João 5.24-29

Auxílio Homilético

02/11/1993

Prédica: João 5.24-29
Leituras: Isaías 35.1-10 e 2 Pedro 3.8-14
Autor: George E. Edmundo Grübber
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/1993
Proclamar Libertação - Volume: XVIII

 

1. Introdução

O texto de Jo 5.24-29, previsto para a pregação no dia de Finados, é muito conhecido e, conforme o Manual de Ofícios da IECLB, muito usado por ocasião de sepultamentos. Mesmo assim, encontrei poucos auxílios homiléticos sobre o mesmo. De acordo com Carl Heinz Preisker, Jo 5.19-29 era texto de pregação para o 25° Domingo após Trindade. Posteriormente, em outra série de perícopes, apenas os vv. 24-29, para o 24° Domingo após Trindade. E, ultimamente, os vv. 19-21 para a noite de Páscoa (cf. também PL XIV, p. 215).

A delimitação de nossa perícope (vv. 24-29) dá sentido e não apresenta maiores dificuldades ou problemas, a não ser uma certa dúvida com relação aos vv. 24s. e 28s. Alguns exegetas afirmam que estes vv. se contradizem e por isso sustentam e defendem a tese de que os vv. 28s. seriam uma inclusão posterior — não pertencente ao texto original —, feita por um redator eclesiástico.

2. O texto e seu contexto

Para um melhor entendimento de nossa perícope, é preciso considerar como contexto todo o cap. 5. Pois a exposição que Jesus faz aos líderes judeus sobre a sua missão, sua identidade com o Pai e sua consequente autoridade (vv. 19-37) tem o seu ponto de partida, sua motivação, na cura de um homem doente (paralítico) há trinta e oito anos (vv. l-9b). lambem a crítica que Jesus faz aos líderes judeus (vv. 38-47) só pode ser entendida tendo a argumentação anterior como pano de fundo.

É bem provável que a cura (vv. 1-9) não seja um fato histórico, mas um acontecimento idealizado e compilado pelo evangelista, através do qual esse deseja exclusivamente criar o clima propício para as colocações de Jesus (vv. 19ss.). Alguns exemplos me induzem a admitir tal hipótese:

1. A não-identificação da festa, falando simplesmente de uma festa dos judeus. Tendo em mente que o interesse primeiro do autor é dar destaque às falas de Jesus, a identificação da festa é secundária, até desnecessária. O objetivo era trazer Jesus a Jerusalém, para que fosse confrontado com os líderes judeus e tivesse a oportunidade de expor-lhes a sua missão. E motivo para ir a Jerusalém era uma festa.

2. Causa estranheza a pergunta que Jesus dirige ao paralítico (v. 6). Pergunta o óbvio. Mesmo sabendo que estava doente há 38 anos e se encontrava ali exatamente à procura de cura, Jesus lhe pergunta: Queres ser curado?. Em outros relatos sobre curas realizadas por Jesus, o doente ou amigos seus tomam a iniciativa e pedem a cura. Aqui é Jesus quem toma a iniciativa.

3. Jesus não busca — como em outros casos — a fé do paralítico, nem procura recomendá-la, mas, ao encontrar-se novamente com o paralítico curado, apenas o repreende para que não peque mais para que não lhe suceda algo pior (v. 14). Esta advertência manifesta o tradicional pensamento daquela época de que uma doença grave seria castigo divino por algum pecado grave cometido (cf. Jo 9.2). Estas palavras atribuídas a Jesus contrastam com as que disse em Jo 9.3. Estes e outros exemplos mais dão a nítida impressão de que João apenas usou esta estratégia, ou seja didática, para colocar na boca de Jesus as palavras dos vv. 19-47.

Os vv. 9c-18, intercalados entre o milagre e as falas de Jesus, intensificam o ódio e acirram, ainda mais, os ânimos dos judeus. Jesus, aparentemente querendo justificar a cura realizada ao sábado com a afirmação de que (...) meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também (v. 17), complica na verdade ainda mais a sua situação (v. 18).

Os judeus estão horrorizados e revoltados, pois, na opinião deles, Jesus não apenas desrespeitou e profanou o sábado, mas zomba e, identificando-se com Deus, blasfema contra ele. Esta situação, porém, oferece a Jesus a oportunidade de falar sobre a sua missão (vv. 19ss.). Ele expõe que tudo o que faz em plena concordância com o Pai. Este lhe conferiu toda a autoridade, inclusive para julgar e ressuscitar mortos (vv. 21s.). Jesus nada diz, nada faz e nada quer, sem que isso lhe seja ordenado pelo Pai. Esta sua irrestrita ligação e obediência ao Pai não é manifestada somente em nosso texto, mas nós a encontramos também em outros contextos (cf. 6.38; 7.28; 8.28,42).

Investido desta autoridade e identificado plenamente com o Pai, Jesus afirma que: V. 24: Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.

