Lucas 17.11-19

Auxílio Homilético

09/10/2016

 

Prédica: Lucas 17.11-19
Leituras: 2 Reis 5.1-3.7-15c e 2 Timóteo 2.8-15
Autoria: Nádia Cristiane Engler Becker
Data Litúrgica: 21º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 09/10/2016
Proclamar Libertação - Volume: XL  

Gratidão é demonstração de fé!

1. Introdução

Fritz Rienecker afirma em seu comentário ao Evangelho de Lucas: Cabe maravilhar-se de duas coisas: o persistente amor de Deus apesar da ingratidão dos humanos e a persistente ingratidão dos humanos apesar do amor de Deus (p. 233). A graça e o amor incondicional de Deus, a busca pelo auxílio divino e a (in) gratidão são centrais no texto do Antigo Testamento e também no evangelho.

2 Reis 5.1-3,7-15c relata a cura de Naamã, homem poderoso, comandante do exército sírio, herói de guerra, porém leproso. Por intermédio de uma menina escrava toma conhecimento do profeta Eliseu e vai em busca da cura. Num primeiro momento, decepciona-se e se indigna, pois não é recebido com a pompa e a honra da qual se considera merecedor. Eliseu nem mesmo sai para recebê-lo. Envia apenas um mensageiro com a ordem de que deve ir lavar-se no rio. Após a intercessão de pessoas próximas, Naamã vence o orgulho e obedece à ordem de Eliseu, sendo, desse modo, curado. A cura faz com que Naamã: 1) confesse publicamente o senhorio do Deus de Israel; e 2) queira agradecer-lhe/retribuir-lhe.

Lucas 17.11-19 traz a história de dez leprosos que buscam Jesus para ser curados. À semelhança de Eliseu, Jesus não vai ao encontro dos homens; apenas ordena que eles se dirijam ao sacerdote para o ritual de purificação. Os homens obedecem, e ao perceber que foram curados, nove seguem seu caminho e apenas um volta para agradecer. A gratidão é acolhida por Jesus como sinal de fé. E revela que salvação acontece onde há gratidão: “... tua fé te salvou”.

2. Considerações exegéticas

Jesus estava de passagem pela divisa das províncias da Samaria e Galileia. Seu destino era Jerusalém. A fama de Jesus o precedia. Talvez menos seus ensinamentos e mais seu poder de curar e realizar milagres. Tanto que perto de uma aldeia vieram ao seu encontro dez homens. O sofrimento havia unido suas vidas. O texto não diz explicitamente, mas dá a entender que nove eram judeus e um era samaritano. Homens de povos que, historicamente, não se relacionavam bem, amargavam juntos a mesma dor: estavam doentes de lepra.

Lepra era uma doença caracterizada por manchas brancas, inchaço e tumores na pele. A pessoa acometida de lepra era forçada a retirar-se do convívio social e morar longe das pessoas, geralmente fora dos muros das cidades. Eis o motivo pelo qual os dez perambulavam pela divisa das províncias. A lei ordenava que, quando uma pessoa doente de lepra se aproximasse de alguém, de longe deveria gritar: “Imundo, imundo!”, reforçando assim seu estigma.

Para Jesus, no entanto, eles gritam pedindo socorro: “Jesus, Mestre, compadece-te de nós!”. De longe eles pedem ajuda. São solidários uns com os outros. Não intercedem apenas por si e pela cura individual. Sentem, literalmente na pele, o drama um do outro e, por isso, colocam-se juntos a clamar pela misericórdia de Jesus.

Jesus não se move em direção a eles. Não há diálogo entre os dez e Jesus. Mas ele os vê. E assim, a distância, dá uma ordem, como que testando a fé dos dez no seu poder de curar. Sem examiná-los, sem tocá-los, Jesus ordena que eles devem ir e se apresentar ao sacerdote. Segundo Levítico 14.1-32, o sacerdote era responsável por examinar a pessoa e verifi car se ela estava realmente curada e, depois de ordenar o ritual de purificação, declarar que a pessoa estava apta para retornar à vida social e cultual.

Jesus tem poder e poderia ter dito uma palavra e reestabelecido de pronto a saúde dos dez. Ao invés disso, ele dá uma ordem. Os dez não questionam, eles obedecem. A obediência à ordem recebida revela que, mesmo sem Jesus ter prometido ou afi rmado que eles seriam curados caso fossem até o sacerdote, eles confi avam que assim aconteceria. Jesus não condiciona a cura à obediência ou à gratidão. Mas acolhe ambas como atitudes de fé. Ele espera que a confi ança seja explicitada na obediência às suas palavras.

Os nove judeus talvez considerassem a cura como algo natural e seguiram sua caminhada até o sacerdote. O décimo, um samaritano, tomado pelo sentimento de não ser digno, entendeu a cura como dádiva graciosa de Deus e sentiu-se impelido a agradecer. E a gratidão não pode esperar. Ele não retorna apenas depois de ter sido declarado puro/curado pelo sacerdote. Seu retorno acontece no momento exato em que ele se percebe curado das chagas que cobriam sua pele.

