João 11.1-5,17-21

Auxílio Homilético

02/11/2013

Prédica: João 11.1-5,17-21
Leituras: Isaías 25.1,8-9 e Romanos 8.31-39
Autora: Flávio Schmitt
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/2013
Proclamar Libertação - Volume: XXXVII

1. Introdução

O Dia de Finados está associado à morte. É o dia em que nos lembramos em especial das pessoas mortas. No Dia de Finados, pessoas e comunidades lembram de seus mortos. Mais: dão-se conta da transitoriedade da vida. Têm oportunidade de aprofundar a consciência de que pessoas são mortais.

A morte mexe com todos os seres. Ela sempre é o fi m da vida, seja de que vida for. A morte de um ser humano sempre impacta, até mesmo entre aqueles e aquelas que estão acostumados a lidar com a morte no dia a dia. Mas o que mais mexe conosco é a morte de uma pessoa que nos é querida. Ali a morte mostra toda a sua força, seu poder entre nós. Por isso é tão profunda a promessa da tradição judaico-cristã, alimentada pelas palavras do profeta: “Tragará a morte para sempre” (Is 25.8).

O Dia de Finados existe no calendário eclesiástico para lembrar as pessoas que já nos antecederam na morte. Ao mesmo tempo, quer preparar-nos para esse momento tão derradeiro da existência humana. Porém, acima de tudo, esse dia é uma oportunidade para testemunhar que, na ressurreição de Jesus, a morte foi vencida pela vitória (1Co 15.54ss) e que nada nos pode separar do amor de Deus, revelado em Cristo Jesus (Rm 8.31-39).

2. Exegese

O Evangelho de João, em sua forma atual, representa um grande desafio para a interpretação cristã. Além do estilo e da linguagem, diferente dos sinóticos, João apresenta-nos uma reflexão sobre acontecimentos da vida de Jesus, testemunhados pela igreja primitiva.

O autor considera-se herdeiro da tradição do discípulo amado de Jesus. Apresenta o conteúdo do evangelho em duas partes (1.19-12.50 e 13.1-20.31), precedidas por um prólogo (1.1-18) e seguidas por um epílogo (21.1-25). Na primeira parte, o evangelista revela o Verbo ao mundo, que não O aceita. No “livro da glória”, que sucede o “livro dos sinais”, o Verbo mostra sua glória aos que O aceitam e retornam para o Pai depois da morte, ressurreição e ascensão de Jesus (BROWN, 2002, p. 445). A perícope indicada para este Dia de Finados está inserida no “livro dos sinais”. Em geral, o capítulo 11 é denominado de “ressurreição de Lázaro”. O capítulo 11 fala da doença, morte e reavivamento de Lázaro. O que Jesus faz com Lázaro é seu último sinal público. A “ressurreição de Lázaro” está entre o texto que fala de Jesus como bom pastor (10) e a unção de Jesus por Maria em Betânia (12). Nesse capítulo, enquanto Lázaro é reanimado para a vida, Jesus é condenado à morte pelo Sinédrio (v. 53).

O cenário apresentado pelo texto é claro. Betânia é o palco dos acontecimentos. O texto faz questão de informar que essa Maria é a mesma que ungiu os pés de Jesus (v. 2). Lázaro, o irmão de Marta e Maria, está doente. Muito doente. Diante da gravidade da situação, as irmãs decidem comunicar o fato a Jesus. Enviam o recado a Jesus: “Aquele a quem amas está doente”. Lázaro está em necessidade. A informação provoca uma reação em Jesus. Ele declara que a enfermidade de Lázaro (astheneia) não é mortal. Mais uma vez, o texto faz questão de dizer que aqueles irmãos eram muito queridos para Jesus. Na sequência, o texto de João mostra Jesus dando-se conta de que aquela situação desconfortável e angustiante para a família é oportunidade para a manifestação da glória de Deus.

Lucas também nos fala do encontro de Jesus com as irmãs Marta e Maria (Lc 10.38-42). Nessa passagem, o diálogo de Jesus com as irmãs gira em torno da atitude de cada uma das irmãs em relação a Jesus. Enquanto Marta está agitada com os afazeres (Lc 10.40), Maria está sentada aos pés de Jesus (Lc 10.39). Tanto em Lucas, com Maria, como em João, com Marta, o encontro de Jesus com as mulheres envolve a questão central da fé cristã: a ressurreição.

O nome Lázaro também aparece no Evangelho de Lucas. Em Lucas 16.20- 21, é apresentado um Lázaro coberto de chagas e vivendo de migalhas. Certamente não se trata do mesmo Lázaro. Com certeza, não foram essas chagas a causa da morte do irmão de Marta e Maria.

