Luteranos em Contexto



ID: 2650

Lutero hoje. 490 anos depois da Reforma.-. Entrevista com Walter Altmann

13/11/2007

Criar uma denominação confessional para a Igreja não estava entre os planos do monge Lutero. A afirmação é do pastor Walter Altmann, presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), gaúcho, doutor em Teologia pela Universidade de Hamburgo (Alemanha). Altmann publicou vários livros sobre o reformador. Seu livro Lutero e Libertação (Ática/Sinodal) é referência entre os títulos latino-americanos. O presidente da IECLB preside também o Conselho Mundial de Igrejas (CMI).

Na entrevista ao Valor, 9-11-2007, conduzida por Paulo Hebmüller, Walter Altmann afirma que Lutero é uma figura histórica que marca o caminho de transição da época feudal para a modernidade. O pastor destaca que a essência da teologia de Lutero propugna que a nossa salvação - justificação, pelo termo usado na época - é por graça e não poderia ser adquirida por mérito e tampouco comprada.

Eis a entrevista.


Quem é Lutero hoje, 490 anos depois da Reforma da Igreja, iniciada por ele em 1517?

Cada época tem sua imagem de Lutero. Algumas figuras salientes foram naturalmente a do reformador da Igreja, às vezes associada à figura do rebelde contra as instituições eclesiásticas, e a do campeão da liberdade de consciência. Sem dúvida, seu impacto maior foi na Igreja cristã. Lutero propugnava pela renovação da Igreja, de acordo com parâmetros originais bíblicos, mas, contrariamente à sua vontade, surgiu uma Igreja Luterana. Ele tinha a ousadia de se posicionar diante de diferentes áreas, às vezes de forma problemática, outras de forma desafiadora e inovadora. É uma figura histórica que marca o caminho de transição da época feudal para a modernidade.

Como entender o conceito de Lutero sobre a liberdade do cristão?

É um conceito relevante para o contexto latino-americano atual. Não era uma liberdade arbitrária, porque sempre estava conectada com uma responsabilidade na convivência com o semelhante, portanto vinculada a uma responsabilidade social. Ele advogou uma profunda reforma do sistema educacional, além de medidas de ajuda social aos pobres. O conceito de liberdade associado à responsabilidade social me parece um legado importante. A liberdade também é importante dentro das igrejas, porque muitas têm a característica de predeterminar o que os fiéis podem ou devem fazer. A perspectiva que Lutero abriu foi uma orientação às pessoas para que no desenvolvimento de sua fé, e portanto de sua consciência, tomassem as decisões que considerassem compatíveis com o exercício dessa fé.

Lutero teria de ser redescoberto tanto na Igreja quanto na sociedade?

Acredito que sim. Existem naturalmente lados mais controvertidos da sua atuação, às vezes mais destacados do que outros aspectos. Exemplo: sua posição na Guerra dos Camponeses (1524-25) é muito controvertida. Um dado positivo é que ele não se omitiu. Desde o começo defendeu os direitos legítimos dos camponeses e admoestou os príncipes, embora tivesse chegado, num estágio mais avançado da polêmica, a uma exortação a eles e às autoridades para reprimir a revolta camponesa. Mas Lutero foi visceralmente contra o uso da violência e a associação do uso da violência a certo padrão religioso - ou seja, era contra a guerra santa. Isso também é válido para as tensões em nível mundial de hoje, em que até grupos religiosos são protagonistas ou acabam sendo usados nesse campo. Ainda é válido seu conceito de que todas as reivindicações devem ser discutidas no âmbito da razão e da solidariedade social e não podem ser impostas pelo uso de violência nem associadas a valores religiosos.

Lutero se manifestou violentamente contra os judeus num determinado momento...

A relação de Lutero com os judeus tem grande dose de ambigüidade. Num primeiro escrito, Acerca do fato de que Jesus nasceu judeu (1523), ele teve palavras muito claras de defesa da comunidade judaica. Já no fim da vida - e pesquisadores especulam por quê -, publicou um escrito absolutamente lamentável, em que há elementos claros de discriminação contra os judeus e exortações às autoridades para que limitem seus direitos, ainda que jamais exortasse ao extermínio. Nós, da geração pós-holocausto, sabemos que a Alemanha nazista perpetrou esse terrível crime, às vezes até se reportando a Lutero, mas de forma ilegítima.

Na reflexão teológica de Lutero, por exemplo sobre a doutrina da justificação pela fé, o que se mantém como mais forte e relevante?

A ênfase de Lutero foi de que a nossa salvação - justificação, pelo termo usado na época - é por graça e não poderia ser adquirida por mérito e tampouco comprada. Ainda estamos cercados por propostas que tentam de certo modo comercializar as bênçãos divinas, condicionando isso a algo que deveríamos fazer de nossa parte, como uma ação de benemerência ou uma contribuição financeira. Ser libertado desses traços de comercialização da salvação por uma mensagem que diz que nesse particular Deus a concede gratuitamente e então nos convoca ao serviço ao próximo - isso me parece uma mensagem que continua relevante.

O cenário ecumênico nacional sofreu percalços como a saída, em 2006, da Igreja Metodista dos organismos ecumênicos em que a Igreja Católica está presente. Como está a situação?

Esse espírito de fragmentação atinge o movimento ecumênico, mas não diminui a relevância da proposta ecumênica. Ao contrário, a torna mais necessária e urgente. Como ilustração, há a situação do Oriente Médio. É extremamente importante que as religiões irmãs - cristianismo, judaísmo e islamismo - encontrem elementos de convivência para poder contribuir para uma paz duradoura e justa. Deve haver o maior entendimento possível.

Como fica a relação do ecumenismo com a Igreja Católica depois do documento de julho no qual o Vaticano declarou que a única Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica?

O diálogo e a cooperação com a Igreja Católica seguem. Naturalmente a forma com que esse documento da Congregação para a Doutrina da Fé foi divulgado e a repercussão que teve na mídia causam dificuldades práticas, mas isso não altera em nada o compromisso ecumênico que devemos ter, porque ele parte de uma convicção bíblico-teológica de que é o que Jesus Cristo deseja, e nesse sentido a Igreja Católica também o afirma. É verdade que nossa compreensão de Igreja é diversificada.

O Vaticano o expressou, mas também as protestantes ou evangélicas e pentecostais não quereriam afirmar que são Igreja exatamente da mesma forma que a Igreja Católica o é. Contudo, creio que devemos fazer um esforço para colocar as nossas diferenças no bojo dos avanços que o movimento ecumênico já registrou e que nos dão motivos para ter esperança de que à frente possam ocorrer novos avanços. Há áreas significativas em que no passado tínhamos grandes divergências teológicas que foram amenizadas ou mesmo superadas.

As diferenças hoje se tornam mais candentes justamente na compreensão do que é Igreja e de como ela se organiza. O documento da Igreja Católica trouxe isso à tona e é um tema que deve ser tomado no contexto do diálogo ecumênico. A convicção luterana é de que o conceito de Igreja não se caracteriza tanto por uma compreensão quantitativa dos vários ou muitos elementos que no seu conjunto perfazem a Igreja, mas sim num sentido qualitativo, ou seja, de pessoas que se reúnem em torno de Jesus Cristo e do seu Evangelho.


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