho. É a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos os que crêem, pois não há diferença: todos pecaram, estão privados da glória de Deus, mas são gratuitamente justificados por sua graça em virtude da libertação realizada em Jesus Cristo. Foi a ele que Deus destinou para servir de expiação por seu sangue, por meio da fé, para mostrar o que era a justiça, pelo fato de ter deixado impunes os pecados de outrora, no tempo da sua paciência. Ele mostra, pois, a sua justiça no tempo presente, a fim de ser justo e de justificar aquele que vive da fé em Jesus; e os vv. 27-31 são dedicados à justificação pela fé e não pelas obras. Há, pois, motivo para orgulhar-se? Está excluído! Em nome de quê? Das obras? De forma alguma, mas sim, em nome da fé. De fato, nós estimamos que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei. [É aqui que Lutero traduziu: o homem é justificado pela fé somente. O famoso sola fide, que deu lugar à mais viva polêmica.] Ou então, Deus seria somente o Deus dos judeus? Porventura não é ele também o Deus dos pagãos? Sim! Ele é também o Deus dos pagãos, visto ser um só o Deus que justificará os circuncisos, pela fé, e os incircuncisos, pela fé. Será que, pela fé, estamos tirando à lei todo o valor? Muito pelo contrário, estamos confirmando a lei! (Tradução da TEB — Tradução Ecumênica da Bíblia). 

Nesta passagem retoma-se o tema da justificação pela fé, anunciado como tema da Carta em 1,17: v. 16: Pois não me envergonho do Evangelho: ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu primeiro, e depois do grego. v. 17: De fato, é nele que a justiça de Deus se revela, pela fé e para a fé, segundo o que está escrito: 'Aquele que é justo, pela fé viverá'. Entre Rm 1,17 e Rm 3,21, São Paulo descrevera o quadro da humanidade pecadora, sem distinção entre judeus e não-judeus, submetida à cólera de Deus. Em contraste com a cólera de Deus vem a revelação da justiça. O v. 21 de Rm 3 indica esta mudança de tempos por um agora, que segundo a opinião de muitos exegetas indica o início da era escatológica. Seria como dizer: Mas, nestes últimos ou novíssimos tempos, independentemente da lei, a justiça de Deus foi manifestada... É um agora que reaparece em Rm 5,9; 6,22; 8,1. Este tempo de Cristo caracteriza-se precisamente pela revelação da justiça de Deus; manifestou-se sem ser causado pela lei, também se a lei e os profetas não têm outra função do que a do anúncio e do testemunho desta revelação que agora se cumpre. E uma revelação que já aconteceu, é um acontecimento único que todos conheceram (cf. Rom 1,17). Esta justiça de Deus é a ação salvífica e judicial escatológica de Deus em Cristo.

O v. 22 especifica quais as características desta justiça de Deus: revela-se mediante a fé em Jesus Cristo. Esta fé é a aceitação pessoal do Evangelho (cf. Rm 1,16ss.). O homem, em virtude da revelação da justiça de Deus, encontra-se em uma situação objetiva nova, é uma transformação que diz respeito a todos, judeus e não-judeus. A fé é a adesão pessoal e confiante ao ato salvífico objetivo; é fé em Jesus Cristo. A justificação está aberta a todos os que crêem. Esta nova situação objetiva que Cristo abre a todos é totalmente contrária à precedente na qual todos estavam sujeitos ao pecado: todos pecaram e estão privados da glória de Deus (v. 23. Veja-se, também, Rm 3,9: todos, judeus e gregos, estão sob o império do pecado). Esta justificação de Deus que se revelou e da qual o homem se apropria na fé, tem como consequência a sua justificação. A justificação é gratuita, isto é, pela graça, em virtude do amor de Deus manifestado em Jesus e em concreto em sua morte expiatória. 1) A graça de Deus, sua iniciativa amorosa, e 2) a fé em Jesus da parte de cada homem concreto, são os dois pólos do processo de justificação do homem. Há uma dupla demonstração da justiça de Deus: uma primeira no tempo da sua paciência; diante do pecado do homem, o amor e a fidelidade de Deus à aliança se manifestam no perdão dos pecados, no seu esquecê-los; é a justiça de Deus como se manifestou no Antigo Testamento. A manifestação definitiva da justiça de Deus, isto é, dAquele que é justo e justifica a quem crê em Jesus, realiza-se todavia no tempo presente, agora. Não se trata de uma simples condescendência, mas sim da realização daquele que crê na justiça, isto é, daquele que põe Jesus como fundamento da sua vida. 