Ao receber o recado, Jesus decide dirigir-se a Betânia. Porém Jesus demora demais. Quando chega, é informado de que Lázaro já está morto. Pior, já está sepultado há quatro dias. Jesus já sabia: Lázaro morreu – apethanen (11.14). A morte da qual fala Jesus é a morte física. Clinicamente, já se cogitou da possibilidade de Lázaro ter sido vítima da Síndrome de Lázaro ou “catalepsia patológica”. Nesse caso, a pessoa permanece em estado tanatológico, mas não tem o sangue coagulado, nem pulmões ressequidos ou neurônios danificados. No caso de Lázaro, fica difícil acolher a explicação científica, uma vez que já estava morto há dias. Além disso, era praxe entre os judeus velar o corpo antes do sepultamento.

Aparentemente, o texto tenta explicar o atraso de Jesus apelando para a distância: três quilômetros de Jerusalém. João 11.6 nos diz que Jesus ainda demorou dois dias após receber a notícia para decidir voltar a Betânia. Além disso, Jesus encontrava-se “para além do Jordão”, lugar onde João iniciara seu ministério batismal (Jo 10.40). Como agravante do quadro, era um risco voltar a Jerusalém, pois o judeus queriam apedrejá-lo (v. 8). De qualquer forma, Jesus se atrasou. Jesus precisou primeiro voltar a Jerusalém e depois dirigir-se a Betânia. Nesse tempo, Lázaro “adormeceu” (kekoimetai, v.11). 

O sepultamento de Lázaro acontece sem a presença de Jesus. Como de costume, o corpo é preparado. Lázaro é enfaixado com ataduras e unguentado. Seu rosto é coberto com um lençol e depois conduzido para ser sepultado numa gruta, num túmulo fechado para sempre com uma pedra. As analogias com os relatos da morte e sepultamento de Jesus são evidentes. De alguma maneira, no retorno de Lázaro à vida, Jesus prefigura sua própria ressurreição.

Pela indicação do texto, os familiares de Lázaro ainda estão sendo confortados (paramythesontai – Jo 11.19) por amigos e vizinhos. Nesse momento, as irmãs tomam conhecimento da chegada de Jesus. Dessa vez, é Marta quem toma a iniciativa. Ela vai ao encontro de Jesus. Maria fica sentada em casa. Ela não se mexe. Assim que encontra Jesus, Marta logo vai desabafando: “Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”. Esse mesmo argumento é utilizado por Maria (v. 32). O que, afinal, Marta e depois Maria quiseram dizer com isso? A sequência do texto mostra-nos que o evangelista coloca uma convicção nas palavras de Marta: Jesus tem poder para ressuscitar. Em seguida, Jesus mesmo declara: “Eu sou a ressurreição e a vida” (v. 25).

Para consolar as irmãs diante da morte do irmão, lá estão os judeus (v. 19). Marta e Maria não estão sozinhas. Tem apoio nesse momento de dor pela morte do irmão. Ainda assim, o texto insinua que o verdadeiro consolo não está presente. De fato, o verdadeiro consolo é experimentado por Maria apenas na sequência do relato, quando Jesus, vendo-a chorar (v. 32: klaiousin), chorou (v. 33: edakrysen). A palavra utilizada para falar do choro de Jesus significa “derramar lágrimas”. Esse “derramar lágrimas” revela que a comoção de Jesus pela morte do amigo era profunda. Essa solidariedade nas lágrimas revela a pertinência do comentário dos judeus: “Vede quanto o amava” (v. 36).

3. Meditação

O que nos é apresentado neste texto poderia ser muito bem enriquecido com situações de doença e morte que acontecem junto a familiares em diferentes comunidades cristãs. A experiência de ter alguém doente na família em algum momento da vida alcança todos nós. Essa é a situação vivida por Marta e Maria com o irmão Lázaro. Diante da gravidade da situação, as irmãs resolvem avisar Jesus.

Também hoje é assim que as pessoas buscam meios e recursos para tratar e curar seus entes queridos. Uma das maneiras de compartilhar a angústia e apreensão causadas pela doença de algum familiar querido é avisar os parentes, vizinhos e amigos. No envio do recado, por vezes, também está o pedido de socorro. Foi o que também Marta e Maria fi zeram ao enviar o recado para Jesus.

Como acontece também hoje no seio de muitas famílias que perdem seus entes queridos, Lázaro não resistiu. O texto não nos informa qual era, afinal, a doença de Lázaro. Tampouco somos informados sobre quanto tempo o irmão de Marta e Maria estava doente. Ao ser informado sobre a situação de Lázaro, Jesus mostra-se meio “cético” (v. 4), dando a entender que o caso não é tão grave. No entanto, a situação em Betânia revela algo diferente. É lá que Jesus se confronta com toda essa situação de doença, de perda, de morte, de luto.

