Apocalipse 21.1-16 - Você precisa de que? - Você precisa de UTOPIA

Prédica

14/06/2008


Leitura Bíblica Básica: Apocalipse 21.1-6
Outras Leituras:
Autor: P. Clovis Horst Lindner (Blumenau - SC)
e-mail:
Origem: CEJ - Paróquia Martin Luther
Cidade: Joinville - SC
Data da pregação: 14/06/2008
Data Litúrgica: 2a. Palestra de Evangelização na Paróquia

Prédica:
Tema: Você precisa de que? Você precisa de UTOPIA

Sonhar é uma coisa muito boa. É necessária, também. A nossa saúde depende disso. Quem sonha, não desanima. Ele tem um motivo para viver. Ele não se entrega. Ele acredita que o mundo pode ser diferente, mas não fica esperando que alguém realize esse sonho. Quem sonha, bota a mão na massa. Quer alcançar aquilo que sonha. Essa é a segunda resposta à nossa pergunta dessa semana: Você precisa de que?.

A história do racismo nos EUA... Parte do discurso de Martin Luther King, no dia 28/08/1963: Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississipi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.

Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir juntos para a prisão, defender a liberdade juntos e, quem sabe, um dia nós seremos livres. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado.

Leitura do texto bíblico da noite. Apocalipse 21.1-6 1 Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 2 Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. 3 Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. 4 E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. 5 E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. 6 Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida.

As pessoas sonham com muitas coisas. Muitos sonham acordados. Os jovens sonham com um namorado, uma namorada. Sonham com o casamento. Sonham com uma moto, um carro. As pessoas também sonham com tempos melhores, uma vida mais digna, melhores condições de vida. Sonhamos com um mundo mais humano, mais digno, mais justo.

Também os cristãos têm sua utopia. Este texto do Apocalipse é uma das mais belas descrições da utopia, da esperança dos cristãos. A cristandade espera um novo tempo, um novo céu e uma nova terra, sem lágrimas, sem injustiça, sem diferenças, onde todo sofrimento será transformado em alegria, e a morte será uma coisa que estará descrita somente nos livros de história: havia um tempo em que as pessoas morriam....

Muitos sonharam com uma nova sociedade. A maioria perdeu a própria vida na luta por seu sonho. Mas, sonhar é a própria essência da vida. O sonho é o lado gostoso da esperança. Ele idealiza o que se espera. Transforma nossos anseios num lugar, mesmo que imaginário. O sonho leva à utopia (um lugar fora da realidade). E, para desmentir logo os pessimistas e conformistas de plantão, uma utopia é realizável, sim! É só botar a mão na massa. Essa conversa de traduzir utopia como coisa mirabolante, que não dá para concretizar, é papo de alienado. Toda utopia conduz a uma topia (lugar), desde que se queira concretizá-la. Mas, se tantos sonhos acabaram dando em nada ou concretizando-se apenas em parte, vale a pena sonhar? Por qual sociedade vale lutar?

Todos os sonhos deixam um gancho no qual podemos pendurar as nossas esperanças. Vale a pena lutar por elas. Quem não quer uma sociedade com paz e justiça? Quem não deseja um mundo sem discriminação, onde as pessoas são respeitadas pelo que são e não pelo que têm, onde a cor da pele, o sexo, a origem não são parâmetros para emitir um juízo sobre seu caráter? Quem não pensa num mundo em que não se anda por aí com um rolo cheio de rótulos para colar na testa das pessoas? Quem não deseja uma sociedade onde se possa dizer o que se pensa, sem ser patrulhado, onde se possa ir e vir em plena liberdade, sem que outros coloquem cercas ou determinem a estrada que se deve tomar? No qual se possa sair a qualquer hora do dia ou da noite sem medo de ser assaltado ou atingido por uma bala perdida?

Como podemos tornar realidade o que sonhamos? É possível transformar a realidade? Ou somos reféns das autoridades, dos governantes, dos poderosos, para que eles baixem decretos e façam acontecer as coisas com que sonhamos?

Para que nossos sonhos se concretizem, é preciso fazer. Sonho não cai do céu. Não basta sonhar, tem que participar. Goethe disse, que um sonho que se sonha só permanece sendo apenas um sonho, mas um sonho que se sonha em conjunto, pode tornar-se realidade. Por isso, a primeira regra é compartilhar com outros, sonhar junto, trabalhar juntos para realizar. Porque um sonho não se concretiza a reboque. Eu posso e devo embarcar num sonho com outras pessoas, fazendo a minha parte.