Os vv. 27-31 desenvolvem a contraposição entre fé e obras. Não há razão para se orgulhar desde que Deus estabeleceu a lei da fé, fundada em Jesus e na sua obra de salvação, diante da qual a fé é a única reação correta do homem (cf. Gal 2,20-21): Pois a minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. Eu não tomo vã a graça de Deus; pois se é pela lei que se alcança a justiça, foi, portanto, para nada que Cristo morreu. O v. 28 abre-se com a solene afirmação estimamos (julgamos), que dá a impressão de introduzir o enunciado de uma tese: o homem justifica-se pela fé. Não se especifica o objeto desta fé, mas se subentende que se trata da fé em Jesus. Repete-se a negação do valor salvífico das obras da lei, aquelas nas quais o homem se gloria e se apóia. O v. 30 insiste sobre a universalidade da justificação pela fé: esta é oferecida a todos os homens porque Deus é de todos, dos judeus e dos pagãos. Por isso, não existe senão um só caminho para a justificação, tanto para os circuncisos quanto para os incircuncisos: a fé. A lei, diz o v. 31, é cumprida quando vem superada, quando é sustentada pela fé.

2.2. Filip 3,9: v. 8: Por causa dele perdi tudo e considero tudo isso lixo, a fim de ganhar a Cristo, v. 9: e ser achado nele, não já com uma justiça que seja minha, que venha da lei, mas com a que vem pela fé em Cristo, a justiça que vem de Deus e se apóia na fé.

É um versículo que tem muitos pontos de contato com Rm 3,21-31. A expressão justiça de Deus não aparece nesta passagem, mas fala-se daquela que vem de Deus, contraposta à justiça própria, isto é, a que vem da lei. A justiça que vem de Deus e que se acolhe pela fé, parece equivaler à justificação do homem.

Estes textos permitem-nos deduzir conclusões suficientemente claras sobre a noção de justiça de Deus em Paulo e sobre sua relação com a justificação de quem crê. Mesmo reinterpretando o termo à luz do evento salvífico de Cristo, Paulo se move na linha do conceito de justiça aplicada a Deus no Antigo Testamento. Trata-se da fidelidade divina à aliança que é causa da salvação dos homens. A infidelidade e injustiça do homem, e em particular dos israelitas, ressaltam ainda mais a justiça de Deus (cf. Rm 3,5). O Apóstolo, porém, insiste sobre esta concepção sobretudo em Rm 1,17 e 3,21ss.: a revelação da justiça de Deus equivale à revelação do Evangelho de Jesus Cristo; trata-se do evento salvífico por excelência no qual se manifesta até o fim a fidelidade de Deus à aliança com os homens. Concretamente esta justiça aparece com o seu caráter de perdão e de misericórdia, vencedora do pecado de todos os homens. Se o pecado é universal, também a revelação da justiça de Deus deve ser feita a todos os homens e se deve manifestar com a acolhida da parte de Deus do pecador e com a sua justificação. A justiça de Deus e a justificação do homem estão em relação intima. A justiça salvífica de Deus é dada unicamente em Jesus. E este o centro da mensagem paulina. Isto implica que qualquer outro caminho de salvação não tem valor; concretamente a lei e suas obras, pois se se obtivesse a justificação por este caminho, a salvação de Cristo não seria exclusiva (cf. Gal 5,4). A doutrina da justificação pela fé é a consequência do primado absoluto de Cristo.

3. A fé que justifica

O que justifica esta afirmação?

A fé em Deus significa o reconhecimento da obra salvífica de Jesus, é ver nela o fundamento radical da própria existência e da própria salvação e traz consigo a renúncia a apoiar-se em si mesmo e nas próprias obras.

Por esta razão, a fé é a aceitação da justiça de Deus que produz a justificação do homem. É a consequência da obediência ao Evangelho e a consequente decisão pela sua mensagem. Por isso, Paulo nos diz que a justiça de Deus se manifesta pela fé em Jesus Cristo (Rm 3,21a) ou que a justificação se produz pela fé (Rm 5,1; Gal 2,16). No primeiro caso contempla-se mais diretamente a situação objetiva, no segundo o processo ou evento subjetivo no homem. A fé é o meio pelo qual o homem se coloca nesta nova situação de justificado. Pela fé conhece-se a revelação da justiça de Deus e pelo mesmo meio se acolhe a justificação.

Tendo em vista Rm 3,27-31 (cf. Gal 2,16ss.) torna-se claro que não podemos considerar a fé como um mérito para acolher a justificação. A fé, opondo-se às obras, exclui qualquer pretensão de autojustificação. Não podemos simplesmente convertê-la em uma alternativa às obras, isto é, não se pode imaginar como algo que dê um certo direito a aceitação da parte de Deus. A fé equivale ao reconhecimento do primado e da iniciativa de Deus na salvação, por isso vai unida à obediência ao Evangelho. Paulo afirma repetidamente esta iniciativa divina na salvação (Rm 10,17; 1 Cor 8,3; 12,3; Gal 4,9; Filip 1,6; também 1 Jo 4,10ss.) De outra parte, a pregação apostólica supõe inevitavelmente um momento de liberdade do homem; se não, seria um anúncio e exortação, não se teria culpa na recusa consciente de Cristo (cf. Gal 5,7; Mc 16,16). Deve haver, portanto, um ato pessoal que, paradoxalmente, seja o contrário da afirmação de si mesmo. A fé é precisamente renunciar a esta afirmação, abandonar a confiança nas próprias obras, excluir o apelo diante de Deus a um direito ou a um mérito; por isto, é o caminho para aceitar a justiça de Deus e a justificação que vem de Deus e não de nós mesmos.