Jesus encontra-se diante da morte de Lázaro, diante do poder da morte de seu amigo. Diferente das irmãs, Jesus nem ao menos teve oportunidade de participar do sepultamento do amigo. Precisa conformar-se com os relatos e lamentos da irmã. Por fim, precisa ouvir de Marta que sua presença teria evitado o pior. Nessa hora, Jesus constata a dimensão da dor de Marta e Maria e do quanto teria sido oportuna a sua presença. Não são poucas as vezes em que familiares se acusam mutuamente pela não presença e pela providência não tomada antes da morte de algum ente querido. Aparentemente, a morte de Lázaro revela-nos o lado humano da relação de Jesus com Lázaro e suas irmãs, inclusive diante da morte.

Mesmo diante da morte do irmão e da ausência de Jesus, as irmãs não estão sozinhas. Essa solidariedade dos “judeus” (v. 19) no momento da dor certamente foi significativa para as irmãs enlutadas. Tiveram o apoio e o conforto de pessoas na hora de preparar o irmão para o sepultamento e conduzi-lo à sepultura. No entanto, o verdadeiro socorro e consolo é sentido na presença e ação de Jesus. O sinal de Jesus, que segue na sequência da perícope, resgata Lázaro da morte para a vida.

4. Pistas para a prédica

O texto indicado para este Dia de Finados trata da morte de Lázaro e do retorno de Jesus a Betânia depois de seu sepultamento. Nada no texto alude ao reavivamento de Lázaro. Nesse sentido, a pregação pode explorar aspectos do texto em que é possível fazer pontes com a experiência de morte de entes queridos dos ouvintes. Chamar atenção para a angústia das irmãs diante da doença de Lázaro, a agonia pela ausência de Jesus, a preocupação em avisar Jesus do estado do amigo, a necessidade de se ter de encarar a morte de familiares, o velório e o sepultamento sem a presença de pessoas que poderiam fazer a diferença.

Outro aspecto do texto diz respeito à dignidade do tratamento dispensado aos mortos. As irmãs trataram de fazer com o corpo do irmão falecido o melhor que se pode fazer pelo corpo de uma pessoa querida nessa hora. Nesse sentido, há dignidade na morte de Lázaro na medida em que seu corpo é sepultado.

Um terceiro ponto diz respeito à importância da solidariedade nos momentos de dor. Especialmente diante da doença ou da morte de uma pessoa querida, a presença e o conforto de pessoas, sejam vizinhos, amigos ou a comunidade em geral, fazem a diferença. Não podemos curar muitas doenças, também não podemos evitar a morte, mas podemos estar com as pessoas que sofrem por causa da morte de seus familiares queridos. Embora Lázaro tenha morrido mais tarde, o texto diz que o amor tem poder para ressuscitar, para trazer das garras da morte aqueles e aquelas que nos são queridos.

5. Subsídios litúrgicos

O salmista disse no Salmo 30.5b: “O choro pode durar a noite inteira, mas a alegria vem ao romper da alva”.

Oração:

Senhor Jesus, reunidos neste dia, queremos trazer à memória aqueles e aquelas pessoas queridas que já não estão e não podem estar conosco. Sentimos sua falta. Sentimos saudades delas. Em nossas lembranças, percebemos o quanto nos eram, são e serão queridas. Queremos agradecer pela vida desses entes queridos: pelo avô, pela avó, pelo pai, pela mãe, pelo filho, pela filha, pelo irmão, pela irmã, pelo amigo, pelo vizinho, enfim, por todos aqueles que trazemos em nossos corações. Em meio à dor, às lágrimas e a todo sofrimento, fortalece a cada um e cada uma. Permite, ó Pai, que possamos nos consolar e fortalecer mutuamente.

Renova em nós a fé na ressurreição. Ajuda-nos, Senhor, a caminhar na promessa da ressurreição dos mortos e na esperança de fazer morada junto ao Pai na presença daqueles que já não estão mais entre nós. Por Jesus, nosso Senhor. Amém.

Oração final:

Na oração final, lembrar de situações de angústia diante da morte; agradecer pela presença e auxílio prestados pelas pessoas; agradecer pela solidariedade e pelo consolo dados e recebidos; agradecer pela vida das pessoas falecidas por toda boa obra por elas manifestada; pedir que estejam em paz, no descanso na presença de Deus; dizer que estão bem cuidadas junto ao Pai; lembrar da transitoriedade da vida, do poder da morte e da nossa própria morte; renovar a confiança e fé no caminho de morte e ressurreição trilhado por Jesus; rogar a Deus que nos receba em sua morada quando também a nossa hora chegar.

Bibliografia

BROWN, Raymond . Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.
LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1974.
MOLZ, Cláudio. Auxílio homilético sobre João 11.1(2)3,17-27(41-45). In: Proclamar Libertação X. São Leopoldo: Sinodal, 1984. p. 434-444


Autor(a): Flávio Schmitt
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Dia de Finados

Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 11 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2012 / Volume: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25399
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Quem é tão forte que não necessite também de consolo do menor dos seus irmãos?
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