Paz na Criação de Deus

Impressões e reflexões sobre a criação e a criatura (parte 2)

06/04/2011

POR UMA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ ECOLÓGICA foi o título do documento que a Igreja Evangélica de Confissão Luterana (UP Rio) distribuiu no Fórum Global Rio 92.

Você pode dizer: Isso já está ultrapassado, 20 anos, muita coisa mudou para melhor. Dos biodegradáveis ao biocombustível houve, de fato, um grande avanço. Não nos enganemos, porém, com a dissimulação do consumismo. Nesta área do consumismo muita coisa também mudou, e para pior. O velho documento aponta que a casa/meio ambiente (eco=oikós=casa, moradia) está ameaçada por causa da relação que a humanidade tem para com o meio ambiente. Se os cristãos são acusados por White de serem os culpados pelo desastre ecológico mundial. é necessário, em primeiro lugar, assumir a culpa naquilo que compete ser assumido. Mas também fazer uma releitura dos textos da criação em Gênesis, onde, sob um outro ângulo, vemos que a coroa da criação não é o ser humano, e sim, o dia do descanso. Este é o auge da criação, de acordo com o documento. O dia do descanso é abençoado. O sábado aponta para além do trabalho. A paz (shalom) sabática é uma antecipação do reino de Deus em meio e após uma jornada de trabalho e fadiga. Portanto o clímax bíblico não estaria no sujeitar e dominar, e sim no guardar e cultivar. Os seres humanos receberam de Deus a incumbência de zelar pela criação continuada de Deus, uma criação que se estende até hoje, incluindo todas as mutações, transformações e evoluções naturais. Os seres humanos são um elo da comunidade da criação e tem responsabilidade pelo restante da criação. Através do trabalho criativo, os seres humanos se tornam co-criadores com Deus. Frente à ameaça de uma crise ambiental temos grandes tarefas pela frente. (...) Como pessoas cristãs precisamos, em nosso trabalho teológico e espiritual, incluir sempre toda a criação no plano redentor e libertador de Deus. Isso poderia se chamar de espiritualidade cristã ecológica. E a nossa esperança vai além da crise da evolução da criação. Nossa esperança se orienta numa criação renovada, redimida, liberta!


CONTRASTES

Quando somos defrontados com as diversas maneiras de tratar a questão ecológica, naturalmente tendemos a nos fechar em nossa forma de viver e mesmo na nossa cultura cristã. No meu entender, cristianismo não é somente uma questão cultural. É o propósito do Deus Criador - aquele que cria pela palavra - para com a humanidade, de maneira integral. O Cristianismo é a herança do pensamento judaico quanto a Criação de todas as coisas através do Deus Tri-uno, Isto não fecha nosso diálogo macroecumênico, mas sinaliza nossa especificidade. Na plenitude dos tempos, dentro dos propósitos do Deus Criador, encontramos a Jesus Cristo, Deus tornado ser humano, como o Deus-Filho que vem ser como nós, reagir como nós diante da Criação, colocar valores e prioridades como ser humano diante da ordem vigente de todas as coisas. Nós temos, portanto, um ponto de partida que é a perspectiva Evangélica (a partir do Evangelho = boa notícia) que Jesus Cristo traz ao mundo doente (os sãos não precisam de médico - Mc 2.17) que vive sem Deus, respectivamente, sem zelo, sem amor, sem compromisso, a não ser com seu egoísmo e individualismo. Desta forma, precisamos olhar ao nosso redor e ver as necessidades que gritam alto e ferem nossos ouvidos. Como cristãos, não pensamos somente no aspecto espiritual. Temos uma perspectiva integral do ser humano, e vir ao encontro deste grande leque de necessidades. Precisamos entender que fome e ecologia andam de mãos dadas. Precisamos entender também que ecologia não casa com ganância e manutenção de status quo.

Às vezes penso: 'Se eu morresse não precisava ver meus filhos sofrendo desse jeito.' Às vezes até chego a pensar em me matar. Quantas vezes eu vejo eles chorando, com fome: e fico aí parada, sem um centavo sequer para poder comprar um pedaço de pão. Penso comigo mesma: Meu Deus, eu não agüento! Vou dar um fim na minha vida. Não quero mais ver isso! Este é um trecho da declaração de Iracema, moradora de favela, como consta num livro da Sinodal de 1982.

