Auxílios Homiléticos - Proclamar Libertação



ID: 2911

Mateus 9.35-10.8 - 3° Domingo após Pentecostes - 18/06/2023

Auxílio Homilético

18/06/2023

 

Prédica: 3° Domingo após Pentecostes
Leituras: Êxodo 19.2-8a e Romanos 5.1-8
Autoria: Verner Hoefelmann
Data Litúrgica: 3° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/06/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII

 

O ministério de Jesus serve de baliza para o ministério da igreja

1. Introdução

Mateus 9.35 – 10.8, que serve de base para a prédica, é um texto precioso, profundo e impactante. O evangelista diz que Jesus percorria as cidades  e povoados da Galileia, ensinando a vontade de Deus, pregando a Boa-Nova do Reino e curando as pessoas de suas doenças e enfermidades. E ao lidar com as pessoas, ele passa a sentir por elas uma compaixão profunda, porque percebe que elas estão aflitas e prostradas como ovelhas que não têm pastor. E alterando a metáfora, acrescenta: há muita coisa por fazer na lavoura de Deus, que é o seu povo, mas os trabalhadores são poucos. Há muito trabalho por fazer e pouca gente para trabalhar. Por isso peçam a Deus, o dono da lavoura, que mande mais trabalhadores para participar da colheita. Na sequência, Jesus reúne discípulos, prepara-os e envia-os para as primeiras experiências missionárias, incluindo-os em seu ministério e ampliando o alcance dele.

Não é fácil estabelecer um vínculo temático entre o texto de pregação e os textos de leitura. Êxodo 19.2-8a descreve a chegada dos hebreus ao monte Sinai. É hora de fazer um balanço e projetar o futuro. Ao olhar para trás, o povo há de convencer-se de que sua libertação do Egito é obra de Deus, assim como sua preservação durante o percurso pelo deserto, carregado “sobre asas de águia”. Como aconteceu no passado, também no futuro os escravos libertos podem contar com as promessas de Deus: se o povo ouvir a sua voz e corresponder à sua aliança, Deus o transformará em sua propriedade, em nação santa, em reino de sacerdotes. Segue-se uma teofania (19.16-20), a recepção do Decálogo (20.1-17) e do código da aliança (20.22 – 23.33). A observância dos mandamentos é parte do compromisso da aliança e nada mais visa do que preservar a liberdade recebida. Moisés atua nesse contexto como o mediador entre Deus e o povo. Mas, ao mesmo tempo, pode contar com anciãos que o auxiliam em sua tarefa (20.7-8), aspecto esse ampliado de forma sugestiva em Números 11.1-30. Esse poderia ser um possível ponto de contato com o texto de pregação, pois também Jesus, segundo Mateus, compartilhou com os discípulos a tarefa que lhe estava destinada.

Romanos 5.1-8 é um ponto de inflexão na Carta aos Romanos, pois passa a descrever o que significa viver a partir da justificação pela graça, recebida e experimentada através da fé. Quem vive nessa nova era inaugurada por Cristo através de sua obra redentora não está mais sob a ira de Deus, mas pode usufruir de sua paz. Dessa paz brota a energia que ajuda a pessoa que crê a enfrentar a tribulação, a adquirir experiência e a fortalecer a esperança. É o Espírito Santo,
escreve Paulo, quem derrama em nosso coração a certeza do amor de Deus por nós. No campo da fé, ninguém pode dar o que antes não tenha recebido.