Fica, por conseguinte, excluído que a fé seja um mérito do homem, uma condição dependente só dele ou que deva cumprir com os próprios méritos. A fé em nenhum momento pode considerar-se independentemente de Deus. Se a justificação que procede de Deus e a justificação pela fé coincidem, isto quer dizer que a fé não é uma obra do homem, um princípio humano que venha a justapor-se ao dom divino da justificação. Justificação pela fé e justificação gratuita são exatamente o mesmo.

A fé do homem, único meio para alcançar a justificação, não é uma obra nossa, mas um dom de Deus. Isto, porém, não significa que se elimine a liberdade do homem na aceitação da justificação nem que as boas obras não tenham mais sentido, obras que o fiel realiza em relação com a sua fé. São os bons frutos produzidos pela fé. Não se deve entender a noção bíblica de fé no sentido de simples aceitação de verdades. A noção neo-testamentária tem um sentido muito mais rico. A fé é a confiança e o abandono total a Deus por meio de Jesus; é uma opção do homem todo que se deve manifestar em todos os aspectos da vida. A fé age por meio da caridade (Gal 5,6). A resposta positiva e a aceitação global da obra de Deus no homem devem trazer consigo uma atuação consequente. Não tem sentido, a partir do ponto de vista de Paulo, considerar como coisas separadas e distintas a fé e as obras; ao contrário, se estas não existem e se não são conforme aquilo que se professa, demonstra-se que não se tem fé. A contraposição entre a fé e as obras só tem sentido para eliminar a autocomplacência com aquilo que se faz, a convicção que com isto se possa apelar a um direito diante de Deus. Em caso nenhum se deve pensar que Paulo considere indiferente ou de nenhum valor em relação com a salvação a conduta do homem. Nas suas cartas se demonstra claramente o contrário. As nossas boas obras, consideradas do ponto de vista cristão, são também dom de Deus, manifestação da sua presença em nós.

4. A justificação, ação de Deus no homem

Depois de tudo o que se manifestou até agora, é preciso sublinhar mais uma vez que a justificação é iniciativa divina. O homem tem uma incapacidade radical de chegar a Deus se Ele não se aproximar do homem com a oferta da sua amizade e da sua graça. Além do mais, o homem, enquanto pecador e membro de uma comunidade pecadora, necessita do perdão de Deus. Como temos uma absoluta e total iniciativa divina na criação e elevação do homem, temos uma absoluta e total iniciativa na justificação. Há certo paralelismo entre a palavra criadora de Deus que faz surgir o ser do nada e a palavra justificadora, a declaração do homem como justo da parte de Deus. Com esta palavra o pecado é cancelado e o ser humano pode recuperar a amizade com Deus. A palavra de Deus é eficaz tanto como criadora quanto recriadora. Só Deus pode criar e, portanto, só Ele pode recriar, justificar o pecador. A justificação é, portanto, graça, favor de Deus, no sentido mais estrito da palavra. É a força da redenção realizada por Jesus Cristo que, não conhecendo pecado, foi feito pecado para nós para que nós fôssemos justiça de Deus nele (2 Cor 5,21. O mesmo em Gal 3,13: Cristo pagou para nos libertar da maldição da lei, tomando-se ele mesmo maldição por nós, pois está escrito: 'Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro'). Tornamo-nos uma nova criatura, revestidos do homem novo criado segundo Deus na justiça e na santidade que vêm da verdade (Ef 4,24). Na redenção de Cristo começa uma nova vida para todos os seres humanos, já que Jesus é o primogênito dos mortos (Col 1,18; Rm 8,29; 1 Cor 15,20ss.). Na obediência de Cristo até a morte, inaugurou-se um novo modo de ser criatura humana. A desobediência de Adão abriu a estrada ao pecado, a obediência de Cristo abre o caminho para a vida. A fé toma-se confissão confiante na ação salvífica por excelência, a morte e a ressurreição de Jesus (Rm 10,9ss.). A sola fides e o 'solus Christus, único caminho de salvação para os homens, abraçam-se. A fé em Jesus é, por excelência, a obra de Deus em nós.

