Isaías 60.1-6

Auxílio Homilético

06/01/1983

Prédica: Isaías 60.1-6
Autor: Albérico Baeske
Data Litúrgica: Epifania
Data da Pregação: 06/01/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII

I

Epifania

Uma estrela subiu ao céu, mais brilhante que todas as outras. Sua luz foi indescritível e o seu surgimento causou estupefação. Todas as demais estrelas, junto com o sol e a lua, fizeram ciranda perante esta estrela e a sua luz excedeu em brilho a todas elas, e houve grande sobressalto entre elas sobre de onde teria vindo o fenômeno. - Inácio de Antioquia

Os profetas são as estrelas e a lua, mas Cristo é o sol... Assim como o sol, quando nasce, enche o mundo com a sua luz, de maneira que não se vê mais lua e estrelas que, durante a noite, deram a sua luz, assim também deixamos aqui brilhar o que pode: homens cultos, sábios, santos; mesmo assim eles têm de cair fora perante Cristo, sim, devem dar testemunho de que ele sozinho é a luz, pela qual todos os homens estão sendo iluminados. - Martim Lutero

Nós professamos Jesus Cristo como Salvador da humanidade e luz do mundo.
Aceitamos, de novo, a nossa tarefa de testemunhá-lo no meio das pessoas. Nós mesmos nos oferecemos, a todas as pessoas, para o serviço de amor; este é o amor com que ele nos ama. - Ill Assembleia Geral do Conselho Mundial de Igrejas, Nova Deli, 1961

II
As dificuldades com o texto

Martim Lutero iniciou o seu sermão sobre a perícope assim: E uma profecia clara e fácil de compreender, por isso não necessita de grande explicação. Em nossos dias, ela não mais parece tão tranquila e transparente. As descobertas da exegese cientifica, desde que Bernhard Duhm começou a chamar o conjunto de Is 56 - 66 de Trito-lsaías (1875), a problematizaram bastante. Não estou seguro se, com isto, estamos em vantagem sobre a tradição reformatória, ou melhor, da Igreja Primitiva, que ligou o trecho com Mt 2.1-12 (v.11!) e dai o terminou - no nosso entender - de um modo um tanto abrupto com v. 6.

Por outro lado, tem que se admitir que as reflexões fecundas que Erhard S. Gerstenberger procede a partir do vasto material que os exegetas colocam à disposição - a começar com detalhes históricos e geográficos até a comparação minuciosa do linguajar e da concepção dos três Isaías - são oportunas e calham bem na situação da sociedade brasileira e da IECLB (PROCLAMAR LIBERTAÇÃO vol. V, p. 11ss). Se estas ponderações não tivessem sido feitas, deveriam ser feitas agora. Sim, quem sabe, só depois de ter meditado e pregado energicamente neste sentido, surge a pergunta como é que vem a nosso luz (Is 60. 1 b) e como a glória do Senhor nasce sobre nas (v. 1c) - nós que vivemos após o nascimento de Cristo e conhecemos aquele que diz: Eu sou a luz do mundo (Jo 8.12) e: Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele (Jo 13.31bs).

Lembro, portanto, a dolorosa problemática hermenêutica que os cristãos enfrentam para com o Antigo Testamento, via de regra tão badalada, quanto passada por cima. Embora aqui não seja o lugar de aprofundar esta questão crucial, é preciso tê-la presente ao interpretar e aplicar a parte em apreço.

Quem cata em mira?

Quem é o destinatário da pregação do profeta? Sem dúvida, as primeiras levas daqueles que voltaram do exílio na Babilônia (538 e nos anos seguintes). Eles encontram em Jerusalém/Judá só mesmo a sua terra natal ou a dos seus pais — e esta nua e nada mais e, ainda por cima, atrelada, tal qual um independente homeland, à superpotência persa. Tudo deve recomeçar, e tudo parece não apenas modesto, mas mísero. A crise geral culmina na crise da identidade. Aí o Trito-lsaías se sente levado a descrever a futura glória do Sião e do seu Deus, mas também do seu povo (todos eles parecem particularmente entrelaçados). Esta glória é o centro de tudo e de todos, e o reflexo direto da manifestação derradeira e inconteste do senhorio de Deus. Sob este horizonte estupefaciente, o pregador anima o povo: Dispõe-te, resplandece”(60.1a, etc.) e, por conseguinte — mãos à obra na reconstrução.

