Isaías 11.1-9

Auxílio Homilético

25/12/1982

Prédica: Isaías 11.1-9
Autor: Waldir Steuernagel
Data Litúrgica: Natal
Data da Pregação: 25/12/1982
Proclamar Libertação - Volume: VIII

I — A expectativa natalina

Foi um desses natais. Como todos os anos, as ruas, lojas, casas e igrejas estavam cheias. Um corre-corre tremendo. O 13° salário havia saído e as notas corriam por todos os lados. Gastava-se o que se tinha e o que se não tinha.

Em meio a tudo isso, as pessoas tinham tido tempo para estar, inclusive, na igreja que, nessa época do ano. também multiplica suas atividades.

Ver as programações se sucederem, bonitas, a igreja cheia de gente, sempre despertou em mim a vontade de sentar-me na cadeira de balanço, esfregar a barriga com as mãos e, subindo-as até o peito suspirar satisfeito: Que coisa boa! Comunidade, beleza, música, harmonia... Mas então percebi a luz vermelha — sinal de perigo. Que tentação danada, essa de satisfazer-se com o acúmulo de programações bonitas, conformando-se com essa vida cristã festiva, aparente, por vezes.

Será que ainda se ouve realmente a mensagem do Natal? Há lugar para o Messias esperado? É isso que Jesus veio trazer? O texto em pauta nos acorda do torpor e nos diz que este doping — natalino — consumista não é legítimo. Ele nos mostra que, no Messias, interioridade e exterioridade, criação e redenção, rebento e justiça, andam de mãos dadas. São filhos do mesmo pai e afetados pela esperança cristã no passado, no presente e no futuro. Esta é a chave hermenêutica a partir da qual queremos ler o texto, dentro da nossa realidade e de nossos desafios.

II — Texto e contexto

Do capitulo anterior, nos seus dois últimos versículos, nos vem o cheiro do juízo de Deus: Cortará os ramos com violência, as árvores de alto porte serão derribadas... Mas o juízo não tem a última palavra e a esperança irrompe novamente. Agora, porém, esta adquire um colorido diferente e até pouco usual: é apocalíptica e messiânica, do trono de Jessé sairá um rebento...

Nos primeiros capítulos do Livro do profeta Isaias vamos encon¬trar três textos messiânicos clássicos:

7.10-17- ...eis que a virgem conceberá';

9.1 - 6 - ... o povo que andava em trevas viu grande luz...: e

11.1- 9 - ... das raízes de Jessé sairá um renovo.

Creio até que, por vezes, nos sentimos pouco à vontade com os textos apocalípticos. Parece que estamos dentro de calças apertadas, faltando-nos a liberdade de movimentos. Além disso, o próprio Livro ao profeta Isaias já não é tão fácil. Weber nos diz que este livro e difícil de ser esquematizado. A história do seu surgimento e composição e complexa, o que já se pode ver pelo fato, por exemplo, de a vocação aparecer apenas no cap. 6 (Weber, p. 205).

Pode-se observar que, nos primeiros doze capítulos, como que num bloco, o profeta se dedica a olhar preponderantemente para dentro, ou seja, trata do destino do próprio povo. Nestes capítulos o juízo e a salvação caminham lado a lado. Ameaças que colocam em jogo a própria sobrevivência do povo, o perigo iminente de destruição, convivem com arroubos de esperança que chegam a nos assustar. São as profecias em torno do Emanuel que fornecem o colorido para essa esperança (Weber, p.215).

Onde tal esperança encontra eco? Quem está disposto a ouvir da sua descrição? Mesmo que o profeta fale do juízo, conclamando o povo e o rei a uma fé genuína, são poucos aqueles, nos quais ele acha uma fé autêntica. Encontra-a apenas no remanescente fiel — este se converterá (Is 10.21ss).

Há, no seio da comunidade cientifica, divergências sobre a autenticidade destes textos apocalípticos de Isaias. Cremos não haver problemas em caracterizá-los como representantes da esperança pelo Messias, que, conforme Weber, aludindo à pesquisa moderna, volta, em suas origens, aos tempos mais antigos (Weber, p. 21 7).

