Êxodo 24.12,15-18

Auxílio Homilético

18/02/1996

Prédica: Êxodo 24.12,15-18
Leituras: 2 Pedro 1.16-19 e Mateus 17.1-9
Autor: Antônio Carlos Ribeiro
Data Litúrgica: Último Domingo após Epifania
Data da Pregação: 18/02/1996
Proclamar Libertação - Volume: XXI


1. Introdução

Este é o Ultimo Domingo após Epifania, época em que, a partir da luz de Cristo, nos dispomos a procurar o divino que perpassa a realidade humana, impregnando-a de sentido. Para essa tarefa queremos fazer a leitura dos comportamentos que marcam as situações mais frequentes em nossa sociedade.

O problema não é ver. Todos vêem. O problema é o que se vê e como é visto, fato que por si só denuncia um modo, um lugar e um objetivo. A maneira como a gente recebe/reage a uma notícia depende dos elementos que já temos, da condição em que nos encontramos e das causas legítimas a que queremos servir. Nossa leitura da glória de Deus será feita a partir da legitimidade que ela empresta a pessoas e projetos.

O texto do Evangelho de Mateus (17.1-9) retoma o tema da transfiguração, já trabalhado anteriormente (Proclamar Libertação X, p. 216; XVIII, p. 78; e XX, p. 82). Já a Epístola (2 Pe 1.16-19) enfatiza a experiência de quem foi testemunha ocular da glória de Jesus, que atesta sua divindade. Essa experiência legitima e capacita para resistir qual luz acesa toda a noite, como candeia, à espera do amanhecer (v. 19).

O relato da aliança, que aparece em Ex 24.12,15-18, convida a buscar novas teofanias, que atualizem a manifestação de Deus para o nosso tempo e nos ajudem a adquirir a consciência necessária ao testemunho.

2. Considerações Exegéticas

O texto de Êx 24 traz o momento em que Deus faz a aliança com o povo de Israel no Sinai. Esse monte, que devia ficar na área de migração dos midianitas nômades, não encontra sua localização exata definida pela pesquisa bíblica.

Ao mesmo tempo, dá nome a uma importante tradição do AI' por ser um dos lugares a que o povo chega na caminhada pelo deserto e onde Deus se revela por meio de teofanias como trovões, relâmpagos, fumaça e tremores. E possível ale que o texto esteja descrevendo erupções vulcânicas ocorridas numa montanha ao sul da Palestina, onde esse Deus temível e assustador apareceu (Dreher).

A teofania como manifestação de Deus através de fenómenos naturais tem como objetivo iniciar um relacionamento entre Deus e o povo, que depois será denominado aliança. A confissão de fé fundamental (Êx 20.2) marca a saída do Egito do grupo que mais tarde é absorvido pelo povo de Israel. Essa mesma população chegou ao Egito através da migração (Gn 12.10; 42) e lá foi submetida a trabalhos forçados na construção das cidades-celeiros de Pitom e Ramsés (Êx 1.11) por volta do séc. XIII a.C., quando Ramsés II construiu sua nova capital.

Essa revelação de Deus (Êx 24) é uma continuação do relato do cap. 19, intercalado por escritos, provavelmente posteriores, mas de fundamental importância na religião de Israel, como os Dez Mandamentos (20.1-17) e o Código da Aliança (20.22-23.33).

A população à qual os relatos se dirigem é composta de camponeses, que, cansados de resistir aos soberanos cananeus, deixam a planície e aventuram-se nas montanhas. Possivelmente o preparo de cisternas e o uso do ferro tenham sido tecnologias que deram condições de ingressar nessa terra desabitada, onde os cananeus não queriam se arriscar com seus exércitos e onde não era preciso pagar tributos aos egípcios (Schwantes). Para esse povo a teofania do fogo é uma revelação da presença de Deus. Ao mesmo tempo existem barreiras, das quais a lei é o principal sinal. A comunicação de Deus com o povo não é imediata. O sistema religioso do deserto é o meio.

3. Análise do Texto

A perícope privilegia o ato do líder Moisés de receber a lei de Deus no Sinai, destacando a subida ao monte, a nuvem que o encobre, o espetáculo do fogo consumidor e o período de 40 dias. Essa sequência de fatos parece ser decisiva para sintetizar o conjunto da revelação de Deus. A leitura do início do cap. 24 mostra um afunilamento de situações, visando uma seleção de quem vai acompanhar Moisés. O povo todo não subirá ao Senhor (v. 2), só os 70 anciãos acompanhando Arão, Nadabe e Abiú (v. 1). Então começam os rituais de preparação: o compromisso do povo (v. 3), o holocausto (vv. 4-6), a aliança selada com sangue (v. 8), num lugar que espelhava o céu (v. 10), e o comer e o beber, selando o relacionamento com Deus e a comunhão entre eles (Kilpp).
O ritual de receber a aliança começa com a ordem de Deus e a obediência de Moisés. O lugar é onde a glória, a honra e o poder de Javé habitam (v. 16). No sétimo dia Moisés é chamado e a glória é como algo que consome. Não existe a palavra fogo no texto, apenas consumidor, para descrever o que acontece no alio do monte. E ao pé do monte há centenas de pessoas com os olhos fixos nesse ritual de 40 dias.

