Jeremias 20.7-13

Auxílio Homilético

22/06/2014

Prédica: Jeremias 20.7-13
Leituras: Mateus 10.24-39 e Romanos 6.1b-11
Autor: Jilton Moraes
Data Litúrgica: 2º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 22/06/2014
Proclamar Libertação - Volume: XXXVIII


1. Introdução

O texto de Mateus focaliza Jesus enviando discípulos e instruindo-os no trabalho prático; eles recebem do Mestre a ordem de ir pregando a mensagem. Sendo o Mestre maior do que o discípulo, o anseio deles seria buscar ser como Cristo. Deveriam cumprir a missão sem temor, convictos da soberania e do cuidado de Deus e certos de que quem confessa a Jesus de igual modo é confessado por ele e quem o nega é negado por ele. Jesus menciona ainda as dificuldades para segui-lo e o preço do discipulado.

O texto de Romanos começa com perguntas retóricas. Visando ressaltar a realidade do novo viver em Cristo, Paulo utiliza figuras contrastantes – vida e morte – para dizer que, unidos a Cristo, morremos para o pecado e ressurgimos para uma nova vida com ele. Lembrando que estamos unidos ao Mestre na semelhança de sua morte, uma vez que o velho homem foi crucificado, ele destaca: havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, do mesmo modo seremos unidos a ele; assim nos devemos considerar mortos para o pecado, mas vivos para com
Deus em Jesus.

O texto da prédica apresenta o desapontamento de Jeremias, que, por pregar a palavra colocada por Deus em seu coração, enfrentou oposição e escárnio de ouvintes habituados às mensagens triunfalistas dos falsos profetas. Apesar disso, quando pensa em deixar de falar, um fogo arde em seu coração, e ele não se pode omitir. E a despeito da angústia, sua experiência passa da decepção à realização: termina louvando o Senhor, que está com ele como um forte guerreiro. Por isso os perseguidores tropeçarão e não prevalecerão.

2. Exegese: Jeremias 20.7-13

O foco principal da perícope é a desilusão do profeta. A partir da Nova Versão Internacional (NVI), as traduções Interconfessional (TI), Brasileira (TJ), A Mensagem (M) e Bíblia de Jerusalém (BJ) alargam a visão do texto.

V. 7 – “Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu e prevaleceste. Sou ridicularizado o dia inteiro; todos zombam de mim”. TI: “Seduziste-me e fui apanhado”.

“Tu me forçaste a isso, ó Deus; e eu te permiti que o fizesses” [M]; “Tu me seduziste, e eu me deixei seduzir” [BJ]. O contraste entre o poder de Deus e a fragilidade humana aparece claramente: “És mais forte do que eu, e teu poder dominou-me” [TI]. Sendo que Jeremias havia sido espancado e estava preso no tronco (20.1-2), sua insuficiência aparecia de modo ainda mais gritante.

V. 8 – “Sempre que falo é para gritar que há violência e destruição. Por isso a palavra do Senhor trouxe-me insulto e censura o tempo todo.”

Aqui, Jeremias menciona a causa de sua agonia: “Sou ridicularizado e escarnecido a todo momento, só porque proclamo as tuas mensagens” [TI]; “Tudo o que recebo por transmitir as advertências do Eterno é insulto e desprezo” [M]. Sua pregação contrastava com a palavra triunfalista dos demais profetas, que falavam o que as autoridades queriam ouvir e não o que Deus tinha para ser ouvido por eles.

Jeremias tinha a convicção do profeta. Ele iniciou seu trabalho profético afirmando: “A palavra do Senhor veio a mim” (1.4). “A palavra de Iahweh me foi dirigida” [BJ]. Nesse primeiro capítulo, a afirmação é repetida nos versículos 11 e 13. O capítulo seguinte abre com a mesma afirmação: “A palavra do Senhor veio a mim” (2.1); e em 32.26, outra vez a encontramos, completando cinco afirmações. É significativo que a expressão palavra do Senhor ocorra num total de 48 vezes nesse livro.

V. 9 – Mas se eu digo: “Não o mencionarei nem mais falarei em seu nome”, é como se um fogo ardesse em meu coração, um fogo dentro de mim. Estou exausto tentando contê-lo; já não posso mais.