2. Exegese

a) Mateus 9.35 – 10.8 no contexto do evangelho

O texto de pregação faz o papel de dobradiça, que conecta duas partes importantes do Evangelho de Mateus. Depois de narrar episódios do nascimento e da infância de Jesus (1 – 2) e os preparativos para sua atuação pública, resumidos na pregação de João Batista, no batismo e na tentação de Jesus (3 – 4), Mateus passa a descrever o ministério público de Jesus (5 – 9). Mesmo que também se faça referência a discípulos nesse contexto, Jesus ocupa nesse bloco o centro da atenção. Tudo gira em torno dele. O trecho é introduzido por um sumário (4.23-25), que resume de forma programática o que Jesus passa a fazer: ele percorre toda a Galileia e sua atividade é descrita com a ajuda de três verbos: ele ensina nas sinagogas, ele prega o evangelho do reino, ele cura toda sorte de doenças e enfermidades. Sua fama se espalha por várias regiões, entre elas a Síria (a provável pátria do evangelho), e numerosa multidão passa a segui-lo.

Esse sumário é desdobrado na sequência. A dimensão do ensino e da pregação de Jesus é apresentada nos capítulos 5 – 7: no famoso sermão da montanha, Jesus radicaliza a compreensão da vontade de Deus expressa na lei e ensina as pessoas a buscar o reino de Deus e a sua justiça, que supera em muito aquela justiça proclamada por escribas e fariseus. A dimensão da cura é desenvolvida nos capítulos 8 – 9: Mateus narra aqui numerosas curas e milagres de Jesus, que brotam da fé e estão a serviço dela (8.10, 13, 26; 9.2, 22, 28, 29).

O evangelista pretende destacar, com os capítulos 5 – 9, que Jesus se revela como o Messias da palavra e o Messias da ação. Palavra e ação se complementam mutuamente. Uma está a serviço da outra. No final do bloco, 9.35 repete quase as mesmas palavras de 4.23, vinculando mais uma vez o ensino e a pregação de Jesus com as suas curas.

Mateus 9.35, portanto, é uma parte da dobradiça, que conecta o texto de pregação com o ministério de Jesus que acaba de ser narrado. A sequência do texto representa a outra parte da dobradiça. Ela faz a conexão com o que vai ser narrado a seguir: diante da gigantesca tarefa que Jesus constata em suas andanças, ele prepara pessoas para amplificar seu ministério. As necessidades existentes junto ao povo são muito maiores do que os recursos que ele possui. Por isso Jesus prepara, autoriza e envia discípulos, para que eles participem de sua tarefa e de sua missão.

b) O texto de pregação

9.35-36: O v. 35, como dito acima, repete 4.23, com pequenas variações, e estabelece uma conexão com os capítulos anteriores. A leitura desses capítulos pode ilustrar o que significa o “evangelho do reino” (5 – 7) e como o Messias de Israel “cura toda sorte de doenças e enfermidades” de seu povo (8 – 9).

Ao resumir a atividade de Jesus, Mateus destaca duas coisas. A primeira é que Jesus desenvolve um ministério itinerante: diferentemente de João Batista, que se estabelece à beira do Jordão e aguarda que as pessoas venham a ele, Jesus vai ao encontro das pessoas lá onde elas estão, em meio às circunstâncias concretas de sua existência. A segunda coisa que chama a atenção é a caracterização de seu ministério. Tudo o que Jesus diz ou faz está resumido em três verbos: ensinar, pregar e curar.

O evangelho se reporta seguidamente a essas dimensões. Vários locais servem de palco para o seu ensino: o monte (5.1-2), as sinagogas (4.23; 9.35; 13.54), o templo de Jerusalém (21.23; 26.25). Em seu ensino, Jesus radicaliza a vontade de Deus expressa na lei. Ela não se refere apenas às manifestações externas, mas atinge também o núcleo onde as ações são geradas (5.17-48). Por isso é preciso buscar a renovação do ser humano a partir de dentro e das circunstâncias que o envolvem. Pois quando a árvore é boa, ela produzirá bons frutos, enquanto a árvore má não pode senão produzir frutos maus (7.17). Essa vontade de Deus pode ser resumida nos mandamentos do amor a Deus e ao próximo, que servem de norma e critério para os demais preceitos da lei (22.34-40). Por causa desse posicionamento, Jesus entrou em atrito muitas vezes com adversários (15.9), enquanto as multidões se maravilhavam dele, porque ele as ensinava com autoridade, e não como os escribas ordenados (7.28-29; 13.54; 22.33; 23.23).