Esta pobreza opressora, numa civilização cristã, é como uma agressão aos valores que nós defendemos, até doutrinariamente, biblicamente. Seria, de fato, riqueza sinônimo de bênçãos, e a pobreza irremediável sinônimo de relaxamento e falta de confiança em Deus? Creio que não poderíamos nos apressar e nem responder sim, nem não!

Em 1975 se publicava que 58% das crianças e adolescentes brasileiros abaixo dos 18 anos, viviam subnutridas, e em 1980 já 40% do total da população brasileira viva em iguais condições. Em 2011 o índice de adolescentes que vivem abaixo da linha da pobreza e sem perspectivas de dignidade sobe para 59%, segundo a UNICEF. Basta olharmos às cercanias de nossas cidades. O que vemos? Um acréscimo constante das populações provindas do meio rural, em busca de dignidade de vida, e que acabam encontrando aglomerações populares onde ainda conseguem se instalar, sem nenhuma infraestrutura de saúde e saneamento. Resultado: contribuem ainda mais para o desastre ecológico no meio ambiente. São as típicas populações que são agentes poluidores e sofredores diretos da poluição que já vem de longe, provindos dos centros urbanos e indústriais. E as nossas Igrejas? Que fazem? Que nós, pessoalmente, fazemos ou podemos fazer? Depois das enchentes, terremotos, tsunamis e desastres nucleares, toda esta tendência se multiplica exponencialmente. Os contrastes devem, sim, no ferir. Mas como pessoas feridas, não devemos nos fechar em nosso orgulho. Proponho sairmos à luta em favor da eco=oikós=casa que nos foi dada por Deus, e fazê-lo de maneira a contemplar as necessidades integrais da humanidade. Os oprimidos nos dizem respeito, e não os mecanismos de opressão. A estes queremos denunciar. Jesus Cristo nos mostrou que Ele veio reverter este quadro (Lc 4.18s).


DESTRUIR PARA TER

Quem levanta sua crítica aos povos cristãos afirma que a própria destruição vem atrelada ao crer num Deus transcedental que somente utiliza a natureza como fonte testemunhal de Seu poder de criação. Segundo esta suposta maneira cristã de entender os fatos, a natureza estaria completamente distituída de espírito e, portanto, completamente aberta e desimpedida à destruição. O autor Richard L. Means, ao referir-se às conclusões de White, escreve que para um cristão uma árvore não pode ser nada mais que um fato físico. E continua: Todo o o conceito de bosque sagrado é alheio ao cristianismo e <> cultural do Ocidente. Aproximadamente durante dois milênios os missionários cristãos tem estado cortando bosques sagrados em virtude das atribuições espirituais que lhes foram conferidas pelo povo, tornando-se motivo de idolatria. Com estas afirmações o ser humano, especialmente os cristãos, estão sendo reduzidos a uma posição de egoístas da natureza. É claro que esta visão é unilateral. Não creio que cristão mereça a fama de vilão ecológico. O pressuposto do ser cristão apenas nominal realmente não é representativo, pelo menos não para nossa geração que em nosso meio busca relacionar-se de maneira diferente com a natureza. Creio que temos compreendido que o SER não passa pelo TER, embora seja exatamente o contrário que todas as ondas de comunicação nos tentam incutir. Se entendemos que Jesus Cristo por si só dignifica a nossa vida, que pelo seu ato salvífico na cruz do Gólgota, recebemos de forma definitiva a reconciliação com o Criador. Se levamos a sério e requisitamos para nós as palavras de João 10.10 de forma social e pessoal, então SOMOS co-herdeiros de seu reino. Não precisamos mais TER para SER e muito menos DESTRUIR para TER. Visto de forma otimista, poderíamos dizer que a obra de Cristo é o bastante para nossa vida, que se torna simples, direta, livre, sem correntes a aprisionar no mundo consumista e insatisfeito...cada vez mais insatisfeito consigo mesmo. Destruído está o pecado para dar liberdade ao ser.

Se temos uma compreensão mais responsável sobre nossa interação com a Criação de Deus, de que maneira podemos concretizar isso na sociedade de hoje? Podemos continuar refletindo e dialogando para fazer, depois, opções evangélicas diante da natureza para que a paz reine na criação de Deus.

P. Rolf Rieck
Par. São Mateus - Joinville (SC)

É mais consolador ter Deus como amigo do que a amizade do mundo inteiro.
Martim Lutero
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