Jesus não esconde sua surpresa e sua decepção. Pergunta pelos outros nove. Eles não tinham motivos para dar glórias a Deus, apenas o estrangeiro? Surpreendeu a Jesus e certamente também aos discípulos que a adoração e o gesto de gratidão vieram de onde não se esperava. Vieram do samaritano. Judeus acreditavam que nada de bom poderia vir de Samaria. E aqui o gesto desse homem desbanca todos os preconceitos e de quebra ainda questiona a suposta superioridade da religiosidade judaica. Manfredo Siegle comenta que, ao lado de um já conhecido “bom samaritano”, temos agora um “samaritano agradecido”.

Jesus acolhe a gratidão do homem e diz: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou (v. 19). Aqui Jesus fala em salvação. Até o momento, o assunto era cura física. Os nove acreditaram que Jesus tinha poder para salvá-los do sofrimento causado pela lepra. O samaritano assimilou que o poder de salvação de Jesus estava muito além da cura externa. Compreendeu que Jesus podia restaurar integralmente, concedendo perdão, nova vida e salvação eterna.

3. Meditação

3.1 – No texto bíblico, o sofrimento enfrentado pelos dez está relacionado à doença física, mas também ao isolamento e à exclusão da vida social e religiosa. Salta aos olhos que a desgraça é capaz de estabelecer comunhão entre pessoas separadas, até hostis entre si. Judeus e samaritanos mantinham uma inimizade histórica entre si. De repente, a doença une seus caminhos, e os leprosos judeus passam a conviver com o samaritano em seu grupo. Ajudam-se mutuamente, são solidários e intercedem uns pelos outros. Depois de ser curado, cada um deles segue o seu caminho.

A desgraça, a doença, o sofrimento permanecem unindo a vida de pessoas. Basta pensar em quantas amizades surgem em leitos de hospital e em filas de espera para tratamentos de saúde. A solidariedade, a intercessão e a ajuda mútua acontecem quase que naturalmente enquanto a dor é partilhada. Cessado o sofrimento, em muitos casos as pessoas nunca mais se encontram. Mas foram importantes uma para a outra num momento de aflição.

3.2 – Evidente também em ambos os textos é a dialética entre obediência e cura, merecimento e graça. Uma dialética perigosa. Numa olhada superfi cial, poderíamos compreender que as curas ocorreram porque existiu obediência. É verdade, a obediência é esperada de toda pessoa cristã. Assim afi rma Hebreus 5.8-9: [Jesus] embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem... Porém não se pode esquecer que mesmo a capacidade de obedecer à palavra de Deus é fruto de seu agir gracioso em nós. Porque ele age, nós podemos reagir. E não o contrário. E por mais que sejamos obedientes, nunca seremos merecedores da graça divina. É dessa compreensão que nasce a gratidão da qual o samaritano estava cheio.

O amor incondicional de Deus revela-se na compaixão demonstrada por Jesus pelos dez leprosos. Sua ação não se limita a uma religião, a um povo ou raça. A graça é de graça e para todas as pessoas. Isso se evidencia no fato de que a cura não foi retirada após a falta de demonstração de gratidão dos nove. A graça e a misericórdia divinas não se deixam limitar ou orientar pela ação humana. Ainda assim, o gesto de gratidão é interpretado por Jesus como demonstração de fé. E essa é fundamental para a salvação.

3.3 – Buscar a Deus na ânsia de ter seus pedidos atendidos e suas necessidades sanadas ainda está muito em voga. Na mesma proporção parece que a gratidão e a obediência à sua palavra seguem em baixa. No texto, os dez homens procuraram Jesus para ser curados da lepra, uma doença muito comum na época. Hoje talvez fosse necessário procurar Jesus e pedir por cura para outra doença, também muito comum: a ingratidão. 

Como nós somos? Somos gratos? Se refl etirmos nossa vida e compararmos com a história dos dez leprosos, com quem nós nos parecemos: com os nove ou com o samaritano?

A tendência é que a maioria se identifi que com o samaritano. Não reconhecer os próprios pecados é da natureza humana. O central nesse texto é a incondicionalidade do amor de Deus e a pergunta pela gratidão, pelo reconhecimento humano. É interessante convidar a comunidade para fazer um “teste”. Perguntar quem já orou pedindo alimento, água, ar, casa, cama, saúde, trabalho... Quem já orou pedindo por seus olhos, ouvidos, voz, por seus pés, pernas, por seu cérebro?... Depois de cada pergunta, o convite para a refl exão: já agradeceu por isso?

