Elementos para responder ao referendo sobre o desarmamento

11/08/2005

 

Quinta, 11 de agosto de 2005 - 16h45min

Após o sucesso da primeira fase da Campanha do Desarmamento e do Mutirão Nacional de Entrega de Armas, as organizações, redes parceiras e igrejas estão se ombilizando para disponibilizar elemntos para que os cidadãos possam refletir sobra e pergunta que será feita a cada um e cada uma através de referendo, no próximo dia 23 de outubro:“O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Para auxiliar, o grupo está divulgando alguns subsídios como o que transcrevemos abaixo - uma questão de vida em 10 pontos pacíficos - que traz dados muito interessantes para auxiliar na reflexão. Confira e passe adiante!

REFERENDO DO DESARMAMENTO - Uma questão de vida em 10 pontos pacíficos

“Procurai a paz da cidade e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz” (Jr 29.7)

No dia 23 de outubro, será realizado o primeiro referendo da história brasileira. Essa é uma importante conquista de nossa democracia. A pergunta será: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”

Muitos mitos e mentiras estão sendo veiculados pelos defensores das armas. Para decidir com consciência, os brasileiros precisam conhecer a verdade dos fatos. A cada 13 minutos, morre uma pessoa no Brasil vitimada por arma de fogo. São muitas as razões para dizer SIM à proibição do comércio de armas e munição no Brasil. Vejamos 10 pontos pacíficos:

1. MAIS ARMAS, MENOS VIDAS

“O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e vida abundante” Jesus Cristo (Jo 10.10).[/iA arma de fogo não é a causa da violência. A arma de fogo propaga a violência e agrava a sua natureza, tornando-a mortal. No Brasil, a violência é uma epidemia e a arma o seu mais perigoso transmissor.

Segundo a UNESCO [Mortes Matadas, 2005], o Brasil é o país onde mais se mata e mais se morre por arma de fogo no mundo, mesmo em comparação com países que estão em guerra. Em 2003, morreram 39.284 brasileiros vitimados por arma de fogo. São 108 mortos e 53 feridos por dia. Ao contrário do que afirmam os defensores das armas, os dados do Ministério da Saúde provam que, no Brasil, as armas de fogo matam mais do que acidentes de trânsito.

2. TER ARMAS EM CASA AUMENTA O RISCO, NÃO A PROTEÇÃO

“Se o Senhor não guardar a cidade em vão vigia a sentinela” (Sl 127.1b).

Todo cidadão tem o direito à legítima defesa da sua família, da sua casa e propriedade. Mas é um equívoco achar que uma arma vai ajudá-lo. Muito pelo contrário, as armas em casa costumam se voltar contra a própria família. Segunda pesquisa americana, uma arma em casa tem 22 vezes mais chances de ser envolvida em suicídios, acidentes ou homicídios entre conhecidos do que de ser usada em situação de legítima defesa [J. of Trauma, 1999]. Segundo o governo norte-americano [FBI, 2001], “para cada sucesso no uso defensivo de arma de fogo em homicídio justificável, houve 185 mortes com arma de fogo em homicídios, suicídios ou acidentes”. No Brasil, os dados do Ministério da Saúde também comprovam este fato [Datasus, 2002]:

Suicídios:

- A arma de fogo é o método de suicídio mais utilizado por homens no Brasil.

Acidentes:

-Um terço das pessoas feridas por arma de fogo no Brasil foram vítimas de tiros acidentais.

-Os hospitais brasileiros atendem três crianças por dia feridas por arma de fogo. Duas delas foram vítimas de acidentes. Os pais guardam armas em casa para se defender, mas o próprio filho acaba encontrando-as e causando trágicos acidentes.

3. A PRESENÇA DE UMA ARMA PODE TRANSFORMAR QUALQUER CONFLITO EM TRAGÉDIA E QUALQUER CIDADÃO EM CRIMINOSO

“Então disse Jesus: Mete a tua espada no seu lugar; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão” (Mt 26.52).