Objeto da pregação de Jesus é sempre o reino de Deus ou reino dos céus, como Mateus prefere dizer (4.17, 23; 10.7; 24.14). Quem quiser saber como é esse reino, deve olhar para a pessoa de Jesus e o que ele diz ou faz. A participação nesse reino acontece mediante o arrependimento (4.17), pois é através dele que o ser humano se submete a Deus e Deus passa a reinar sobre ele.

As curas de Jesus são expressão de sua misericórdia e sensibilidade frente ao sofrimento humano (9.27; 15.22; 17.15). As doenças desfiguram no ser humano a sua condição de imagem e semelhança de Deus. As curas restauram a sua integridade física e lhe proporcionam uma nova qualidade de vida. Elas devolvem às pessoas doentes a possibilidade de interação social, visto que de outra forma elas estariam entregues à mendicância, à pobreza, ao isolamento, ao preconceito religioso e social. Saúde é um aspecto da salvação. Por isso as curas de Jesus, junto com o ensino e a pregação, mostram sua preocupação com o ser humano inteiro e suas diferentes necessidades.

O v. 36 mostra como o ministério de Jesus impactou a ele mesmo. Servindo-se de uma cena pastoril muito frequente na vida e nas tradições de seu povo, Jesus compara as multidões que encontra em suas andanças a ovelhas sem pastor (cf. Nm 22.17; 1 Rs 22.17; Is 53.6; Mc 6.34). Em paisagens pobres, áridas e descercadas, a figura do pastor era essencial para manter unido o rebanho, para conduzi-lo a locais com pastagem e água e defendê-lo contra predadores. Por isso ela foi utilizada, muitas vezes, como metáfora para designar as lideranças religiosas e políticas (Ez 34). Mas à semelhança do profeta Ezequiel, Jesus denuncia que os pastores de Israel não estão cuidando de seu povo. Por isso ele está entregue à própria sorte e, como ovelhas sem pastor, está disperso, espoliado, prostrado e indefeso. Ao contrário das lideranças, que exploram o povo e são indiferentes ao seu sofrimento, Jesus se compadece ao enxergar sua situação. Compadecer-se significa permitir que o sofrimento dos outros comova o próprio coração. Jesus assume o sofrimento de seu povo como sua causa pessoal. Essa identificação tornou-se possível porque ele se aproximou das pessoas, defrontou-se com sua realidade cotidiana e deixou-se afetar por ela.

9.37-38: No confronto com as pessoas, Jesus percebe a imensidão da demanda e da tarefa à sua frente. E se serve de uma metáfora do mundo agrícola (seara) para falar sobre o desafio que está posto. A mesma frase reaparece em Lucas 10.2, na instrução missionária aos setenta, sinal de que ela pertencia a uma fonte comum aos dois evangelistas. A imagem da seara é igualmente recorrente na tradição bíblica (Jl 3.13; Mt 13.30, 39; Mc 4.29; Jo 4.35; Ap 14.15). Trata-se dos campos de cereais prontos para a colheita. Três coisas são ditas sobre a seara: a) ela é grande e está madura para a ceifa; b) há poucos trabalhadores para fazer a colheita; c) é preciso providenciar mais trabalhadores. A metáfora bíblica sempre traz consigo a ideia de urgência: ante a seara madura, não há tempo a perder. A colheita sinaliza o juízo iminente de Deus sobre uma realidade que necessita de transformação. A resposta de Jesus para o gigantismo da tarefa não é o desespero, mas a oração. A miséria das pessoas clama aos céus. Por isso é preciso pedir ao dono da lavoura que mande mais trabalhadores para a colheita.

