Lucas 22.7-20

Prédica

07/03/1987

Lucas 22.7-20

Martim Lutero

Chegou o dia dos pães asmos em que importava comemorar a páscoa. Jesus, pois, enviou Pedro e João, dizendo: Ide preparar-nos a páscoa para que a comamos. Eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos? Então lhes explicou Jesus: Ao entrardes na cidade encontrareis um homem com um cântaro de água; segui-o até a casa em que ele entrar, e dizei ao dono da casa: O Mestre manda perguntar-te: Onde é o aposento no qual hei de comer a páscoa com os meus discípulos? Ele vos mostrará um espaçoso cenáculo mobiliado; ali fazei os preparativos. E, indo, tudo encontraram como Jesus lhes dissera, e prepararam a páscoa.

Chegando a hora, pôs-se Jesus à mesa e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta páscoa, antes do meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. E tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós, pois vos digo que de agora em diante não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus.

E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós.

Este é um evento que se deu por ocasião da Ceia do Senhor, evento que deverá ser claramente distinguido do sacramento de seu corpo e de seu sangue. Pois neste relato nada se fala do sacramento do corpo e do sangue de Cristo, fala-se do comer do cordeiro pascoal que Moisés ordenou no Antigo Testamento. Na lei vem escrito (Deuteronômio 12) que os judeus devem iniciar a celebrar a festa dos pães asmos, isto é, a festa da páscoa, no dia 14 do primeiro mês, ao anoitecer, isso é, entre as cinco e as seis horas da tarde. Esta festa eles deveriam celebrar por sete dias seguidos, afastando qualquer fermento e qualquer pão fermentado de suas casas, e não comendo outra coisa nestes sete dias a não ser pão doce, isso é, pão sem fermento. E no primeiro dia desta festa da páscoa deveriam comer o cordeiro pascoal.

Era da seguinte forma que os judeus deveriam comer o antigo cordeiro pascoal de Moisés: todos eram obrigados a ter os lombos cingidos, ter sandálias nos pés e varas nas mãos; e tinham de comer como se estivessem prestes a abandonar o lugar, apressados, preparados em todos os sentidos para irem embora. Era a páscoa do senhor, portanto todos deviam manter-se calçados, cingidos e aprestados, como peregrinos que estão apressando a partida. Exatamente como um mensageiro pára de pé, diante de uma mesa, engolindo às pressas os alimentos e tomando alguns goles de bebida, na intenção de fortalecer-se, para, logo em seguida, ir-se embora: assim os judeus deviam comer o seu cordeiro pascoal. O próprio Cristo deve ter parado à mesa assim, ou, como dizem os evangelistas, deve ter permanecido sentado, tendo sandálias nos pés e uma vara nas mãos, bem como os seus discípulos também, enquanto todos comiam, apressados, como se quisessem abandonar o lugar.

Foi assim que Cristo celebrou a páscoa antiga com os seus discípulos. E será preciso ficarmos bem atentos para a distinguirmos do sacramento do corpo e do sangue de Cristo. E verdade, na refeição pascoal também se come e se bebe, bem assim como no sacramento. Mas aqui a refeição consiste de simples pão e vinho, através dos quais encerrou a era do antigo cordeiro pascoal judaico, bem como a do reinado, do sacerdócio e da pregação da libertação do Egito e da ação de graças dada por ela. Logo em seguida, porém, ele instituiu e estabeleceu novo cordeiro pascoal, novo reino e sacerdócio, nova pregação e nova ação de graças, como lemos a seguir ¨E tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo, oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós¨.

Aqui é que o Senhor institui o sacramento de seu corpo e de seu sangue. E é perfeitamente possível guardarmos este texto na memória. Pois não é longo, e além disso é belo, compreensível e claro. Nosso amado Senhor Jesus Cristo não nos quis carregar com um sem número de leis, assim como o povo judaico as vinha carregando no tempo do Antigo Testamento. Nada toma além de pão e de vinho, pronunciando sobre eles a palavra: 'Tomai, comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue, ou este cálice é o Novo Testamento em meu sangue, da mesma forma: fazei isto em minha memória. Aqui é que precisamos abrir os olhos e aguçar os ouvidos, captando estas palavras com firmeza e com segurança.