Finalmente, é preciso não esquecer jamais que a justificação é um dom permanente de Deus. Como a criação é uma ação continuada de Deus que nos mantém a cada momento em nosso ser, assim também Deus nos mantém na sua amizade, justifica-nos constantemente. A ameaça do pecado é uma realidade contínua em nós. Enquanto vivemos neste mundo, não seremos capazes de superar totalmente esta realidade. É preciso ficar bem claro que a justificação e a transformação do ser humano pela graça redentora de Jesus aplicada a nós não podem, na visão católica, implicar nem implicam uma diminuição da nossa dependência de Deus nem significam afirmar uma autonomia do ser humano diante de Deus. O ser humano mesmo justificado necessita sempre da graça de Deus e do seu perdão em cada momento e em todos os aspectos da sua vida. Não podemos falar de uma própria justiça nossa de sorte a nos podermos considerar independentes de Deus, realizar o bem com autonomia sem a necessidade da presença constante da graça divina, do influxo do Espírito Santo com o qual fomos ungidos e marcados para o dia da libertação (cf. Ef 4,30).

5. Conclusão

Quero manifestar mais uma vez a minha alegria por termos diante de nós esta DC. Entretanto, não podemos esquecer-nos de que para o Novo Testamento a justificação plena é uma esperança escatológica, e não uma aquisição definitiva desta vida. Como também diz a DC, devemos continuar a lutar pela nossa salvação com temor e tremor (Filip 2,12) e com o risco da queda (1 Cor 10,11 s.). Até a manifestação escatológica do domínio de Cristo, o poder do pecado não será eliminado totalmente. Neste meio tempo, num ou noutro modo, influirá sobre os seres humanos. E em virtude do princípio da solidariedade, enquanto no mundo existir o pecado, nenhuma criatura humana poderá sentir-se completamente livre dele.

Esta última afirmação abre o caminho para uma consideração eclesiológica. O ser humano alcança a justificação enquanto entra na comunhão da Igreja. Na Igreja santa realiza-se a santidade de cada um dos seus membros, e somente enquanto membros do corpo de Cristo somos filhos de Deus. O pecado é também uma realidade na Igreja. Basta a infidelidade de um só de seus membros para que toda a Igreja se veja envolvida. Não podemos pensar uma Igreja ideal que jamais se realizou e jamais se realizará na história. Também não podemos concebê-la perfeita segundo o modelo unilateral da Encarnação com cujo modelo só tem uma analogia (cf. LG, 8).

A Igreja, acolhendo em seu seio os pecadores, é ao mesmo tempo santa e necessitada de purificação. No âmbito, pois, da Igreja, na qual se deve desenvolver a vida do justificado, existe o peso do pecado, do qual não se libertará enquanto dura a sua vida nesta terra.

Tanto pelo que se refere à aceitação pessoal da graça como pelo que se refere ao âmbito social no qual se encontra, na Igreja e no mundo, o justificado, mesmo fundamentalmente inserido em Cristo, encontra-se todavia afetado pelo pecado. É ao mesmo tempo justo e pecador (simul iustus et peccator), como a Igreja é ao mesmo tempo santa e pecadora (sancta simul et semper purificanda — povo santo e pecador!). Somente no final dos tempos o mistério de Cristo brilhará em todo o seu esplendor e somente no fim dos tempos serão realizadas a plena purificação e justificação de todos os homens salvos.

* Arcebispo de Aparecida/SP.

Veja:

Doutrina da Justificação por Graça e Fé

Apresentação — Pastor Huberto Kirchheim

Apresentação — Dom Ivo Lorscheiter

Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação

Declaração conjunta da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica Romana sobre a doutrina da justificação — Dom Aloísio  Lorscheider

Doutrina da justificação — no limiar de um acordo ecumênico? - Pastor Dr. Gottfried Brakemeier

A doutrina da justificação por graça e fé em Martim Lutero - Pastor Dr. Silfredo B. Dalferth

A Comissão Mista Nacional Católico-Luterana — Pastor Bertholdo Weber

Seminário Teológico Luterano-Católico sobre a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação — Parecer — Pastor Huberto Kirchheim e Dom Ivo Lorscheiter

Estudos bíblicos sobre o tema igreja e justificação - Prefácio

Estudo 1 - Justificação e Igreja

Estudo 2 - Jesus Cristo como único fundamento da Igreja

Estudo 3 - A Igreja do Deus Triúno

Estudo 4 - A Igreja como recebedora e mediadora da salvação

Estudo 5 - A missão e comunhão da Igreja

 


Autor(a): Aloísio Lorscheider
Âmbito: IECLB / Organismo: Igreja Católica Apostólica Romana - ICAR
Título da publicação: Doutrina da Justificação por Graça e Fé / Editora: EDIPUCRS e CEBI / Ano: 1998
Natureza do Texto: Artigo
ID: 20506
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