A dor era tamanha, que Jeremias chega a pensar em se calar. “Mas quando digo: Não quero ser mensageiro do Senhor e não falarei mais do seu nome” [TI]. “Mas se digo: Esqueça, não vou mais falar nada que venha do Eterno! As palavras queimam como um fogo no meu coração e incendeiam meus ossos. Estou exausto, tentando segurá-las dentro de mim. Já não aguento mais” [M].

Harrison afirma que a situação de Jeremias agravava-se ainda mais “porque sua ardente vocação profética o forçava a falar da espiritualidade exigida pela aliança, enfrentando toda oposição de seus compatriotas amados”1. O quadro é o de alguém incompreendido e rejeitado por todos:

V. 10 – “Ouço muitos comentando: ‘Terror por todos os lados! Denunciem--no! Vamos denunciá-lo!’ Todos os meus amigos estão esperando que eu tropece e dizem: Talvez ele se deixe enganar; então nós o venceremos e nos vingaremos dele.”

Diante da incompreensão e da rejeição, o profeta apresenta a sua queixa. Ele enfrenta um conflito emocional. A opressão pela autenticidade de sua pregação, apesar de imensa, não é maior do que sua paixão pela Palavra, que vem pela certeza de estar no centro da vontade de Deus.

V. 11 – “Mas o Senhor está comigo como um forte guerreiro! Portanto, aqueles que me perseguem tropeçarão e não prevalecerão. O seu fracasso lhes trará completa vergonha; a sua desonra jamais será esquecida.”

“O Eterno, o guerreiro mais valente está ao meu lado” [M]. Matthew Henry comenta: “O profeta deu-se conta de que a graça de Deus era poderosa nele para sustentá-lo em seu trabalho, contra a tentação em que se encontrava quanto a deixá-lo completamente [...] Ele estava tão cheio do consolo, da presença de Deus, da proteção divina sob a qual se encontrava e da promessa da qual deveria depender, que animou a si mesmo e a outros a dar glória a Deus”2.

V. 12 – “Ó Senhor dos Exércitos, tu que examinas o justo e vês o coração e a mente, deixa-me ver a tua vingança sobre eles, pois a ti expus a minha causa.” Temos aqui uma referência à onisciência de Deus, que examina o justo e vê o coração e a mente. Nesse ponto, a queixa cede lugar a um canto de triunfo pela certeza da comunhão com Deus. O profeta conhecia o Senhor, a quem servia desde a sua juventude: “Ninguém te engana, tu enxergas o que se esconde dentro de tudo e de todos” [M].

Deus conhecia os falsos profetas e a mensagem que pregavam, conhecia o povo que se deleitava em fazer o que agradava a seus ouvidos e conhecia seu servo, o profeta, que era afrontado por sua fidelidade ao Altíssimo. Ao todo-poderoso e onisciente Deus Jeremias recorria: “Deixa-me ver a tua vingança sobre eles” [M]; “Quero que eles recebam a paga pelo que fizeram” [também]; “Permite que eu veja a tua vingança contra eles” [BJ]; “Eu verei a tua vingança contra eles”. Vingança (5.9; 5.29; 11.20; 46.10; 51.6) e castigo (4.18; 11,15; 11.23; 14.16;
23.12; 25.29; 30.14; 48.44; 49.12) são temas presentes na pregação de Jeremias.

A mensagem encerra com um convite ao louvor.

V. 13 – Cantem ao Senhor! Louvem o Senhor! Porque ele salva o pobre das mãos dos ímpios.

O Deus justo que livra os menos favorecidos das mãos dos ímpios é digno de louvor: “Cantem ao Eterno! Todos os louvores sejam dados ao Eterno! Ele salva os fracos das garras dos maus” [M]. “Ele livrou a vida do pobre da mão dos perversos” [BJ].

3. Meditação: O dilema do pregador

Mensagens éticas são, às vezes, as mais difíceis de ser ouvidas e pregadas. É mais agradável ouvir sobre o amor do que sobre a ira; discorrer sobre a paz do que sobre a guerra; mencionar bênçãos do que enfatizar castigo; confortar do que confrontar. Mas a prédica autêntica conforta os perturbados e perturba os confortados. E é para esses dois grupos que o pregador fala.

Jeremias viveu essa realidade: rejeitado e castigado, queixou-se, falou de seu dilema e reafirmou sua confiança no Senhor.