Cá entre nós, sonhar a reboque é uma mania bem brasileira. Os culpados pela situação do Brasil sempre são os outros: o governo, as classes dominantes, os ricos, os políticos, os burocratas, o prefeito, os vizinhos, o papa, o pastor. Dizemos que a violência origina-se nos desocupados, na polícia, nos bandidos. Jamais admitimos que contribuímos com ela, quando xingamos alguém no trânsito ou colocamos uma pedra de tropeço no caminho de quem nos incomoda. Pois é, sempre são os outros. Eu não tenho nada com isso. Me deixem de fora! Assim, nada vai mudar. Assim, nenhum sonho aterrissa. Assim, o mundo vai continuar do mesmo jeito como sempre foi.

Para participar do sonho, é preciso ser cidadão. Isso é muito importante. E ser cidadão é resultado de uma posição ativa. Ninguém se torna cidadão sendo passivo. Quem é passivo, não é sujeito da história. Ele sofre história. Os outros a fazem em seu lugar. Cidadania é coisa que se conquista com empenho, vontade própria, luta, engajamento.

Como alguém se torna cidadão, ou seja, alguém que se ocupa das coisas da sua cidade? Cidadania é, antes de mais nada, resultado de um imenso esforço de auto-conhecimento e de entendimento da realidade. Só pode ser cidadão quem não é alienado, não está por fora. Alienação e ignorância combatem-se com informação. Informação obtém-se com boa leitura. O maior teólogo do século 20, Carl Barth, sempre dizia que um cristão deve ser uma pessoa muito bem informada: Um cristão deve ter a Bíblia em uma das mãos e o jornal na outra, ele dizia. Não adianta saber partes inteiras da Bíblia de cor, se isso não tem aplicação na nossa vida diária, não modifica o mundo em que vivemos, não transforma a nossa forma de viver e nossa sociedade.

O conteúdo do evangelho somente pode ser mensagem salvífica de fato para dentro de uma determinada realidade. O evangelho não liberta em vôo rasante. Ele precisa pousar. Precisa tocar o chão que pisamos, tornando-se carne. O evangelho tornou-se carne com Jesus de Nazaré. Através dele, o próprio Deus entrou na realidade cotidiana das pessoas, transformando-a, renovando-a, mexendo com ela de tal maneira que há um antes de Cristo e há um depois de Cristo na nossa história.

Para pousar no aeroporto da realidade em que vivemos, o evangelho precisa mais do que das palavras de João, Paulo, Moisés ou Jesus. Ele precisa ouvir a voz dos que clamam no deserto do momento em que vivemos. Ele precisa encarnar. A palavra de Jesus é como o eco. Ela não volta vazia. Mas, para isso, precisa ter um lugar em que ricochetear para voltar plena, cheia, carregada. A palavra de Jesus recebe sentido ao dar de cara com a realidade, recolher dela o sabor e, somente então, voltar à sua fonte de origem. Cristão que ama Jesus, ama a realidade. Informa-se. Está por dentro. Conhece o mundo, seus problemas, conflitos, angústias e necessidades. Somente quem conhece a realidade em que vive, pode sonhar em transformá-la. Quem não conhece o ambiente que o cerca, conforma-se com ele, mesmo que isso represente aceitar sofrimento, injustiça e opressão.

Não dá para construir uma utopia a partir do nada. É preciso ter subsídios para poder imaginar a terra prometida. A imaginação precisa ser adubada, constantemente, ininterruptamente. O adubo para o crescimento da cidadania é a informação. Não há como escapar.

Ser cidadão é mais do que ter direito a voto aos 16 anos e poder colocar uma carta de habilitação no bolso, para dirigir automóveis. É preciso tornar-se um ser político. Essa palavra está bastante desgastada e se tornou até meio suja nos últimos tempos. Política lembra corrupção, sujeira, falta de ética e de escrúpulos, querer conquistar somente vantagens para si mesmo e por aí vai.

Mas, quando eu falo de política, não me refiro a toda essa sujeira. Estou falando muito mais de atitude. Porque a palavra política tem a mesma origem da palavra cidadania. Política raiz no termo grego polis, cidade. Portanto, o político se preocupa com as coisas da cidade, da cidadania. Ser cidadão é exercer o lado político da vida que, em última análise, nada mais é do que participar ativamente na vida da sociedade. Tudo o que diz respeito ao convívio entre as pessoas, tem a ver com política.