10.1-4: Este bloco representa a resposta de Deus ao pedido por mais trabalhadores. E Jesus é o encarregado de recrutá-los. Ele é o guia que há de apascentar o povo de Israel (Mt 2.6), disperso e oprimido como ovelhas sem pastor. Por isso chama para junto de si um grupo de doze discípulos (10.1), que na sequência são chamados de apóstolos (10.2). Discípulos são os que seguem Jesus, apóstolos, os que são enviados em seu nome. As duas designações são lembradas nesse contexto porque, antes de representar Jesus, eles precisam segui-lo e aprender dele. Não se trata aqui, a rigor, da constituição dos discípulos, mas de sua autorização e comissionamento por Jesus, visto que a presença de discípulos já é mencionada em textos anteriores (4.19-22; 5.1; 8.23; 9.9, 10-11, 19).

O número doze é mencionado pela primeira vez no evangelho. Ele evoca o povo de Deus da antiga aliança e representa o núcleo germinal do povo que Jesus pretende congregar novamente. O propósito de conectar os discípulos com sua própria missão está expresso no fato de conceder-lhes sua autoridade para fazer o que ele estava fazendo: expulsar espíritos impuros (4.24; 8.16, 26, 28-34; 9.32-34) e curar toda sorte de doenças e enfermidades (4.23-24; 8.1-4, 5-13, 14-16; 9.1-8, 18-26, 27-31, 35).

A lista de discípulos aparece ainda em outros textos (Mc 3.16-19; Lc 6.13-16; At 1.13). Há algumas diferenças nos nomes e em seu sequenciamento. Mas Pedro sempre é citado em primeiro lugar, e Judas, em último. Os primeiros nomes das listas são os dois pares de irmãos, cuja vocação Mateus havia narrado em 4.18-23. A lista de Mateus, além disso, enumera os nomes em pares, talvez porque, na comissão dos doze em Marcos 6.7 (e dos setenta em Lucas 10.1), eles são enviados de dois em dois. Como indicam as referências, o grupo é heterogêneo: um é publicano, outro é zelote/nacionalista, outros são pescadores, de outros nada se sabe. Mas neles Jesus investe para incorporá-los ao seu ministério e aplacar a miséria de seu povo.

10.5-8: Esses versículos introduzem as instruções de Jesus aos doze, que se prolongam por todo o capítulo. Os discípulos, que antes seguiam Jesus, agora são enviados em seu nome e autorizados a representá-lo em experiências missionárias. As instruções evocam a conduta do próprio Jesus. Os discípulos devem procurar as ovelhas perdidas da casa de Israel, pregar a proximidade do reino dos céus e restaurar nas pessoas a qualidade de vida: curar enfermos, ressuscitar mortos, purificar leprosos, expelir demônios – tudo que Jesus havia feito em seu ministério anterior. Ou seja, a tarefa confiada aos discípulos reproduz e amplifica o ministério de Jesus.

Destaca-se a demarcação mencionada no v. 5: os discípulos não devem tomar o rumo dos gentios nem entrar em cidades samaritanas. Trata-se de uma redundância, porque nesse tempo os samaritanos eram tidos igualmente como gentios. Algo similar encontramos em Mateus 15.24, quando Jesus, diante da mulher cananeia, delimita sua ação às ovelhas perdidas da casa de Israel.

Como entender essa restrição num evangelho que inicia com a visita de gentios (magos) ao menino Jesus (Mt 2) e termina com a ordem do ressuscitado de fazer discípulos em todas as nações (28.18-20)? É possível que esse traço reflita a história da comunidade de Mateus. Ela sabe que Jesus se dedicou a seu povo e que jamais deixou sua terra para pregar o evangelho a outra gente. A própria comunidade nasceu a partir de judeus convencidos pelo evangelho de Jesus. Mas aos poucos essa comunidade aceitou também gentios em seu meio. Estamos falando provavelmente de Antioquia da Síria (cf. Mt 4.24), onde nasce a primeira comunidade mista (At 11.19-26), que serve de apoio ao trabalho missionário de Paulo.