Com estas palavras, Jesus declara que o nosso futuro na eternidade não será decidido somente no dia do juízo final, no último dia, mas já aqui e agora, no confronto com a sua palavra, com a sua pessoa. O veredito que determinará vida ou condenação depende da maneira como nos posicionamos, como nos portamos diante da palavra de Jesus e daquele que o enviou. Jesus estabelece, assim, uma nova ordem escatológica (J. Schneider, p. 131). O pensamento tradicional era que, após a morte, viria o julgamento, que determinaria o futuro: vida ou condenação. Conforme as palavras de Jesus, porém, para o crente, para aquele que ouve as suas palavras e crê naquele que o enviou, esta decisão já caiu, pois ele já tem a vida eterna (cf. também 3.18). O crente não mais será atingido pelo julgamento, pois este já se definiu no ouvir da Palavra e no crer em Deus.

V. 25: Neste versículo, o autor procura estabelecer uma ligação entre o pensamento escatológico tradicional e aquele novo, expresso no versículo anterior. Isso se evidencia no início do versículo, onde diz que vem a hora, dando a entender que a referida hora ainda não veio, mas virá. Anexando, porém, as palavras e já chegou, reporta-se ao versículo anterior, para o acontecimento escatológico presente para aqueles que ouvem a palavra de Jesus e crêem naquele que o enviou. Causa certa estranheza esta afirmação um tanto paradoxal: a hora vem e já chegou (cf. também 4.23). Na verdade, o evangelista quer, com esta maneira de dizer as coisas, reforçar o que disse no versículo anterior, a saber: que aquela hora, esperada no fim dos tempos, está presente na palavra de Jesus, sem, no entanto, abolir ou eliminar o julgamento que irá acontecer no fim dos tempos, quando Cristo voltar. Todos os que ouvem a palavra de Jesus — não importa quando e onde — estão diante da alternativa de escolher vida ou morte (R. Bultmann). Ouvir evidentemente significa aqui mais do que o simples escutar, como escuto o som de um sino ou outro som qualquer. Significa mais do que o simples tomar conhecimento. Ouvir, neste contexto, significa aceitar, vivenciar, praticar a palavra ouvida. Os mortos dos quais fala este versículo são, conforme Bultmann e outros, as pessoas do Cosmos, deste mundo, que não vivem uma vida verdadeira porque desconhecem a verdadeira luz que (...) ilumina a todo o homem (1.9). Entendo este versículo como um apelo insistente do evangelista aos mortos, aos totalmente dominados pelo mundo, para que aceitem a chance que lhes é oferecida. Pois, ouvindo, i.e., aceitando a voz do Filho de Deus, eles viverão.

Vv. 26-27: Reportando-se ao que já fora dito nos vv. 19-23, estes reafirmam a identidade do Filho com o Pai e vice-versa, justificando o poder de Jesus para dar a vida (v. 25) e para julgar (v. 26). Conforme a tradição isso era reservado exclusivamente a Deus.

Vv. 28-29: Estes dois versículos enquadram-se perfeitamente, como exposto acima, no pensamento escatológico tradicional, ou seja: aquele que prevê, no fim dos tempos (cf. 6.40), um julgamento e consequente veredito final: vida ou condenação. Exatamente por isso eles desencadearam dúvidas e levaram exegetas a procederem a uma série de pesquisas, sem contudo chegarem a uma solução convincente e definitiva. R. Bultmann e outros defendem a tese de que estes versículos seriam uma inclusão posterior, por contrastarem radicalmente com as afirmações contidas nos vv. 24-25. Outros, como J. Schneider e H. Strathmann, por sua vez, vêem nos vv. 24-29 uma evolução clara e gradativa do pensamento. O v. 28, assim afirma, faz referência à ressurreição geral, que abrangerá todos os que se acham nos túmulos e acontecerá no fim dos tempos (cf. 6.39,40; 11.24; 12,48; Mt 10.15; Mc 13 e outros). Não entendem, portanto, que as afirmações contidas nos vv. 24 e 25 tenham abolido ou eliminado o que os vv. 28-29 atestam. O grande julgamento — quando vier o Filho do homem na sua majestade (...) e reunir todas as nações na sua presença (Mt 25.31ss.) — acontecerá. Só que para o crente, para aquele que ouve a palavra de Jesus e crê naquele que o enviou, este julgamento não mais precisa atemorizar. Pois para ele vale já aqui e agora: Ele tem a vida eterna.

Eu pessoalmente me associo aos que defendem esta última tese, pois ela é também o conteúdo de confissão de fé dos cristãos desde os primórdios até os nossos dias (2° Art., Credo Apostólico e outros). A meu ver, perpassa a nossa perícope, qual fio vermelho, o seguinte pensamento:

1 — É dada a informação de que para aqueles que ouvem (aceitam e vivenciam) a palavra de Jesus e crêem naquele que o enviou não haverá julgamento no último dia. Eles já agora podem ter a certeza da ressurreição para a vida (v. 24).