Costuma-se imaginar que o perigo vem de fora (assaltantes, bandidos, etc.). Segundo pesquisa do FBI, nos Estados Unidos, entre 1976 e 2002, só 15% dos homicídios de homens e 8% dos homicídios de mulheres foram cometidos por “estranhos”. E no Brasil?

Em São Paulo, em 46% dos homicídios, a vítima e autor se conheciam (parentesco, vizinhança ou amizade) [NEV/USP, 1996]. No Rio de Janeiro, em cada três crimes com vítimas por arma de fogo, um envolve uma pessoa próxima da vítima [ISER, 1997].

Crimes violentos não são causados apenas por bandidos, mas também entre “pessoas de bem”, sem antecedentes criminais, que perdem a cabeça e tiram a vida umas das outras em situações banais: brigas de trânsito, entre vizinhos, no futebol, em bares ou dentro de suas próprias casas. Armas de fogo transformam desavenças banais em tragédias irreversíveis.

4. AS ARMAS DE FOGO SÃO UMA GRANDE AMEAÇA À VIDA DAS MULHERES

“Marido, ame a sua própria mulher como a si mesmo...” (Ef 5. 33).

Internacionalmente, 40 a 70% dos homicídios de mulheres são cometidos pelos seus parceiros íntimos. [Dahlburg and Krug, 2002]. Quando o marido ou companheiro tem acesso a uma arma, o risco da mulher ser assassinada por ele é cinco vezes maior [American J. of Public Health, 2003]. Nas capitais brasileiras, 44,4% dos homicídios de mulheres são cometidos com arma de fogo [Datasus, 2002]. A maioria delas é vítima de seu próprio marido ou companheiro.

5. EM CASO DE ASSALTO “QUEM REAGE MORRE”

“As pessoas que amam a paz deixam descendentes...” (Sl 37.37)

Muitos brasileiros, desconfiados da eficácia da polícia, consideram que uma arma pode ajudá-los a se defender durante um assalto. Mas é um mito considerar que com uma arma o cidadão está mais protegido! Por quê?

Porque o bandido tem sempre a iniciativa e a vantagem do elemento surpresa. Na maioria dos assaltos, mesmo pessoas treinadas não têm tempo de reagir e sacar sua arma. E o que é mais grave: quando o cidadão reage, ele tem mais chance de se ferir ou ser morto do que ser bem sucedido no enfrentamento do bandido. E o criminoso acaba levando a arma da vítima consigo. Isso foi comprovado numa pesquisa do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de São Paulo.

Existem situações onde arma foi usada para se defender? Existem, mas como comprovam todas as pesquisas sérias feitas sobre o assunto, são exceções e políticas públicas não são baseadas em exceções.

6. TER ARMA EM CASA NÃO ESPANTA BANDIDO E AUMENTA O RISCO PARA A VÍTIMA, AFINAL, ARMAS FORAM FEITAS PARA MATAR

“O Senhor repreenderá os povos e estes converterão as suas espadas em relhas de arado e as suas lanças em foices.” (Is 2.4).[/o]

Alega-se que lares sem armas correm mais risco de sofrer invasões e assaltos. Na verdade, uma das razões de assaltos a empresas e residências é justamente o roubo de armas.

Além de evitar mortes acidentais, suicídios e homicídios entre conhecidos, a ausência de armas em casa pode diminuir o grau de violência empregado por assaltantes.

A Associação Nacional de Fuzis norte-americana argumenta que carros também matam e pergunta se também devem ser proibidos. Todo mundo sabe que automóveis matam por acidente e não de forma intencional. Ao contrário, armas de fogo são desenhadas para matar, e com eficácia, diminuindo o risco de dano ao agressor por matar à distância e sem dar chance à vítima. Elas permitem matar várias pessoas em frações de segundos, podendo atingir inocentes com balas perdidas que, em 2003, causaram uma morte a cada 6 dias no Estado do Rio, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado.