Tomando o pão, ele diz: ¨Isto é o meu corpo¨, e tomando o cálice, diz: ¨Isto é o meu sangue¨, ou ¨o Novo Testamento em meu sangue¨. Portanto aqui não se trata de simples pão e vinho, mas o pão é o seu corpo, e ele no-lo dá a comer; o vinho é o seu sangue, e ele no-lo dá a beber. Pois as palavras são estas: ¨Ele tomou o pão¨, ¨ele tomou o vinho¨ - e ele acrescentou as palavras: ¨Isto é o meu corpo¨, ¨isto é o meu sangue¨, ou, ¨este cálice é o Novo Testamento em meu sangue¨. Estas palavras fazem com que o pão seja seu corpo e que o vinho seja seu sangue. Quem pois comer este pão, come o verdadeiro corpo de Cristo: e quem beber deste cálice, bebe o verdadeiro sangue de Cristo, quer seja digno, quer seja indigno.

Aquilo precisamos crer firmemente. Pois os amados cristãos deverão dar glória a Deus e confessar que o que Deus disse, também poderá fazer; como Paulo escreve de Abraão, que assim tenha agido (Romanos 4.21). Quem deseja ser cristão, não se preocupe, portanto, como poderá ser possível o pão ser o corpo de Cristo e o vinho ser o sangue de Crista Muitos querem medir e compreender a Deus por meio de sua razão, e já que o evento não combina com sua razão, consideram Deus incapaz de realizá-lo. Mas que proveito terá uma pessoa por preocupar-se constantemente com tal coisa? Mesmo que se esforce ao extremo, não conseguirá compreender o Senhor nosso Deus através da razão humana. Pois o Senhor nosso Deus não é um Deus que permita ser medido, compreendido e concebido pela razão humana, e suas obras e palavras igualmente não são obras e palavras que sejam sujeitas à razão humana. É como Paulo diz (Efésios 3.20): ¨Deus é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos e pensamos¨. Como então nestas coisas nos vamos afligir e atormentar, martirizando-nos ao procurarmos um modo de julgar e avaliar a palavra e a obra de Deus, de tal forma, que a façamos concordar e rimar com nossa razão? Pelo contrário, a verdade é esta: Se é a palavra de Deus, então aceitemos que Deus é todo-poderoso e verdadeiro e que ele é capaz de fazer o que diz.

Portanto deveremos ficar firmes em vista das palavras compreensíveis e claras com que nosso Senhor Cristo diz que o pão distribuído é o seu corpo e que o cálice ou o vinho distribuído é o seu sangue, respectivamente o Novo Testamento em seu sangue O que nos compete é seguirmos o nosso caminho, símplices, crendo sem qualquer dúvida que assim seja, bem como fazem as crianças ingênuas. Haveremos de agradecer a Cristo por tal graça, haveremos de alegrar-nos e de fortalecer o nosso coração por ela, procurando entender por que Cristo fez o que fez, e não discutindo e questionando sua capacidade de fazê-lo. São corações impertinentes os que não se interessam pelo motivo que levou Cristo a realizar a sua obra, mas que unicamente perguntam se ele é capaz de realizá-la.

É coisa aborrecida querermos tratar das obras de Deus de forma a rimarem com nossa razão. Pois não sendo capazes de medir e de avaliar nem as criaturas nem as coisas entre as quais vivemos e nos movimentamos dia a dia, como vamos compreender e avaliar o que Deus só revela em sua palavra, na qual não vivemos nem nos movemos? Por essa razão deveremos dar honra a Deus, aceitando que ele seja todo-poderoso e verdadeiro, e crendo que ele seja capaz de fazer o que diz. Você poderá avaliar o fato de uma vaca comer feno e capim, para tanto sua razão é suficiente, da mesma forma como para avaliar ouro, prata, pedra, madeira, cereais, etc. Você poderá julgar e concluir o que se poderá fazer destas coisas, aí é que poderá aplicar sua inteligência o quanto for capaz. Mas quanto ao que Deus cria e faz, deixe que todos os homens doutos, inteligentes e sábios se apresentem com sua razão e arte mais sublimes, deixe que discutam, pesquisem e perscrutem: por tudo isso nenhum deles será capaz de dizer-lhe de forma cabal como é que se realiza nem a mínima obra que Deus faz.