O dicionário Aurélio define dilema como situação embaraçosa, com duas saídas difíceis ou penosas. Assim se encontrava o profeta: por um lado, era difícil continuar pregando; por outro, era impossível deixar de pregar. Este dilema: o que fazer? Castigados por amor à Palavra, apresentemos nossa queixa e avaliemos nossa condição, reafirmando a nossa fé em Deus.

O dilema deve motivar o pregador a queixar-se ao Senhor. Jeremias abriu o seu coração (v. 1): “Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu e prevaleceste”. Em que sentido Jeremias se sentia enganado? Que promessa Deus fez? Ao chamá-lo para o trabalho profético, Deus falou que o conhecia e havia separado para ser profeta (1.5). Jeremias disse que não sabia falar e era jovem (1.6). Deus mostrou que ele estava enganado (1.7): “Não diga que é muito jovem. A todos a quem eu o enviar você irá e dirá tudo o que eu lhe ordenar”. Deus prometeu estar com ele (v. 8): “Não tenha medo deles, pois eu estou com você para protegê-lo, diz o Senhor”. Deus não iludiu Jeremias; mostrou as dificuldades e garantiu-lhe acompanhamento (1.19): “Eles lutarão contra você, mas não o vencerão, pois eu estou com você e o protegerei, diz o Senhor”.

O profeta Elias, também em completa solidão e desânimo, levou sua queixa ao Senhor e foi animado pela palavra do Senhor a realizar as tarefas que Deus havia destinado a serem executadas por ele.

Hoje, diante da complexidade do trabalho que os pastores têm para realizar, às vezes eles se sentem angustiados e apresentam sua queixa ao Senhor.

O dilema deve motivar o pregador a avaliar-se diante do Senhor. A queixa não superou a palavra de Jeremias. A situação difícil serviu para ele avaliar-se diante do Senhor. A nota dominante de seu discurso foi seu relacionamento apaixonado com a palavra do Senhor. Por mais que surgissem aparentes dúvidas, incompreensão, embaraços, havia uma certeza: os problemas não calariam a voz do profeta (v. 11). Quando ele pensava em calar, algo como um fogo ardia em seu coração; ele não podia deixar de falar a palavra do Deus, que o chamara.

Os maiores dissabores que surgem algumas vezes oportunizam que nos apresentemos diante do Senhor em avaliação. Por que pregamos? Qual o lugar da pregação em nossa vida? O que significa a palavra de Deus para nós? As dificuldades calariam a nossa voz? O fogo do Senhor arde em nós, e não podemos deixar de falar?

O dilema deve motivar o pregador a reafirmar sua fé no Senhor. O texto termina com um brado de vitória (v. 13): “Cantem ao Senhor! Louvem o Senhor! Porque ele salva o pobre das mãos dos ímpios”. M traduz: “Cantem ao Eterno! Todos os louvores sejam dados ao Eterno! Ele salva os fracos das garras dos maus”. A nossa marcha não pode ser impedida por causa das dificuldades.

Não devemos apresentar com palavras o Deus que salva os fracos das garras do mal, mas devemos vivenciar a realidade do Deus que transforma nossa fraqueza em força e salva-nos das mãos dos ímpios. Nós que pregamos sobre a fé precisamos viver pela fé; nós que falamos da presença de Deus devemos sentir a realidade dessa presença em nós; nós que apresentamos com textos bíblicos o quadro de um Deus que cuida dos seus devemos mostrar que vivemos sob o cuidado dele. A vida do pregador é sua mais eloquente pregação. Não adianta soltar a voz em aparente louvor se não somos capazes de louvar ao Senhor em todos os momentos e circunstâncias.

Paulo e Silas cantaram ao Senhor na prisão em Filipos. O profeta Habacuque, em meio à mais adversa situação, firmou sua fé nele; ainda que nada desse certo, sua fé estaria firmada nele; ainda assim ele exultaria no Senhor e se alegraria no Deus de sua salvação (Habacuque 3.17).

A vida cristã é muitas vezes um dilema entre obedecer a Deus e agradar aos homens. Jeremias, rejeitado e castigado, foi tentado a calar sua voz, mas o fogo que ardia em seu coração foi mais forte, e ele terminou afirmando que não podia deixar de falar e reafirmando sua confiança no Senhor. Este é o desafio: mesmo castigados por amor à Palavra, apresentemos nossa queixa e avaliemos nossa condição, reafirmando a nossa fé em Deus. Amém.