Mas por que Jesus restringe sua atuação e a dos discípulos a seu povo? Não porque menospreze os demais, mas porque compartilha a esperança profética da peregrinação dos povos a Sião (Is 2.2-4; 60; 66.20; Zc 8.22; 14.16-17). É por isso que ele quer reconstituir seu povo: para que ele volte a ser uma luz para as nações (Is 60.3; Mt 4.16), fonte de bênção para todas as famílias da terra (Gn 12.1-3). Em outras palavras, missão como atração! A peregrinação pode ser antevista na visita dos magos ao menino Jesus. É o que Jesus também enxerga no centurião romano, que o procura em território israelita em busca de auxílio para o criado paralítico (Mt 8.10-11). Em rápida incursão ao exterior para refugiar-se contra hostilidades, Jesus se nega, num primeiro momento, a auxiliar a mulher cananeia, até ser finalmente convencido pela grande fé que ela demonstrou (Mt 15.21-28). Essa fé, afinal, se tornará o critério de acesso ao povo de Deus constituído por judeus e gentios.

3. Meditação

O texto de pregação fornece um resumo significativo do ministério de Jesus e representa uma provocação instigante ao ministério da igreja. No momento em que os discípulos são incorporados ao ministério de Jesus, esse deve orientar também a missão da igreja e de suas lideranças. O ministério de Jesus serve de baliza para o ministério da igreja, e o ministério da igreja é chamado a amplificar o ministério de Jesus. Se a igreja não amplifica o ministério de Jesus, ela perde a sua legitimidade e a sua razão de ser. Por isso é necessário ouvir o texto com calma e atenção.

a) Primeira coisa instigante é a consideração ao ministério itinerante de Jesus. Como vimos, Jesus não se instala em algum lugar à espera de que as pessoas venham procurá-lo. Ele vai ao encontro das pessoas lá onde elas estão. Como canta o poeta: “Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, todo artista tem de ir onde o povo está” (Milton Nascimento). Vale para o artista, vale para a igreja! Sua tarefa não se resume a instalar-se num local à espera das pessoas que a procuram. Não é esse o modelo que prevaleceu na história? A igreja é chamada a ir lá onde o povo está. Caso contrário ela perderá importância e se tornará supérflua. Quando muito, se transformará numa espécie de supermercado, para onde as pessoas se dirigem quando têm alguma necessidade individual a suprir.

Por que é tão importante ir ao encontro das pessoas? Porque é lá que a vida acontece e a realidade das pessoas se apresenta como ela realmente é. Os dramas humanos dificilmente vêm à tona quando as pessoas estão fora de seu ambiente vital. Isso serve de alerta em relação às pessoas que se congregam em nossas comunidades, inclusive em nossos cultos, que consideramos o centro da vida comunitária. Se nossos cultos não estiverem conectados com a vida real das pessoas, eles se tornarão eventos artificiais e obsoletos, incapazes de corresponder aos anseios e às necessidades das pessoas. Com o tempo, elas deixarão de vir. É por isso que Jesus vai ao encontro das pessoas: porque é lá que a vida delas se revela como ela realmente é e com as carências que ela possui.

b) Chegamos a um segundo aspecto importante: o texto nos diz que quando Jesus se encontra com as pessoas lá onde elas vivem, ele descobre que elas estão confusas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. Ovelhas sem pastor ficam desnorteadas e se tornam presa fácil de animais vorazes, aproveitadores e oportunistas. À semelhança do profeta Ezequiel, Jesus descobre que as lideranças de seu povo, designadas de pastores, não estão conduzindo o rebanho a lugares onde possam saciar a fome ou a fontes onde possam saciar a sede. Ao invés de cuidar das ovelhas, estão se aproveitando delas para saciar seus próprios interesses: bebem de seu leite, matam-nas para saciar a fome, servem-se de sua lã, mas não cuidam delas. Não tratam as fracas, não curam as doentes e machucadas, não vão buscar as que se desviam nem procurar as que se perdem. É assim que Jesus encontra o povo. Não temos aqui um retrato de nossa própria realidade?