7. AS ARMAS NO BRASIL ESTÃO FORA DE CONTROLE. CONTROLAR AS ARMAS LEGAIS AJUDA A LUTAR CONTRA O CRIME

“Aparte-se do mal e faça o bem: procure a paz a siga-a” (1Pe 3.11)

Pesquisa publicada pelo Viva Rio, em parceria com os especialistas do Instituto Suíço Small Arms Survey, estima o número total de armas em circulação no Brasil em 17 milhões e 500 mil. Apenas 10% dessas armas são do Estado, o resto, ou seja 90%, estão em mãos civis (a média internacional é de 60%). As armas ilegais representam 50% do total.

É um mito achar que as armas que mais nos ameaçam têm cano longo, são estrangeiras e contrabandeadas. Pesquisa feita em colaboração com a Policia Civil do Rio de Janeiro revela que 80% das armas apreendidas entre os anos de 1950 e 2003 são armas curtas: pistolas (15%) e revólveres (65%); 76% são brasileiras, e 63% de uma só marca, a Taurus-Rossi.

As armas mais utilizadas em assaltos e em conflitos banais são pistolas e revólveres, em sua maioria fabricados no Brasil.

25% do total das armas apreendidas pela polícia do RJ entre 1950 e 2003 tinham registro legal [DFAE, 1003]. Quer dizer, foram compradas legalmente, registradas na policia e depois caíram em mãos erradas. Involuntariamente, a pessoa que compra uma arma na loja acaba abastecendo o crime quando a sua arma é furtada, roubada, perdida ou revendida. Em 2003, a Polícia Federal informou o roubo de 40.000 armas que estavam em poder de cidadãos de bem.

8. O ESTATUTO DO DESARMAMENTO É UMA LEI QUE DESARMA O BANDIDO

“No que depender de vocês, façam todo o possível para viver em paz com todas as pessoas” (Rm 12.18).

Baseando-se nos dados que comprovam o impacto das armas na saúde pública, os riscos que elas trazem para a sociedade e a importância de controlar o mercado legal para diminuir o ilegal, o Congresso aprovou em Dezembro de 2003 o chamado Estatuto do Desarmamento. O que ele determina?

- Tornou mais difícil a compra de uma arma de fogo.

- Proibiu o porte de arma para o cidadão comum. Agora é crime inafiançável com penas de até 6 anos. Em São Paulo, por exemplo, no decorrer da nova lei, o número de armas em circulação caiu em 24%.

- Previu uma Campanha de Entrega Voluntária de Armas, que foi iniciada em julho de 2004 e deve encerrar-se em outubro de 2005. Em um ano, essa campanha recolheu 400.000 armas!

O Estatuto também determinou que fosse realizado, em outubro de 2005, um Referendo Popular para abolir o comércio de armas no Brasil.

A implementação do Estatuto é um dos principais instrumentos de que dispõe hoje a sociedade brasileira para desarmar os bandidos.

9. ABOLIR O COMÉRCIO LEGAL DE ARMAS PREJUDICA O MERCADO ILEGAL E A PROIBIÇÃO NÃO VAI LEVAR A INDÚSTRIA DE ARMAS À FALÊNCIA

“Há muito que eu habito com aqueles que odeiam a paz. Eu sou pela paz; mas eles falam a favor da guerra” (Sl 120.7).

O mercado ilegal já existe e estima-se que ele seja responsável por 50% das armas em circulação no país. A proibição de armas não vai criar um fato novo. A redução da oferta no comércio legal vai levar a um aumento dos preços no mercado ilegal, tornando mais difícil a aquisição. Esta tendência já está comprovada, por exemplo, no estado de Santa Catarina onde, segundo fontes policiais, o preço do revolver 38 quintuplicou no mercado ilegal. Depois das medidas recentes de controle de armas no Brasil, as armas brasileiras vendidas no Paraguai ficaram mais caras e estão custando o mesmo que as estrangeiras.