Diz-se ainda que Is 7.10-17 assume a primazia como profecia messiânica, sendo discutível tratarem-se Is 9.1 -6 e 11.1 -9 de um acrés¬cimo posterior ou não. Encerramos este debate com as palavras de Kaiser: Normalmente se vêem os caps. 2 - 4, 5 e 9 -11 como coletâneas pertencentes ao período da atuação inicial do profeta, que abarcaria, presumivelmente, somente o ano 736/735, ou, na datação que toma como referência a morte do rei Uzias, o ano 746/745. (Kaiser, Einleitung, p. 178s)

Quanto ao gênero, Is 11.1-9 segue o modelo de um oráculo real, recitado em Israel por ocasião da entronização do rei, ou pelo menos numa festa preparada para o rei. Mas, as esperanças que, naquele contexto, eram depositadas no soberano foram ampliadas pelo profeta, vindo a constituir-se num novo quadro de esperança: o Messias virá (Wildberger, p. 61).

O lugar de transmissão deste texto pode ter sido o próprio templo de Jerusalém ou até mesmo a grande festa de outono, na qual se comemorava, expressamente, a escolha da dinastia de Davi, da qual o Messias haveria de ser descendente (Kaiser, Jesaja, p. 124): do tronco de Jessé sairá um rebento ' (v. 1).

III — Conteúdo

Vv.1-3: O juízo não tem a última palavra. Como que dos escombros do povo, registrado nos versículos anteriores, renasce a esperança. Se os olhos do profeta estão postos no futuro, ele busca o que já se leve de mais glorioso e significativo na história do povo para descrever a esperança: saudosos tempos de Davi. Da sua descendência nascerá a esperança e do remanescente fiel emergirá o renovo.

Este será filho de Davi e receptor privilegiado do Espírito do Senhor. Mas que Espírito é este? É de sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, conhecimento e temor do Senhor.

O rebento de Davi será submisso a Javé e o temor do Senhor lhe será por aroma suave. É no conhecimento de Deus e no temor do Senhor que o renovo conduzirá sua missão.

Vv.4-5: Benditos serão os dias em que haverá justiça. Os personalismos serão rejeitados como forma de conduta e outros critérios serão introduzidos: justiça e equidade para os pobres e os mansos da teria, o morte para os perversos, sendo a própria terra afetada.

A prática da justiça deve estar na agenda de qualquer convivência humana. O próprio Estado se manifesta como praticante dela, quando honra seus membros mais fracos. Com esta esperança, o profeta está no solo da ideologia israelita, bem como de toda a ideologia real antiga e oriental (cf Sl 45.4,7: SI 722,4. 12s; Pv 20.8). (Kaiser, Der Prophet Jesaia, p. 127) Neste, sobre quem repousam a esperança do profeta e o Espirito do Senhor, se pode confiar. Todas as relações de injustiça, opressão e violência serão erradicadas e substituídas por um novo estilo de vida, que traz de volta os valores da criação e que pode ser qualificado pelo binômio harmonia e convivência, os quais são frutos, agora, da justiça e fidelidade do descendente de Jessé.

V v 6-9: Toda a criação testemunhará a respeito desse novo tempo. Nesse tempo messiânico a paz deve reinar em todos os âmbitos da vida. A convivência pacífica entre o lobo e o cordeiro, o leão e o boi, a criança e o fantástico réptil de oito pernas chamado basilisco, são algumas das figuras usadas pelo profeta para expressar plasticamente a justiça e a equidade desse novo tempo que certamente virá porque ele repousa em Deus, que garante: toda a terra estará cheia do conhecimento de Deus e o santo monte, a cidade santa, desconhecerá a injustiça.

Cósmica é a esperança salvífica desse profeta de um país tão pequeno como Israel. O Deus, a cujo serviço ele está, não é um deus tribal ou nacional, mas universal. Todas as cousas lhe são submissas. Como diz Weber: A convicção de que Deus tem em suas mãos todo o poder de todas as nações passa a ser um elemento seguro da esperança profética. Estende-se até o Livro de Daniel e até o Apocalipse de João. (Weber,p. 218).