c) Chegamos assim ao terceiro aspecto: diante do que vê, o coração de Jesus é tomado por uma profunda compaixão. Compadecer-se é a capacidade de reconhecer a miséria e a dor do outro e a solidarizar-se com ele. Por que Jesus se compadece? Porque ele não se conforma com a imagem de Deus desfigurada no rosto das pessoas. Há um abismo profundo entre o que elas deveriam ser e o que de fato são. A essa compaixão Jesus é levado quando se encontra com as pessoas lá onde elas vivem e labutam, lá onde a miséria humana vem à tona. Por isso é tão importante aproximar-se das pessoas. Muito de nossa indiferença, alienação ou preconceito vem do nosso distanciamento das pessoas. Quando nos aproximamos delas e de sua história de vida, há uma grande chance de que nosso coração se comova e sejamos movidos à compaixão e à solidariedade, a menos que tenhamos um coração de pedra.

d) Diante desse quadro de aflição e falta de rumo, Jesus se apresenta como o bom pastor anunciado pelo profeta Ezequiel. Este é o quarto aspecto importante. Jesus se apresenta como o bom pastor que quer congregar as pessoas em torno de um projeto de vida plena para todas as pessoas: um caminho que as liberte do absurdo e as conduza a uma vida com sentido; uma mensagem que as liberte dos poderes que as escravizam e as encha de ânimo e esperança; um projeto que visa ao bem-estar integral do ser humano. É por isso que Jesus ensina, prega e cura. É por isso que ensina às pessoas o caminho que leva às boas pastagens e às fontes de água. É por isso que cuida de suas feridas e cura as suas enfermidades.

e) Mas Jesus constata que a necessidade das pessoas é grande e que os seus recursos são limitados. As necessidades que ele enxerga são muito maiores do que as suas possibilidades. Este é o quinto aspecto. Em vista da dimensão da tarefa, Jesus necessita de colaboradores que o tomem como referência e modelo, que sejam movidos pela compaixão frente à miséria alheia, que estejam dispostos a multiplicar o seu ministério de ensino, pregação e cura e dar continuidade à obra iniciada por ele. De alguma forma, os ministérios que a igreja criou ou vier a criar encontram aqui a sua fundamentação, a sua tarefa e o critério de legitimidade. Qualquer ministério que se exerce na igreja é chamado a concretizar algum aspecto do ministério que o próprio Jesus exerceu. Sim, Jesus quer compartilhar seu ministério conosco, para que mais pessoas sejam alcançadas pelo amor de Deus e possam recuperar sua condição de criaturas criadas à sua imagem e semelhança. Mas importa reconhecer exatamente o nosso lugar e o nosso papel. O bom pastor, aquele que dá a vida por suas ovelhas, que lhes mostra o caminho das fontes e boas pastagens, esse continua sendo Jesus. Nós não passamos de instrumentos que Deus pode usar para dar continuidade à obra de misericórdia e de restauração do ser humano.

f) Pensando no tema da vocação, que está na ordem do dia da igreja, o texto de pregação também apresenta uma perspectiva interessante: a vocação que tem sua origem em Jesus não nasce no abstrato ou no recôndito do ser humano, mas no encontro com pessoas concretas e suas realidades. Jesus chamou e comissionou discípulos depois de defrontar-se com a realidade cruel e desumana de seu povo. Em que medida a igreja tem ajudado seus membros a colocar-se diante de pessoas e situações que geram comoção, inconformidade, indignação, compaixão, solidariedade, desejo de engajar-se e de colaborar? Os dons que Deus nos concede são sementes que precisam ser descobertas, plantadas e regadas no chão da vida concreta e real.