Por isso deixaremos que a palavra e a obra de Deus prevaleçam, sem discuti-las e sem questioná-las, perguntando unicamente por aquele que as fez e disse - se foi Deus ou se foi homem, se é obra de Deus ou se é obra de homem. Se for palavra e obra de Deus, feche os olhos, não discuta nem pergunte como será possível, mas creia que Deus é todo-poderoso e verdadeiro em suas palavras e ações. Minha parte é permitir ser batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e crer que através deste banho na palavra seja purificado de todos os meus pecados. Pois aí está a palavra, a ordem e a promissão de Deus: ¨Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo¨ (Mateus 28.19). ¨Quem crer e for batizado, será salvo¨ (Marcos 16.16).

Assim Cristo também aqui diz com palavras claras e distintas: ¨Tomai e comei, este é o meu corpo; bebei, este é o meu sangue, fazei-o em minha memória¨. Por isso, na Ceia do Senhor, sob o pão e o vinho, verdadeiramente e essencialmente vai sendo distribuído e recebido seu corpo e o seu sangue. Pois é sua palavra, seu preceito, sua ordem. Não foi nenhum homem que o disse, foi o próprio Cristo que assim o ordenou, instituiu e determinou. Pois bem como o Batismo não é palavra nem obra de homem, mas sim, palavra e obra de Cristo, assim também este sacramento não é palavra nem obra de homem, mas é unicamente palavra e obra de Cristo. Como tal possa suceder - nós não o descobriremos através de nossa razão.

Considerando que Cristo, nosso amado Senhor, se põe a realizar tal obra amorosa e indispensável, preparando tal doce e confortante refeição, é de se admirar que as pessoas participem dela tão custosa e dificilmente e que cheguem a temer o sacramento. Se pregamos a respeito do sacramento, eles o consideram um fardo. Se os convidamos a participarem dele, julgam-no um fardo ainda maior. Pois têm receio de que venham a ser levados a se tornarem piedosos e a deixarem o pecado.

É verdade: deveremos ser piedosos e deveremos deixar o pecado. Pois se você amar mais o pecado do que a graça de Deus, em vez de participar da Ceia de Cristo, se afastará dela. Mas não se deve desencorajar as pessoas de participarem da Ceia, pois trata-se de um alimento gracioso e confortante. Cristo não instituiu tal Ceia para nos presentear com veneno e morte. Pois já antes nos achamos afogados em pecados, e mortos, e não há necessidade de se acrescentar veneno a veneno. Preste atenção a suas palavras, e ouvirá que ele diz ter dado seu corpo e derramado seu sangue por você. Não diz que deu o seu corpo contra você e que derramou o seu sangue contra você, mas sim, por você, em favor de você, para consolo e fortalecimento, para remissão de sua pobre alma. Para que você se torne mais e mais inimigo dos pecados e mais se torne cristão: é por isso que Cristo lhe dá o sacramento de seu corpo e de seu sangue, não para que venha a ser veneno e morte para você. Bem assim como ele batiza você, mergulhando-o na água, não para que você se afogue e morra na água, mas para que, através deste banho, seja redimido de pecados e renasça, para ser novo homem, nascido em graça. Assim ele também lhe dá a comer o seu corpo e a beber o seu sangue, não para o trucidar e matar, mas para o confortar e vivi ficar.