O profeta não viu o cumprimento da sua profecia. O judaísmo incorporou esta esperança messiânica na sua oração diária pela vinda do Messias. A fé cristã, depois disto, proclamou desde a antiguidade que a promessa do profeta se cumpriu em Jesus de Nazaré, da descendência de Davi. É a partir desse nascimento que este texto foi relido pela Igreja, dando-se graças a Deus pelo fiel cumprimento das profecias e pela demonstração de que ele é soberano. Mas a comunidade cristã ainda continua na esperança. O lobo e o cordeiro ainda não estão juntos e a natureza geme na espera do novo dia, quando haverá novos céus e nova terra, onde habita justiça (2 Pe 3.13).

IV — Subsídios para a prédica

A tarefa é difícil. Pensar no Reino, na justiça e na esperança no meio de tanto papai-noel não é fácil. Nós cremos na força da Palavra, por isso, quem sabe, devamos começar pela redenção da linguagem.

1. A linguagem messiânica

O profeta fala e usa termos que estão, em muito, distantes dos nossos natais. Nada há que se pareça aos amores dos cigarros, paixão das roupas novas e ternura do shampoo Nenhuma semelhança com a tentativa de empacotar a doação mútua em presentes multicores; nem com os banquetes e bebedeiras, que estuo longe de retratar o compromisso com Deus.

No profeta a palavra é forte. É a linguagem da esperança e da justiça. Esperança de um novo tempo, quando do tronco de Jessé brotará um rebento novo. Não será um renovo qualquer, pois sobre ele estará o Espirito do Senhor, que lhe dará a linha norteadora para a vida; ser-lhe-á desde sabedoria até fortaleza. O renovo será submisso a Javé n terá um compromisso com a justiça, que lhe será por vestimenta. Este se manifestará na sua relação, tanto com o pobre, quanto com o perverso; para aquele será redenção, para este, juízo. Sua justiça afetará todas as relações, tanto do homem, quanto dos animais. Todo o espaço será ocupado pelo Senhor, e eis que será muito bom.

A Igreja é contagiada por esse discurso no dia de Natal. Poderíamos dizer que isso acontece em dois sentidos: para trás e para a frente.

2. Natal é o Reino presente

Quando a Igreja lê o texto de Is 11.1-9, ela se lembra do Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14); ou daquele que diz: o Espirito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres... (Lc 4.18s).

Vemos, então, que a esperança do profeta Isaías se cumpriu na pessoa de Jesus de Nazaré. A este testemunho, que foi o da Igreja durante séculos, nós nos associamos novamente neste Natal.

Mas, à medida que os nossos olhos correm pelo texto, vamos percebendo que não é possível que este texto seja profecia realizada, porque, entre nós, o lobo continua devorando o cordeiro.

3. Natal e anúncio de esperança

Apesar do nosso testemunho de que ls 11.1ss se tornou realida¬de na vida de Jesus e de que, com ele, o Reino de Deus se tornou presente, precisamos dizer: isso aconteceu só em parte, é só o início. Se é certo que Jesus é o cumprimento da profecia messiânica, também é curto que a instalação total do Reino dar-se-á somente na segunda vinda do Cordeiro de Deus. Isso quer dizer, em parte conhecemos e em parle esperamos, ou, expresso em outra linguagem, vivemos na dimensão do já e ainda não do Reino de Deus.

No Natal anunciamos que a Igreja é filha da esperança. Não se trata de uma esperança apenas individualista, mas da irrupção de um novo céu e de uma nova terra, onde habitará a justiça. Ao raiar de cada üla e ao repicar dos sinos de cada Natal, nós anunciamos que o lobo habitará com o cordeiro e que toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai (Fp 2.11).