Com quem nós nos parecemos: com os nove ou com aquele um? Os nove compreenderam a cura como algo natural. Jesus tinha poder, podia curá-los. Eles pediram, foram atendidos e seguiram seus caminhos. Muitas coisas parecem naturais em nossa vida, e muitas vezes nem nos damos conta de que são uma grande bênção. Ver, ouvir, falar, andar, pensar, ter saúde, ter comida, ter um lugar para morar e tantas outras coisas não são naturais... São bênçãos, dádivas que recebemos da bondosa mão de Deus. E quantas vezes nós fazemos ainda mais “feio” do que os nove, pois não oramos nem para pedir, muito menos para agradecer.

Por outro lado, Deus é tão maravilhoso, que, mesmo sem a gente pedir ou agradecer, ele continua cuidando de nós e concedendo-nos todo o necessário pelo simples fato de saber que nós precisamos disso. Isso é graça imerecida, generosa, amorosa, que não tem nada a ver com uma autoimagem distorcida de que somos obedientes e gratos.

4. Imagens para a prédica

Uma imagem interessante é trazida por Emílio Voigt no livro Jesus de Nazaré, no capítulo sobre Doença e Cura. Voigt afi rma que a “fé aparece como um elemento fundamental nos relatos de cura no Novo Testamento (Mt 8.10; 9.29; 15.28; Mc 2.5; 5.34; 10.52; Lc 17.19). Fé significa aqui a confiança na possibilidade de cura. A própria ida de pessoas doentes ou de seus familiares a Jesus indica que elas confiavam que ele tinha poder para curar. Algumas pessoas viam em Jesus apenas um grande curandeiro. Pessoas buscam um médico quando estão doentes. Depois da cura, não precisam mais dele. Isso pode ter acontecido com pessoas que foram até Jesus. Elas ouviram falar das suas curas, mas não ouviram falar da sua mensagem. Por isso não seguiram Jesus, assim como não precisariam seguir um médico”.

5. Subsídios litúrgicos

Acolhida

Vivemos rodeados da bênção de Deus, e não nos damos conta disso. (Martim Lutero)

Confissão de pecados

Disse eu: Compadece-te de mim, Senhor; sara a minha alma, porque pequei contra ti (Sl 41.4). Deus amoroso, aqui estamos de mãos vazias. Trazemos nossa ingratidão e nosso orgulho, que não nos deixam reconhecer que somos em tudo dependentes de ti. Confessamos que te buscamos muitas vezes apenas na ânsia de ter nossos desejos atendidos. Pensamos ser gratos e em tudo obedientes à tua palavra. Muitas vezes, olhamos a vida e tudo o que temos para mantê-la como coisas naturais, não reconhecendo que são dádivas de tuas graciosas mãos. Estamos cercados pelas tuas bênçãos e não nos damos conta disso. A nossa fé é fraca, nossa gratidão é pequena. Não conseguimos assimilar o que significam a graça, o perdão e a vida plena que tu nos concedes por meio de Jesus. Por tudo isso: Compadece-te de mim, Senhor; sara a minha alma, porque pequei contra ti. Amém. Anúncio da graça Jesus Cristo diz: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou. (Lc 17.19)

Oração do dia

(Se existir a possibilidade de uso de datashow, usar uma imagem para cada motivo de gratidão. Outra possibilidade é fazer gestos e incluir pessoas na apresentação de símbolos). A gratidão é acolhida por Jesus como expressão de fé. Agradeçamos a Deus por coisas simples, mas tão importantes que Deus nos dá: Obrigado, Senhor, pelos nossos olhos e por podermos enxergar! Obrigado, Senhor, pelos nossos ouvidos e por podermos escutar! Obrigado, Senhor, pela nossa voz e por podermos falar, cantar e consolar! Obrigado, Senhor, pelas nossas mãos e por podermos tocar, trabalhar, ajudar! Obrigado, Senhor, pelos nossos pés e por podermos caminhar! Obrigado Senhor, pelos nossos pulmões e pelo ar que tu nos dás! Obrigado Senhor, pelos nossos estômagos e por termos comida e por podermos comer! Obrigado, Senhor, pela nossa casa e por termos uma cama para repousar! Comunidade: Agradecemos-te, Deus gracioso, pela vida e pelo privilégio de ter todas as coisas de que necessitamos. Oramos para que nossos semelhantes tenham vida em abundância como nós temos! Amém. Na sequência, podem ser cantados hinos de gratidão (Obrigado, Pai celeste; Graças, Senhor, eu rendo; entre outros hinos do HPD).

Costura para a oração de intercessões

Mesmo tendo diferenças históricas que os separavam, os dez leprosos foram solidários uns com a dor dos outros. Uniram suas vozes e clamaram: Jesus, Mestre, compadece-te de nós! Unamos as nossas vozes e clamemos solidariamente!

Bibliografia

RIENECKER, Fritz. Evangelho de Lucas. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2005.


 


Autor(a): Nádia Cristiane Engler Becker
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 21º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 17 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 19
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2015 / Volume: 40
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 35205
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