Por isso é preciso aprendermos com todo o empenho qual seja a vantagem e a finalidade deste sacramento e qual a razão de ter sido instituído por Cristo, a saber, que foi instituído a favor de mim, de você e de todos nós. Se eu sentir o meu pecado, sentir que fui um indivíduo malvado e um filho desobediente, que o diabo me manteve preso e que não fiz o que deveria ter feito, serei convidado a comparecer àquela mesa e receber a Ceia, para me ver livre dos meus pecados e ser confortado. Devemos falar com tais pessoas, que sentem os seus pecados e gostariam de se ver livres deles, para que recebam a Ceia e não a considerem nenhum horripilante juízo, que impõe medo, mas antes a tomem por alimento, gracioso e confortante, dado às almas aflitas e pobres. E possível que seja fruto da antiga tradição o fato de temermos este sacramento. Mas será preciso instruir os cristãos para que alegremente, certos e corajosos, se aproximem dizendo: Sou pobre pecador, preciso de ajuda e de conforto, quero participar da Ceia e alimentar-me do corpo e do sangue de meu amado Senhor Jesus Cristo. Pois ele instituiu este sacramento para que todas as almas famintas e sedentas fossem alimentadas e saciadas. Ele não me repreenderá, e muito menos me aniquilará, uma vez que eu venha em seu nome, que queira ser abençoado e que anseie por seu auxílio e por seu conforto.

Portanto, mesmo que o grande e rico conforto prometido não nos leve a compartilhar da Ceia, deveremos respeitar a honra de nosso Senhor Jesus Cristo, participando frequentemente do sacramento, a fim de que por tal memória ele seja louvado, honrado, exaltado, e receba nossa gratidão. Moisés quis manter viva a memória da saída e da salvação do povo de Deus do Egito, de modo que, quando os judeus comessem o cordeiro pascoal, fossem levados a glorificar, louvar e a agradecer a Deus por seus benefícios, por tê-los redimido do Egito e conduzido através do Mar Vermelho, por lhes ter dado o reino e o sacerdócio. Foi para eles um alegre banquete. Ainda hoje os judeus costumam comemorá-lo de maneira festiva, comendo o cordeiro pascoal com alegria, como se partissem para uma alegre dança. Da mesma forma, Cristo quis que fosse mantida a memória de sua paixão e morte para o povo da Nova Aliança, de modo que, ao recebermos o sacramento, agradeçamos pela redenção com que nos libertou - não do Egito e do Mar Vermelho, mas de pecados, da morte, do diabo, do inferno, da ira de Deus e de toda a miséria. Isso não nos será motivo de pavor, antes será motivo de pura alegria e riso, principalmente no Espírito, para que sirvamos a Deus, o louvemos e lhe agradeçamos pela graça e pelos benefícios que nos demonstrou em Cristo.

Por tal motivo participemos da Ceia espontaneamente e com alegria, com toda a segurança, dizendo: Também eu quero achegar-me ao verdadeiro Cordeiro Pascoal, comendo e bebendo o corpo e o sangue de meu amado Senhor Jesus Cristo, quero guardar a sua memória e agradecer-lhe por sua redenção, para que não venha a ser encontrado entre os ingratos e os que o desprezam, ignoram e esquecem tal redenção preciosa.

Estes dois eventos se deram naquela noite. O primeiro foi que Cristo, junto com os seus discípulos, comeu o cordeiro pascoal, em despedida do cordeiro pascoal judaico e de seu reino e sacerdócio. O segundo foi que ele instituiu o sacramento de seu corpo e sangue. Façamos uso dele com frequência e, ao participarmos, lembremo-nos de Cristo. Para tal, o misericordioso Deus nos conceda a sua graça.

Amém.


10 Sermões sobre o Credo - Martim Lutero

Prefácio de Lindolfo Weingärtner

O Primeiro Artigo do Credo Apostólico

Mateus 6.24-30

O Segundo Artigo do Credo Apostólico

Lucas 2.1-14
Lucas 22.7-20
João 19.13-30
Marcos 16.1-8
Lucas 24.13-35
Marcos 16.14-20
Mateus 25.1-13

O Terceiro Artigo do Credo Apostólico

Atos 2.1-13
João 10.12-16
  


Autor(a): Martim Lutero
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 22 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 20
Título da publicação: 10 Sermões sobre o Credo / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1987
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 28380
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O que o Senhor planeja dura para sempre. As suas decisões permanecem eternamente.
Salmo 33.11
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