4. Imagens para a prédica

Na certeza da presença do Senhor somos sustentados – Jeremias viveu a crise da rejeição e da opressão por sua fidelidade ao Senhor. Grandes personagens vivem grandes crises. No entanto, servindo ao Mestre, aprendemos que quem serve a Deus não se deixa esmagar pela crise.

Pedro e João tiveram atitude semelhante à de Jeremias – Ameaçados pelas autoridades a não mais falar em nome de Jesus, responderam: “Julguem os senhores mesmos se é justo aos olhos de Deus obedecer aos senhores e não a Deus. Pois não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos” (Atos 4.19-20). Eles tiveram a mesma paixão de Jeremias: calar para eles era impossível.

Um pregador fiel ao “Assim diz o Senhor” – Para alimentar o rebanho, devemos nos manter fiéis aos ensinamentos da Palavra, explanando-a e aplicando-a às necessidades dos ouvintes. Sem Bíblia não há relevância na pregação. Quando o pregador prega sem base na Palavra, o que ele diz tem pouca força na vida dos ouvintes. Pastores que têm tentado deixar a Bíblia de lado no púlpito não têm tido condições de alimentar o rebanho. O desafio de pregar sempre é uma das maiores exigências no ministério pastoral.

A mensagem que Jeremias pregava não era a mais agradável, mas era a mensagem que Deus tinha para o povo. A libertação não seria imediata. Eles ficariam algumas décadas na Babilônia até ser libertos. O desejo do povo era agora; a ordem de Deus era: Espere. Quantas vezes parece que queremos apressar Deus!... Falsos profetas enganavam o povo pregando a mensagem que eles gostavam de ouvir, mas não pregavam a mensagem que o Senhor tinha para eles. Qual a mensagem que o povo deseja ouvir hoje? Que mensagem Deus tem para nós hoje?

5. Subsídios litúrgicos

O fogo precisa arder no coração do pregador

Sermões frios ou mornos não alcançam pessoas, não movem estruturas, não ensinam, não confortam, não desafiam – são incapazes de mudar vidas. A palavra só aquece o coração do ouvinte quando parte de um coração em chamas (MORAES, Homilética, do ouvinte à prática, p. 177).

Hino 85
1. Vem, Espírito divino, grande ensinador,
vem, revela as nossas almas Cristo, o Salvador.
Santo Espírito, ouve com favor!
Em poder e graça insigne, mostra o teu amor.
2. Vem, destrói os alicerces do viver falaz,
aos errados concedendo salvação e paz!
3. Vem, reveste a tua igreja de poder e luz!
Vem, atrai os pecadores ao Senhor Jesus!

As bem-aventuranças do pastor

O pastor convicto da chamada de Deus não precisa atender os desafios dos homens. Ele tem como motivação realizar a vontade do Senhor, prega movido pelo poder do Senhor. O pastor que fala na autoridade do Senhor, sem a preocupação de agradar aos homens, é chamado de porta-voz de Deus. O pastor que tem como propósito agradar ao Senhor e não aos homens recebe a bênção de ser chamado servo bom e fiel. O pastor que se preocupa em anunciar com fidelidade a mensagem do Senhor recebe a honra de ser chamado profeta. O pastor cujo galardão não está em aplausos, elogios ou compensações terrenas recebe do Senhor o galardão eterno.

(Adaptado de: Jilton MORAES. Ilustrações e poemas para diferentes ocasiões,
p. 179)

Bibliografia

HARRISON, R. K. Jeremias e Lamentações. São Paulo: Mundo Cristão, 1980.
HENRY, Matthew. Comentário Bíblico do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

Notas:

1.HARRISON, R.K. Jeremias e Lamentações. São Paulo: Mundo Cristão, 1980. p. 90.
2. Disponível em: http://bibliotecabiblica.blogspot.com.br/2013/04/jeremias.


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Autor(a): Jilton Moraes
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 2º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Jeremias / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2013 / Volume: 38
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 28574
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Um coração repleto de alegria vê tudo claro, mas, para um coração triste, tudo parece tenebroso.
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