2 — É feito um apelo ou uma advertência insistente aos mortos'', i.e., àqueles que estão por demais ligados e presos às coisas deste mundo, aos indiferentes à Palavra, para que ouçam avoz do Filho de Deus, pois nisto reside também para eles a grande chance. Indiferença e desrespeito para com a Palavra, já aqui e agora, significam condenação.

3 — Vivemos no já agora e ainda não. Aos que ouvem a Palavra de Jesus e crêem naquele que o enviou é assegurada a vida verdadeira já agora. Como porém, ainda vivem neste mundo, esta vida verdadeira só se manifesta em parte. Sua plenitude será manifesta em todo seu esplendor quando Cristo voltar, quando a hora chegar em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão... (vv. 28s.), quando virá para julgar os vivos e os mortos (Credo Apostólico).

3. Meditação

Finados é o dia em que são lembrados os falecidos. Milhares de pessoas peregrinam aos e pelos cemitérios, enfeitam os túmulos. Muitos choram lágrimas amargas de dor pela perda de alguém muito querido... quem sabe também, as lágrimas do remorso.

Outros procedem assim por uma simples tradição. Conformam-se com a morte, que para eles não é nada de extraordinário, mas o desenrolar natural da vida. Afirmam: Para morrer basta estar vivo. A morte para esse é um acontecimento que faz parte do dia-a-dia das pessoas. Hoje aqui, amanhã ali, como sinal dessa realidade pode servir o que alguém disse há pouco tempo, quando comentou comigo o sepultamento de um vizinho seu, de cuja morte nem sequer tomara conhecimento: Antigamente era diferente. Um vizinho levava a notícia para o outro, e assim iodos participavam e se solidarizavam com a família enlutada. Hoje, o individualismo tomou conta das pessoas, a ponto de inclusive a morte ser um item na agenda do dia-a-dia, da roda-vida.

Na verdade, pelos mortos nada mais pode ser feito, a não ser enfeitar as suas sepulturas e recordá-los... Porém, muito se pode fazer pelos vivos. E são os vivos que se reúnem nos cemitérios. Por isso é oportuno comunicar-lhes uma palavra de conforto, de esperança, como também uma palavra de alerta. A nossa perícope, Jo 5.24-29, presta-se muito bem para esta finalidade.

4. Pistas para a pregação

Introduzindo o assunto, faria um comentário sobre o dia de Finados e seu significado, seguindo posteriormente o esquema apontado nos três pontos no final da exegese.

5. Subsídios litúrgicos

1. Intróito: 2 Pe 3.8-9

2. Confissão de pecados: Eterno Deus e Pai, por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo! Neste dia em que nos lembramos de nossos entes queridos falecidos, reconhecemos o quanto lhes ficamos devendo em amor e solidariedade. Agora já nada mais podemos fazer por eles, nem mesmo pedir-lhes perdão. Por isso nos dirigimos a ti e pedimos que nos perdoes as nossas omissões e falhas. Dá-nos forças para que nos corrijamos e não mais procedamos da mesma maneira no futuro. Ouve-nos, Senhor, quando pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!

3. Anúncio da graça: Jo 3.16.

4. Oração de coleta: Senhor, queremos silenciar e ouvir a tua Palavra, o que tu nos tens a dizer hoje, no dia de Finados, em relação a nossa vida aqui e agora. Afasta tudo o que nos possa distrair e prejudicar o nosso ouvir atento. Abre os nossos ouvidos e os nossos corações, para que a tua palavra caia em solo fértil e produza frutos da fé. Amém.

5. Oração de intercessão: Pelos enlutados, pelos doentes, oprimidos e sofredores. Por todos, para que ouçam a Palavra de Deus e acreditem na promessa de Jesus, seu Filho. Agradecer a Deus que, em Jesus Cristo e por meio dele, nos oferece a grande chance de passar da morte para a vida.

6. Bibliografia

STRATHMANN, H. Das Evangelium nach Johannes. Göttingen, 1963.
SCHNEIDER, J. Das Evangelium nach Johannes, In: Teologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Vol. especial, Berlin, 1976.
VOIGT, G. Die Grosse Ernte, Homiletische Auslegung der Predigttexte der Reihe V über Joh. 5.(19-23)24-29. Göttingen, 1970.
EICHHOLZ: FALKENROTH, Hören una Fragen, In: Meditationen in neuer Folge über Joh. 5,(19-23)24-29. Vol. 5, Neukirchenner Verlag, 1967.
SCHLATTER, A. Das Evangelium nach Johannes, In: Erläuterungen zum Neuen Testament. Vol. 3, Calwer Verlag, 1962.
BULTMANN, R. Das Evangelium des Johannes, In: Kritisch-Exegetischer Kommentar über das Neue Testament, Göttingen, 1964.
PREISKER, C. H. In: Homiletische Monatshefte. 53. Jahrgang, Caderno 5, Ehrenfried Klotz Verlag, Göttingen, 1978.
 


Autor(a): Edmundo Grübber
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Dia de Finados

Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 23 / Versículo Final: 29
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13541
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