Conheço judeus, inclusive no Brasil, que até hoje esperam a realização desse pronunciamento profético. Eles veem no grande movimento imigratório de judeus à Palestina, no fim dos anos 1940, provindos do todas as dobras do globo, nas volumosas coletas regulares do judaísmo norte-americano e nas consideráveis somas de reparação, enviadas por Bonn ao Estado de Israel, na fabulosa reconstrução deste e na sua defesa quase milagrosa, meramente um prelúdio daqueles acontecimentos traçados em Is 60. Para eles, o cenário aí pintado é messiânico e se tornará real, quando o Messias vier. Esperam ardentemente sua chegada e a invocam incansavelmente.

Nesta esperança e consequente súplica, Martim Lutero via a parte principal da culpa dos judeus. Pois, professa ele, o Messias já chegou e, com ele, se cumpriram as promessas proféticas, inclusive a do Is 60. Nos últimos tempos, fomos constrangidos a perceber, talvez com maior profundidade e fôlego que Lutero, que, ao falar, neste sentido, em culpa dos judeus, urge falar, e muito mais ainda, em culpa dos cristãos. O normal, pelo menos, foi e permanece, em boa parte, que os cristãos renegaram/renegam - na convivência diária com os judeus - Jesus Cristo, o Messias de Israel e, como tal, o Libertador dos povos, ou, como diz o nosso texto, a sua e nossa luz e a glória de Deus que nasce sobre todos. (cf. ANUÁRIO EVANGÉLICO 1978. P. 59ss)

III

Jesus Cristo, a Luz do Mundo

Jesus Cristo veio e se apresenta: Eu vim como luz para o mundo,a fim de que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas. (Jo 12.46)

Nem os discípulos, nem nós o descobrimos “com a própria razão e força. Tampouco podemos declará-lo, por nossa própria iniciativa, luz do mundo. Jamais sabemos o que é luz. Estamos todos, de qualquer ou de igual maneira, na escuridão e as trevas nos cobrem - e nem mesmo o imaginamos. Consideramo-nos na plena luz, como o irmão mais velho do filho pródigo e o fariseu na parábola. É preciso que Jesus Cristo apareça, a fim de que os que não vêem vejam, e os que veem se tornem cegos (Jo 9.39c). Ele materializa, aqui e agora, o que Deus fez e faz: Deus ama os homens (Jo 3.16S), isto significa, aproxima-se deles e se envolve com eles (Jo 1.14), solidariza-se, sim, identifica-se com eles (Jo 1.14a). A identificação de Deus para com os homens, incorporada por Jesus Cristo, abrange o homem todo, todas as suas relações são incluídas: Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior. (Jo 5.14c) Eliminar a coisa pior, isso é só com ele mesmo. Onde ninguém mais consegue ajudar, ele está aí. Quem trouxe esta luz? / Foi Cristo Jesus, / o eterno Senhor, / outro não tem vigor; / triunfará na luta. Por isso, ele é aquele que so¬bre nós aparece resplendente (Is 60.2c), a nossa luz que vem (v 1b), a luz do mundo.

Jesus Cristo, a glória de Deus

Jesus Cristo veio e constata: Eu te (Deus Pai) glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo. (Jo 17.4s) Ele fala em vista da sua crucificação. A cruz é o lugar da sua glorificação. A glória de Deus se revela no fato de que o bom pastor dá a vida pelas ovelhas (Jo 10.11). Jesus Cristo dá a sua própria carne e o seu próprio sangue pela vida do mundo (Jo 6.51 ss), para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10b). Cristo assim nos tem amado / que seu sangue deu por nós.' Em cada celebração da Ceia do Senhor somos, de novo, cientificados deste amor e nele incluídos. Desta forma a glória de Deus nasce sobre nós (Is 60.1 c), a sua glória se vê sobre nós (v. 2d). Jesus Cristo é o resplendor que nos nasceu (v. 3b).