A política também é parte integrante e inseparável do ser do cristão. Por isso, falar de um novo céu e uma nova terra, nos quais habita justiça, tem a ver com cidadania, com política, com ação, com concretizar um sonho de mundo melhor. Os novos céus e a nova terra não são um sonho dos cristãos para ser guardado somente para um futuro, quando Cristo voltar. Eles já iniciaram com a sua primeira vinda. Cabe aos cristãos colocar, todos os dias, pequenos Sinais disso em sua forma de viver.

Na visão de Jesus Cristo e na forma como ele vivenciou sua mensagem, o homem é um ser inteiro, indivisível. Nem só corpo, nem só espírito. O ser humano é corpo e espírito. Não é possível somente salvar a alma e tratar o corpo como um mero habitáculo temporário. O novo céu e a nova terra propostos por Jesus atinge o homem todo e todo homem, aqui e agora. Por isso mesmo, o cristão não se conforma com as injustiças. Ele não consegue dormir sossegado, enquanto há um só semelhante seu passando fome. Ele não pode calar-se, enquanto há um só sendo perseguido, torturado, usurpado em seus direitos. Ele não se preserva. Ele assume todas as responsabilidades por sua utopia de um mundo nos moldes do evangelho de Jesus Cristo.

Isso não quer dizer que você precisa resolver todos os problemas do mundo e carregar tudo nas costas. Apenas não fique aí parado. Faça a sua parte. Fuja da alienação e busque uma causa pela qual deseje lutar. Engaje-se num movimento, participe de uma campanha, deixe-se desafiar pelo pro-testo de sua mente.

Vou contar uma pequena parábola que gosto muito de repetir: Um passarinho costumava sobrevoar a floresta todas as manhãs e alegrava-se com a vista do mundo em que vivia. Certa manhã, viu fumaça no horizonte. Apressado, voou em sua direção. Ao chegar perto, viu que sua bela floresta estava em chamas. Os animais corriam do fogo, apavorados, sem saber o que fazer. O pequeno pássaro não fugiu da responsabilidade. Rapidamente, foi ao rio, encheu seu pequeno bico com água (uma gota!) e sobrevoou o local do incêndio, soltando a gota bem no meio do fogo. Voltou ao rio, e repetiu o trabalho. Dezenas de vezes realizou o mesmo percurso, incansável.

O elefante, que tomava um relaxante banho matinal no rio, observava a agitação do pequeno pássaro. O que você pensa estar fazendo aí, meu amigo? Por acaso você acredita que vai apagar o fogo da floresta?, ele perguntou, zombando do empenho do pequeno emplumado. Posso não apagar o incêndio da floresta, mas estou fazendo a minha parte, respondeu o pássaro, na esperança de que o enorme elefante enchesse sua tromba de água e, com um poderoso jato, apagasse as chamas.

Sonhar é preciso. E sonhos são exclusividade de cidadãos. Mesmo que sejam apenas pássaros e que seu sonho tenha o tamanho de uma gota.

Quando Deus criou todas as coisas, sua utopia era um paraíso, que também não deu certo. Mas, apesar do fracasso, ele não entregou os pontos. Ao contrário, não mediu esforços para resgatar sua utopia original. Foi capaz de deixar que seu próprio filho morresse na cruz, num gesto extremo, para resgatar seu sonho. A promessa dos novos céus e da nova terra não nos pode deixar indiferentes. O mundo clama por sinais concretos dessa promessa. Por isso, sonhar é preciso. A esperança maior está na ressurreição daquele que Deus sacrificou para manter sua utopia. O Cristo vivo é a fonte suprema de inspiração de todo sonho digno de ser sonhado.

Para encerrar esta nossa noite, leio para vocês a Bênção Franciscana, como um bálsamo a ungi-lo para que sonhem, com coragem, e positivamente invistam na transformação deste mundo num lugar melhor do que ele é:

Que Deus te abençoe com sagrada raiva à injustiça, à opressão e à exploração de pessoas para que possas trabalhar incansavelmente pela justiça, liberdade e paz entre todas as pessoas. Que Deus te abençoe com o Dom de lágrimas para derramá-las com aqueles que sofrem (...) Que Deus te abençoe com tolice suficiente para que creias que realmente podes fazer a diferença neste mundo, para que possas com a graça de Deus, fazer aquilo que os demais insistem ser impossível.

Amém.

P. Clovis Horst Lindner
Blumenau - SC


Autor(a): Clóvis Lindner
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense / Paróquia: Joinville - Martin Luther
Testamento: Novo / Livro: Apocalipse / Capitulo: 21 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 8907
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Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
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