4. Imagem para a prédica

Jesus desdobra seu ministério em três dimensões: a pregação do evangelho, o ensino e a cura (Mt 9.35). Cada uma delas tem um propósito específico: a primeira visa despertar; a segunda, aprofundar; e a terceira, concretizar a fé, a esperança e o amor. Nenhuma delas pode ser absolutizada ou esquecida. As três juntas indicam que Jesus se preocupa com todas as necessidades humanas, sejam elas de natureza espiritual ou material. O texto nos diz que os doze, primeiro, foram chamados de discípulos e, na sequência, de apóstolos. Os dois nomes remetem à tarefa confiada à igreja de aprender essa lição com Jesus e de testemunhá-la ao mundo.

5. Subsídios litúrgicos

Introito: Jesus se apresentou a seu povo como o bom pastor que veio para congregar as ovelhas, cuidar delas e dar a vida por elas. Ele disse: Eu vim para que vocês tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 10.10).

Hinos: LCI 22 (Entrada); LCI 44 (Confissão de pecados); LCI 49 (Anúncio da graça); LCI 576 (Palavra); LCI 285 (Bênção). Os hinos estão disponíveis no link: <https://www.luteranos.com.br/conteudo/livro-de-canto-da-ieclb-por-numeracao>.

Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus! Teu Filho Jesus se aproximou das pessoas de seu tempo e sentiu profunda compaixão por elas, ao perceber que estavam dispersas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. Perdoa-nos quando nos distanciamos das pessoas ou quando fechamos os olhos para não enxergar sua situação de sofrimento, angústia e solidão.

Senhor, teu Filho se aproximou das pessoas para anunciar a elas a boa nova do evangelho, para ensinar-lhes a vontade de Deus, que se manifesta como amor e justiça, e para curá-las de suas dores e enfermidades. Perdoa-nos quando nos fechamos em torno de nós mesmos, quando contribuímos com o sofrimento de outros e ajudamos a manter um mundo desumano e desigual, de modo que tua imagem e semelhança não podem ser mais reconhecidas no rosto das pessoas.

Senhor, teu Filho convocou pessoas como discípulas para que elas pudessem colaborar com sua missão de orientar pessoas no bom caminho e restaurar junto a elas vida digna e abundante. Perdoa-nos quando nos isentamos de nossa responsabilidade e queremos que tu resolvas os problemas que nós ajudamos a criar.

Preenche-nos com teu Espírito, restaura nossa fé e nossa disposição para o serviço às pessoas mais carentes, confusas e exaustas, para que nosso testemunho possa ser percebido como um sinal do teu reino, que quer ganhar espaço neste mundo. Por Cristo Jesus, nosso Senhor e Salvador, Amém!

Palavra de graça: Deus responde à nossa confissão de pecados assim como respondeu ao profeta Isaías: Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel (Is 41.10).

Oração de coleta: Senhor, nosso Deus, aquieta nossa mente e nosso coração no momento em que nos preparamos para ouvir tua palavra. Fala tu mesmo a nós através da palavra que nos será anunciada e anima-nos a responder a ela com alegria, obediência e comprometimento. Por Jesus Cristo, teu Filho, Amém!

Bibliografia

CARTEN, Warren. O evangelho de São Mateus. São Paulo: Paulinas, 2002.
LUZ, Ulrich. El evangelio según San Mateo. Salamanca: Sígueme, 2001.
RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus. Curitiba: Evangélica Esperança, 1998.


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Autor(a): Verner Hoefelmann
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Pentecostes
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2022 / Volume: 47
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 69504

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Cristo, juntamente com todos os santos, assume a nossa forma pelo seu amor, luta ao nosso lado contra o pecado, a morte e todo o mal. Em consequência, inflamados de amor, nós assumimos a sua forma, confiamos em sua justiça, vida e bem-aventurança.
Martim Lutero
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Quem conhece Deus também conhece as criaturas, as compreende e as ama, pois, nas criaturas, estão as pegadas da divindade.
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