É óbvio que daí só pode seguir ser radiantes de alegria, os corações estremecidos e se dilatando de júbilo (Is 60.5ass), dispor-se e resplandecer (v. 1a), levantar em redor os olhos e ver (v.4a). Ele mesmo, Jesus Cristo, conclama: 'Quem me segue não andará nas trevas (Jo 8.12c), e Crede na luz para que /os torneis filhos da luz”. (Jo 12.36b)

Os filhos da luz

Ora, esta alegria se incorpora, e o andar na luz se concretiza. Sena terrível, se as nossas atitudes contradissessem o nosso coração estremecido e a nossa condição de filhos da luz. A referência à luz que nos veio e ao resplendor que nos nasceu não é lenga-lenga dominical, nem objeto de gozo particular entre quatro paredes, mas compromisso com Igreja e sociedade no dia da semana.

Por isso, cuidemos para que:

- não surja a opinião de que a Igreja seja a luz do mundo ou, até, a IECLB a luz do Brasil;

- fique claro que a Igreja, também a IECLB, é historicamente condicionada e teologicamente limitada e sujeita à constante tentação de querer substituir o próprio Jesus Cristo;

- se torne insofismável a diferença entre Palavra e Sacramentos de Jesus Cristo e o que nós fazemos deles;

- a Igreja, inclusive a IECLB, não converta as pessoas para si, mas as acompanhe para o Reino de Deus, tirando a sua própria camiseta o vestindo a do Reino de Deus.

Por isso, apressemo-nos:

- em transformar a nossa linguagem exclusivista em linguajar do dia-a dia de todo mundo, e os nossos modos elitistas em formas populares;

- em nos sentar ao lado daqueles que ainda não vêem em Jesus Cristo a luz do mundo, ouvindo-os, sem interrompê-los, animando-os com fantasia a se abrirem e carregando o peso da sua falta de fé;

- em mostrar que não propalamos as nossas próprias ideias ou dons superiores, mas desejamos como mendigos, que permanecemos, transmitir a outros mendigos onde é que se recebe o que todos precisamos;

- em apontar para a plena luz que brilha em Jesus Cristo e não apenas para algumas faíscas de que particularmente gostamos.

Por isso, preocupemo-nos com que:

- a Igreja, sobretudo a IECLB, como um todo, chegue a pensar,a falar e a agir, com antecedência e independência, nas questões nacionais básicas que afligem o povo, e deixe de ser eco da opinião pública a esse respeito e esteio do conformismo;

- eIa encerre a sua participação na retaguarda e passe a integrar a vanguarda das forças sociais que lutam pela transformação da sociedade:

- ela abandone logo a concepção de que as inter-relações políticas, econômicas e sociais possam ser tratadas com categorias de uma ótica individualista, e doravante se aprofunde no entendimento das questões estruturais da vida em sociedade;

- ela rejeite modelos de convívio humano do passado ou que, no presente, se mostram prejudiciais e tenha visões em relação a formas alternativas de vida em sociedade, criando coragem de formulá-las e discuti-las com a opinião pública.

Por isso, empenhemo-nos:

- por uma convivência entre as pessoas, justa e equitativa, no âmbito regional, nacional, continental e mundial;

- pela abolição do regime autoritário no Pais e a implantação de uma democracia popular, cuja força se evidencie na extinção do capitalismo e na valorização das pessoas;

- pela redistribuição das terras entre aqueles que nelas trabalham e pela co-propriedade dos empregados nos meios de produção: pela substituição do modelo econômico outorgado, paternalista e concentrista, e a introdução de um outro, distributivo e participatório, cujo centro é a satisfação das necessidades básicas da população.

VI

A avaliação dos filhos da luz

Se a nossa realização do compromisso no dia da semana corresponde a de filhos da luz, a própria luz do mundo o decidirá. Jesus Cristo usa as nossas realizações ou não, onde e quando ele quer. Se nós forçamos algo aqui, certamente isso não dá em nada. Logo acontece que caímos em orgulho ou desespero, pois as nossas realizações sempre são ambíguas. Importa, no entanto, que permaneçamos expostos à luz do mundo — ela se encarregará de aproveitá-las, juntamente com as de muitos outros. E daí é bem capaz que se repita a profissão: A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela (Jo 1.5), e a verdadeira luz que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem (Jo 1.9).


 


Autor(a): Albérico Baeske
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania

Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 60 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18182
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