4. Conclusão

Poderíamos traçar alguns pontos conclusivos ao final da mensagem:

a) Natal não é apenas uma festa familiar de consumo interno. É anúncio ao mundo de que ele não está entregue ao seu próprio destino, pois Deus o mantém sob seu controle e os dias estão contados. Para os mansos da terra isto é boa nova; para os perversos é juízo. Natal, nos diz Wildberger, não é a festa de um despretensioso idílio de amor, mas o anúncio de que o senhorio de Deus começou a irromper no mundo. Não através da violência externa, mas pela força do espirito que reside nos eleitos. (Wildberger, p. 66s)

b) Natal é anúncio de justiça. A Igreja não quer cair apenas no troca-troca de presentes; quer colocar-se ao lado daquele Deus que se interessa por todos os homens e por todo mundo. Isto se deve refletir na maneira como vivemos e nas pessoas e grupos com os quais nos identificamos.

c) Natal só acontece, quando e onde Jesus de Nazaré for reconhecido como o Messias e onde a justiça começa a ser vivida.

d) Somos filhos da esperança. Se hoje o renovo brotou das raízes de Jessé, amanhã o lobo habitará com o cordeiro. Vivemos olhando para a manjedoura e, ao mesmo tempo, para o horizonte. Da primeira nos vem a resposta, e, do segundo, a força para a vida. E, enquanto esperamos, oramos: Venha o teu Reino. Enquanto aguardamos, lutamos para que a justiça já seja verdade hoje.

O novo dia há de vir. Hoje, no Natal, o seu mensageiro já está entre nós.

V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Somos-te gratos, Senhor, pelo teu senhorio, que se estende sobre toda a terra. Agradecemos-te por Jesus Cristo, sinal visível e concreto da tua vontade redentora para com todos os homens Comparecemos diante de ti. neste dia de Natal, alegres pela lembrança do nascimento do teu Filho, Filho da esperança, e chocados pela realidade que nos cerca e por nós mesmos: nossas opções e caminhos, relacionamentos e convivência. Carecemos, Senhor, que nos contemples, não segundo o teu olhai de justiça, mas de graça. Somos homens de lábios impuros, que vivem no meio de um povo de ouvidos e olhos contaminados. Tem piedade de nós, Senhor.

2. Oração de coleta: Queremos ouvir, hoje, Senhor, o canto dos anjos: paz na terra entre todos os homens Desejamos que nos dês sede de justiça e a força do teu Espirito para a vida de cada dia. Neste culto de Natal, Senhor, dá-nos a coragem de olhar para o cumprimento da promessa na pobre manjedoura. Ajuda-nos, ainda, a escutar a lua Palavra com os ouvidos dos pastores, que foram receptivos ao Evangelho daqueles dias e se colocaram imediatamente a caminho do encontro com o Messias. Dá-nos a graça deste encontro hoje. Amém.

3. Assuntos para a oração final: Que o Senhor nos dê olhos para ver o renovo, advindo das raízes de Jessé. que o Espirito do Senhor questione a nossa prática natalina e nos desperte para o compromisso com a justiça; que fujamos daqueles caminhos e opções perversos que nos afastam de Deus, do próximo e de nós mesmos: que não seja Natal apenas para nós, mas para todos os homens, em especial os pobres, injustiçados e carentes de toda ordem: que nós possamos nos comprometer com o Messias da justiça e estejamos dispos-tos a plantar a semente do Reino a cada dia; que a esperança por novos céus e nova terra onde habitará a justiça nos acompanhe a cada dia e nos dê força para a vida hoje, aqui e agora.

VI — Bibliografia

- BARBE, D. Consequências políticas da redenção. In: A firmeza da fé. São Paulo, 1977.
- KAISER, O. Der Prophet Jesaja — Kap. 1-12 In: Das Alte Testament Deutsch. Vol. 17. 2. ed. Göttingen. 1963.
- —— Einleitung in das Alte Testament 2. ed. Gütersloh, 1970.
- WEBER, O. Bibelkunde desAlten Testaments. 10. ed. Hamburg, 1964.
- WILDBERGER, H. Meditação sobre Isaías 11. 1-5,9. In: Hören und Fragen. Vol. 5. Neukirchen, 1967.


Autor(a): Waldir Steuernagel
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Dia de Natal
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 11 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17596
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