O comércio para civis representa uma porção pequena dos negócios das indústrias de armas. A Taurus-Rossi e a CBC (Cia Brasileira de Cartuchos) são as principais indústrias de armas e munições no Brasil. A maior parte de sua produção é vendida para as Polícias e Forças Armadas ou exportadas. No caso da Taurus, o comércio pra civis representa menos de 25% das vendas (Comissão de Valores Mobiliários, 2003).

A maior parte dessas fábricas, além de armas, produzem também outras mercadorias, como coletes a prova de balas, ferramentas de mão e máquinas. Apenas 41% da produção do Grupo Taurus corresponde a armas [CVM, 2003].

Alega-se que a indústria armamentista emprega 40.000 pessoas que serão demitidos com a proibição do comércio de armas. Segundo o IBGE, o total de número de empregados pela indústria brasileira de armas em 2002 não passa de 6.442 pessoas. Também costuma-se dizer que a indústria de armas e munição é um bastião da economia brasileira quando, na verdade, ela tem um peso mínimo na indústria do país: ela representa só 0,048% da produção industrial total e 0,015% do PIB. Muito menos que a indústria de meias, por exemplo. No estado do RS, onde estão as maiores fábricas de armas como a Taurus-Rossi, as armas representam 0,2% da produção industrial deste estado. [Pesquisa Industrial Anual, 2002].

Pode-se dizer que as armas são um pequeno problema (em termos de peso econômico), mas causam grandes estragos. Em 2002, o sistema público de saúde gastou R$140 milhões para tratar de feridos por armas de fogo [ISER, 2005].

10. CONTROLAR AS ARMAS SALVA VIDAS[/]

“Que o Senhor da paz dê a vocês paz sempre” (2Ts 3.16)

As leis de controle de armas ajudam a diminuir os riscos para todos. Leva tempo para medir efeitos de uma lei votada recentemente e que ainda não está sendo integralmente aplicada. Porém, alguns resultados positivos já foram observados.

·Uma pesquisa do Ministério da Saúde mostrou que a campanha do desarmamento provocou uma redução das internações hospitalares causadas por arma de fogo nos Estados de São Paulo (-7%) e Rio de Janeiro (-10,5%) entre Janeiro 2004 e fevereiro 2005.

·Alguns estados já notificaram diminuição nas taxas de homicídios. Em São Paulo, os homicídios caíram 18,5 % no ano passado, e 22% na capital [ SSP-SP]. Na região metropolitana de Curitiba (PR), o número de homicídios caiu em 27% entre 2003 e 2004 [SSP-PR]. Em Pernambuco, segundo a Secretaria de Defesa Social houve uma redução de 10,8% do numero assassinatos, comparando-se os primeiros 9 meses de 2003 e 2004.

REFERENDO: UMA CHANCE PARA TODOS

Existem vários fatores que influenciam a violência (a desigualdade social, a eficiência dos sistemas de justiça e segurança pública etc.). Estes fatores podem ser corrigidos com reformas estruturais de longo prazo. O objetivo do desarmamento não é acabar com a violência, mas diminuir a letalidade da violência.

O referendo se justifica pelo volume de armas no Brasil. Segundo dados da Policia Federal (SINARM), em 2004 foram registradas 53.811 novas armas de fogo compradas por civis no Brasil. No primeiro trimestre de 2005, foram registradas 16.089 vendas de armas para civis. Projeta-se, para o ano todo, que a venda legal atinja 65.000 armas.

O referendo do desarmamento no Brasil é uma afirmação da democracia. Convida a população a decidir sobre um tema de imensa relevância para a construção de uma sociedade mais pacífica.

As pesquisas de opinião mostram que o povo quer participar e votar sim. Segundo o IBOPE (19/07/05), 81% dos Brasileiros são a favor da abolição do comercio de armas e munição no Brasil.

O referendo é a oportunidade de mostrar em que tipo de sociedade queremos viver.

O voto é obrigatório acima de 18 anos e opcional para jovens entre 16 e 18 anos.

Por um Brasil sem armas, sim pela vida. Pontos pacíficos!


Fonte: Coordenação de Religião e Paz do Viva Rio
 

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