São João, o profeta

24/06/2009

O mês de junho é mês de festa em todos os rincões brasileiros. Na semana passada, vi uma notícia sobre os festejos juninos. Em algumas cidades, a festa se estende por dias e dias. Em muitas comunidades da IECLB, também são realizadas festas juninas.

A principal inspiração de todas essas festas populares, de norte a sul do Brasil, é o dia de hoje (24 de junho), dia em que lembramos do profeta João Batista ou, como é conhecido, Dia de São João. Tenho a impressão de que esse nome sai com muita naturalidade de nossas bocas e imediatamente é associado com música caipira, danças folclóricas, comidas típicas e assim por diante.

Creio que João Batista, ou melhor, o Dia de São João, de certa forma, teve o mesmo destino que o Natal e a Páscoa: Caiu nas graças do povo; foi adotada como festa popular. E ao cair nas graças do povo, tornou-se também alvo dos olhos atentos e famintos do Mercado, esse ser tão concreto quanto abstrato que comanda nossa sociedade e determina nosso jeito de viver.

Diante desse quadro, nosso desafio, nossa tarefa é resistir e, no mínimo, consumir criticamente e com cautela o que nos é oferecido, buscando no testemunho bíblico nossa reflexão e nosso testemunho.

O profeta João, a mensagem de João Batista está longe de ser inspiração para festas com roupas remendadas, maquiagem carregada no rosto, fogueira, pinhão e quentão. Pelo contrário, sua pregação e atuação nos falam de arrependimento, de frutos dignos de quem quer viver conforme a vontade de Deus. João nos incita a ações concretas de partilha, de honestidade, humildade, dignidade e justiça.

Convido vocês para lerem um extrato da sua pregação. O texto está em Lucas 3.7-14.

Quero contrapor as exortações de João Batista com alguns ditos populares conhecidos e difundidos entre nós.

João é claro e objetivo em sua fala: não há muito o que pensar; basta agir com amor e solidariedade. Em primeiro lugar, segundo o texto lido, ninguém garante a salvação através da tradição ou através de hereditariedade. Não basta ser filho de Abraão; é preciso que nossos atos mostrem que há arrependimento diário e que queremos cumprir de fato a vontade de Deus. Nos dias de hoje, podemos dizer o que alguém já cantou um dia: não adianta ir à igreja rezar e fazer tudo errado.

Diante da pregação de João, muitas pessoas se arrependem, querem mudar de vida e perguntam honestamente a João:

– O que temos que fazer para viver conforme a vontade de Deus?

Então o profeta dá pistas simples e concretas do que fazer.

A primeira é: repartir os bens com quem não os possui. Quem tem duas túnicas, dá uma a quem não tem. Quem tem o que comer reparte com quem não tem. Simples, ou não?

A orientação de João contraria duas expressões populares muito conhecidas entre nós: Salve-se quem puder! A outra, ainda mais apelativa: Cada um por si e Deus por todos.

Somos filhos e filhas do nosso tempo e, às vezes, parece que entramos na onda do cada um por si e Deus por todos. É difícil repartir; é difícil abrir mão do que temos para auxiliar outras pessoas. Se fosse diferente, não precisaríamos realizar campanhas de arrecadação de fundos para sustentar projetos. Precisamos estar atentos para não cair na onda do dito popular. Temos nossos argumentos e nossas explicações para ficar com tudo o que conquistamos. Também não acho que o caminho seja nos desfazer de nossos bens sem mais nem menos. A questão é o quanto paramos para pensar, nos organizar com as pessoas marginalizadas e buscar alternativas para que todos e todas vivamos com dignidade.

Quando publicanos e soldados se aproximam de João, as recomendações também são relativamente aceitáveis. Aos publicanos, ele recomenda: não cobrem mais do que a lei manda! Só isso. Aos soldados, João dá um conselho muito parecido, enfatizando o perigo do abuso de quem tem poder. Esses dois temas, pelo que parece, acompanham a humanidade há milhares de anos, e ainda são bem conhecidos.

Essas duas recomendações de João Batista questionam uma afirmação bastante familiar entre nós. Muitos a conhecem como a lei de Gerson e diz: “Gosto de levar vantagem em tudo.” A origem da Lei de Gerson é uma propaganda de cigarros veiculada pela televisão em 1976. Depois de enaltecer as vantagens dessa marca de cigarros, Gerson, com um sorriso malicioso, diz: "Gosto de levar vantagem em tudo, certo?"

Esquecemos a marca do cigarro ou nem sabemos qual era. Mas a expressão levar vantagem em tudo ficou ecoando por aí, revelando uma realidade ainda presente em muitos contextos da sociedade brasileira.

Nesse dia de São João, o profeta nos adverte: Sempre que uma pessoa leva vantagem, provavelmente outra ou outras tantas saem perdendo. E são perdas profundas, marcantes, para sempre, às vezes: perda da auto-estima, da dignidade, da coragem ou da vontade de seguir em frente, perda da vontade e da alegria de viver. Por isso São João nos aconselha: cuidem uns dos outros, sejam responsáveis uns pelos outros e por toda a criação. Façam com que o agir diário de vocês seja em favor da vida, em favor do próximo É assim que se cumpre a vontade de Deus. É assim que se vive a partir do batismo. É assim que confessamos nossa fé.

Sim, as festas devem acontecer. Podemos celebrar e nos alegrar. Mas elas não devem ofuscar a mensagem contundente, profética e tão atual de São João, o profeta: “Façam coisas que mostrem que vocês se arrependeram dos seus pecados.” (Lc 3.8)

Edson Ponick


Autor(a): Edson Ponick
Âmbito: IECLB
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 7519
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