Parece que o aspecto central no texto é a glória de Javé revelada a Moisés, u m profeta cujo nome significa filho e que foi forjado numa história que envolve escape fantástico da morte, envolvimento com o poder e formação de uma liderança (Êx 2.1-10). Além do nome egípcio, Moisés é genro de um sacerdote midianita, fato que o torna um elo de ligação entre o Egito, Mídia e a Transjordânia.

As evidências indicam que essa narrativa não tem a preocupação de descrever acontecimentos históricos, mas é uma lenda memorial de uma grande celebração, a antiga oferta da renovação da aliança (von Rad).

4. Meditação: a Legitimação da Liderança

A imagem do fogo consumidor sob os olhares da multidão ao pé da montanha é sem dúvida a mais forte do texto. É uma teofania que faz o povo pensar em sua situação, impactado pelos fenómenos da natureza. A glória do Senhor é o fato que o fará reavaliar sua caminhada, dispor-se a manter a aliança firmada e cumprir as leis, sob a liderança de Moisés. Ela se concretiza para o povo por intermédio de Moisés, razão pela qual a teofania reforça sua liderança como profeta de Deus e guia do seu povo. Essa lenda cerimonial festeja a aliança com Deus por meio de Moisés. Não exalta a personalidade do líder, mas consagra um projeto para o seu povo.

Hoje vivemos uma crise de lideranças legítimas no mundo. Alguns países europeus, como a França, p. ex., têm lideranças autênticas, que cresceram junto com o desenvolvimento do país. Mas a maioria sofre um processo de criação artificial de lideranças, hoje tornado realidade através dos poderosos sistemas transnacionais de comunicação de massa, agindo em sintonia com os governos dos países hegemônicos e com o mercado. Essa confluência de forças criou um mecanismo de controle da opinião tão eficiente que passa por cima de tudo: atropela culturas, desdenha os governos de países subdesenvolvidos e instabiliza regimes através da interferência nos processos eleitorais. Tudo pode ser artificializado através da mídia, capaz de rotular um governante como Fidel Castro e exaltar um burocrata envolvido em escândalos como Salinas de Gortari. Ou, para dar exemplos mais próximos, é capaz de criar um produto de marketing político como Collor de Mello e ainda tentar escapar sem arranhões ao desastre do seu governo. Ou mesmo conseguir a eleição presidencial em troca do projeto de privatizações.

O poder do mercado e seus aliados se alimenta de lideranças ilegítimas. Ele consegue criar lideranças que sirvam aos seus projetos, mesmo que por pouco tempo. A propaganda se incumbirá de vender esse produto, estimulando no público a necessidade que o torna dependente. O público não consome apenas bens duráveis e serviços. Entre as suas necessidades básicas está o que a sociologia chama de bens simbólicos, categoria que descreve as atividades lúdicas, culturais e religiosas. O uso desses mecanismos pelas pessoas envolvidas na produção dos bens simbólicos pode legitimar uma liderança. As eleições presi-denciais de 94 aperfeiçoaram o uso do mesmo mecanismo nas eleições de 89.

O texto bíblico aponta para referenciais de autenticidade que escapam ao controle dos projetos humanos, que não podem ser artificializados e nem confundidos pelo brilho falso. A glória de Deus revelada a Moisés, sob os olhares do povo, é um elemento mítico a referendar sua trajetória e a lhe conferir autenticidade, essa que hoje insistem em criar pelas luzes do picadeiro ou as câmaras de TV. Enquanto escrevo este texto (março de 95) já se percebe que o governo não tem partido, nem história política, nem projeto popular. Sem horizontes de luta, está se ofuscando diante dos líderes da direita e da esquerda. Sua autenticidade foi criada via Embratel e sustentada pela interminável relação de grandes empre¬sas que apoiaram sua campanha.

5. Bibliografia

DREHER, C. A. As Tradições do Êxodo e do Sinai. Estudos Bíblicos, (16):62, 1988.
KILPP, N. Êxodo 24.3-11. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1990. vol. XVI, pp. 224-7.
RAD, G. von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo, ASTE, 1973. vol. l, p. 194.
SCHMIDT, W. H., Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo, Sinodal/IEPG, 1994. pp. 21-2.
SCHWANTES, M. O Êxodo como Evento Exemplar. Estudos Bíblicos, (16):9, 1988.


 


Autor(a): Antônio Carlos Ribeiro
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: Último Domingo após Epifania
Testamento: Antigo / Livro: Êxodo / Capitulo: 24 / Versículo Inicial: 12 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1995 / Volume: 21
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14226
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